Surgem evidências de que o alto comando militar israelense ordenou matar a co-nacionais

Foto: Yossi Zamir/Flash90

La Jornada.- Tudo indica que a ferocidade genocida do governo de extrema-direita do Likud, na conjuntura, atinge a seus conacionais, incluindo soldados, agentes de inteligência e civis. Com o passar das horas e dos dias, novos depoimentos de testemunhas israelenses parecem confirmar que, desbordados pelo ainda difuso ataque relâmpago dos militantes do Hamas, no dia 7 de Outubro, os comandantes militares israelenses recorreram à artilharia pesada – incluindo tanques e helicópteros de ataque Apache -, para enfrentar e neutralizar os insurgentes, e até puseram em prática o chamado procedimento Hannibal, que ordena às tropas israelenses que matem os seus colegas soldados antes de permitirem que sejam capturados para serem trocados por prisioneiros palestinos.

Essa teria sido a razão do auto-ataque à enorme instalação militar israelense situada na passagem fronteiriça de Erez, sede da Coordenação das Atividades Governamentais nos Territórios Ocupados (Cogat), que funciona como centro nevrálgico do cerco israelense a Gaza, e também contra residências do kibutz Be’eri e outras próximas que foram tomadas pelos fedayeen, bem como contra veículos que regressavam a Gaza (com supostos guerrilheiros e reféns) do festival de música eletrónica Nova.

Citando informações de meios de comunicação israelenses, como o jornal Haaretz, Mako, Radio Israel, Yedioth Aharanoth (Ultimas Noticias, o maior jornal em língua hebraica publicado em Tel Aviv) e a conta de Telegram de South Responders, jornalistas investigativos como Max Blumenthal e Jonathan Cook, desmantelaram e denunciaram, como fizeram antes Robert Inlakesh e Sharmine Narwani em The Cradle, a propaganda de guerra do regime supremacista de Netanyahu, incluindo a diatribe do embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan, em 26 de outubro, que usava uma estrela amarela presa ao peito com a legenda “Nunca mais” (Never again), gesticulava e gritava raivosamente desde o pódio que seu país estava lutando contra animais, antes de exibir uma papeleta mostrando um código QR com a legenda: Escaneie para ver as atrocidades do Hamas.

No entanto, de acordo com depoimentos e análises de informações e vídeos que circularam nas redes sociais e na mídia israelense, incluindo oito imagens horríveis de corpos queimados e enegrecidos, bem como uma pilha de cadáveres masculinos carbonizados em um contêiner, que apareciam após a digitalização do código exibido por Erdan na ONU, em vez de demonstrar as alegadas atrocidades do Hamas, geraram interrogantes como a colocada por Max Blumenthal em The Grayzone: “Será que as equipes de resgate e os médicos (legistas) teriam eliminado os judeus israelenses mortos (em Outubro 7) dessa maneira? Com o adendo de que 12 horas depois da encenação de Erdan na ONU, o arquivo do Google Drive continha apenas um pequeno vídeo e entre as fotos misteriosamente desaparecidas estava a imagem do contêiner cheio de cadáveres carbonizados. Blumenthal questiona: “Teria sido apagado porque mostrava combatentes do Hamas queimados por um míssil Hellfire, e não israelenses ‘queimados até a morte’ pelo Hamas?”

Mas, sem dúvida, aquela que parece ser a operação de fogo amigo mais singular é a que ocorreu no sede militar que alberga a Divisão de Gaza do exército israelense, onde está o Cogat, depois de ter sido atacado pelo Hamas e pela Jihad Islâmica Palestina. Vídeos gravados com câmeras GoPro supostamente instaladas nos capacetes dos combatentes palestinos mostram soldados israelenses abatidos em rápida sucessão, muitos deles ainda em roupa íntima. Blumenthal aponta que pelo menos 340 soldados da ativa (entre eles alguns burocratas a serviço da administração civil) e oficiais de inteligência (cerca de 50 por cento das vítimas confirmadas naquele dia) teriam morrido ali, incluindo oficiais de alta patente como o coronel Jonathan Steinberg, comandante da brigada israelense Nahal.
De acordo com Haaretz, o comandante da Divisão de Gaza, o Brigadeiro-General Avi Rosenfeld, atrincheirou-se na sala de guerra subterrânea (do quartel) juntamente com um punhado de soldados (entre os quais havia pessoal feminino), tentando desesperadamente resgatar e organizar o setor atacado. O General Rosenfeld teria sido obrigado a solicitar um ataque aéreo contra a própria base (na passagem de Erez) para repelir os terroristas. O jornal afirma que muitos soldados, que não eram pessoal de combate, morreram ou ficaram feridos na parte exterior. Um vídeo publicado pela Cogat 10 dias após a batalha – e do ataque aéreo israelense – mostra graves danos estruturais no telhado da instalação militar.

De acordo com Jonathan Cook – que criticou a BBC de Londres por haver sido negligente por se ater à narrativa do exército israelense elaborada para eles e outros meios de comunicação ocidentais quando havia provas em contrário dos próprios órgãos de imprensa israelenses – os helicópteros (Apache) parecem ter disparado indiscriminadamente, apesar do risco que representava para os soldados israelenses da base que ainda estavam vivos. Segundo Cook, Israel utilizou uma política de terra arrasada para impedir que o Hamas alcançasse os seus objetivos de capturar soldados para depois trocá-los por prisioneiros palestinos. Isso, em sua opinião, pode explicar o grande número de soldados israelenses mortos naquele dia.

Assim como Max Blumenthal, Cook destacou que o exército utilizou a chamada Diretiva Hannibal, um procedimento militar estabelecido em 1986 após o Acordo de Jibril, pelo qual Israel trocou 1.150 prisioneiros palestinos por três soldados israelenses. Após uma forte reacção política, o exército elaborou uma ordem de campo secreta para evitar futuros sequestros. A diretiva ordena que as tropas matem a seus próprios colegas soldados em vez de permitir que sejam capturados, dado o elevado preço que a sociedade israelense insiste em pagar para garantir o regresso de seus soldados.

Outro meio de comunicação israelense, Mako, recolheu declarações de militares que disseram que após o rápido colapso da Divisão de Gaza do exército, e quando a maioria das forças (palestinas) da onda invasora original já havia deixado a área em direção a Gaza , eles tinham no ar dois esquadrões de helicópteros Apache (oito dispositivos), mas quase não havia informações de inteligência para ajudar na tomada de decisões. Os pilotos informaram que “dispararam uma enorme quantidade de munições, esvaziaram a ‘pança do helicóptero’ em minutos, voaram de volta para se rearmar e voltaram ao ar, uma e outra vez. Mas não serviu para nada, e eles entendem.”

De acordo com as versões de testemunhas oculares e dos próprios pilotos das forças especiais, o alto comando militar também ordenou que disparassem contra os veículos que regressavam a Gaza após o festival, com aparente conhecimento de que poderia haver reféns israelenses no seu interior, e contra pessoas desarmadas que saíssem dos carros ou caminhassem a pé pelos campos nos arredores de Gaza. Um piloto declarou que se deparou com o tortuoso dilema de disparar ou não contra pessoas e veículos onde pudessem estar presentes cativos israelenses, mas optou por abrir fogo de qualquer maneira; outro destacou que não sabia sobre que disparar, “pois são tantos”, e outro mais disse que “nunca tinha pensado que atiraria em gente em nosso território”.

O mesmo aconteceu com os postos avançados, assentamentos e kibutz inicialmente tomados pelos combatentes do Hamas. De acordo com o jornal Yedioth Aharanoth, os pilotos disseram que não sabiam distinguir quem era terrorista e quem era soldado ou civil, até perceberem que tinham de contornar as restrições e começarem a alvejar por sua própria conta os terroristas com os canhões, sem autorização de seus superiores. Assim, sem nenhum tipo de inteligência ou capacidade para distinguir entre palestinos e israelenses, os pilotos lançaram uma fúria de tiros de canhão e mísseis.

Um dos casos mais utilizados pelo exército israelense para mostrar as aparentes atrocidades cometidas pelo Hamas foi o do Kibutz Be’eri. Diferentes versões indicam que quando o exército chegou e estava em posição, os militantes do Hamas estavam bem entrincheirados e tinham tomado seus habitantes como reféns dentro de suas próprias casas. Testemunhos e relatos dos meios de comunicação sugerem que Hamas estava tentando negociar uma passagem segura para Gaza, usando os civis como escudos humanos, e o objetivo era posteriormente trocar os reféns pela libertação dos prisioneiros palestinos.

O jornal Haaretz destacou o depoimento de Tuval Escapa, coordenador de segurança do kibutz, que garantiu que os comandantes militares israelenses ordenaram o bombardeio de casas com seus ocupantes no interior para eliminar os terroristas juntamente com os reféns.

Segundo o jornal, o exército conseguiu assumir o controle do kibutz depois que tanques bombardearam as casas, com o terrível preço de pelo menos 112 moradores mortos. Por sua vez, em seu depoimento à Rádio Israel, Yasmin Porat disse que quando as forças especiais chegaram a Be’eri, eliminaram a todos, inclusive os reféns, no meio de um fogo cruzado muito, muito intenso. Ele acrescentou que depois de um fogo cruzado insano, dois projéteis de tanques foram disparados contra uma casa. A conta do Telegram dos South Responders de Israel e do jornal conservador New York Post informaram que vários corpos carbonizados, incluindo o de uma criança, apareceram sob os escombros.

Igualmente, a conta South Responders divulgou um vídeo que mostra um carro cheio de cadáveres carbonizados na entrada do Kibutz Be’eri, que o exército israelense apresentou como vítimas de co-nacionais, um exemplo da violência sádica do Hamas. No entanto, como apontou Max Blumenthal, a carroceria de aço fundido do veículo e o teto destroçado, bem como os corpos no interior, “evidenciam o impacto direto de um míssil Hellfire”.

Tradução: Jair de Souza.

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