SP: Indígenas Guarani, o direito à cidade e o Plano Diretor

Por Nabil Bonduki.

indios SPNesta semana, indígenas guarani de aldeias localizadas na Região Metropolitana de São Paulo ocuparam o interior do Pátio do Colégio, local onde a cidade foi fundada em 1554, em meio a um aldeamento de índios. Os guarani reivindicam do Ministério da Justiça a demarcação de suas terras nessa região.

Perto dali, na Câmara Municipal, movimentos de moradia, associações de moradores, grupos culturais, ambientalistas, cicloativistas e agricultores familiares participaram de audiências públicas sobre o substitutivo do Plano Diretor e, majoritariamente, defenderam sua aprovação. Os dois fatos, aparentemente desconexos, são faces da diversidade social e cultural de São Paulo e expressam diferentes vertentes da luta pelo direito à cidade.

Para a maioria dos paulistanos, a presença indígena em São Paulo se reduz à memória gravada nos nomes dos bairros, das ruas e das praças da cidade. Anhangabaú, Tamanduateí, Tatuapé, Butantã, Jurubatuba são nomes guarani que remetem à água, às plantas e aos animais como é comum na língua desse povo cujo modo de vida é indissociável da floresta e da natureza.

Não é de memória que tratamos neste 19 de abril, dia do Índio, mas da atualidade: os guarani ainda vivem em nossa cidade. Quantos são, onde e como moram, que direitos têm os indígenas que habitam São Paulo?

Os guarani são cerca de 2100 índios vivendo em seis aldeias, quatro na região de Parelheiros, ao sul, e duas no Jaraguá, ao noroeste. Dessas, apenas três são homologadas, totalizando exíguos 53,7 hectares. Vivendo em uma situação de apinhamento que é totalmente estranha a seu modo de vida tradicional, os guarani sofrem com falta de espaço e de saneamento básico, que geram uma alta incidência de doenças e violência. Ainda assim, mantém suas tradições, sua língua e religiosidade, e educam as crianças segundo seus usos e costumes, apesar de todas as dificuldades. A demarcação de suas terras é essencial para que possam voltar a viver plenamente de acordo com suas tradições e modo de vida.

Na Terra Indígena Tenondé Porã vivem cerca de 1400 índios. Situada no extremo sul, abriga as aldeias Barragem, Krukutu e Tekoa Eucalipto, no município de São Paulo e também uma aldeia em São Bernardo. Atualmente, somente as duas primeiras, com 26 hectares cada, são demarcadas, diferente de seu território reconhecido pela FUNAI, que abrange 16.000 hectares nos municípios de São Paulo, São Bernardo do Campo e São Vicente.

A Tenondé Porã, que em guarani significa futuro bonito, é contígua às terras indígenas Rio Branco e Aguapeí, situadas no município de Itanhaém, formando uma área quase totalmente recoberta pela Mata Atlântica e que se estende pela Serra do Mar, território tradicional dos guarani desde tempos imemoriais.  Na sua porção paulistana, sobrepõe-se à Área de Proteção Ambiental Capivari-Monos. Nenhuma contradição aí, pelo contrário: a demarcação da terra indígena só reforça a conservação da floresta e dos mananciais que ela protege.

Na Terra Indígena Jaraguá, situada na zona noroeste da capital, vivem cerca de 700 índios nas aldeias Ytu e Pyau, mas apenas a primeira é homologada, com míseros 1,7 hectares. É a menor terra indígena do Brasil. O território reconhecido pela FUNAI, cuja homologação é reivindicada pelos indígenas, abrange 532 hectares no município de São Paulo, entre as rodovias Anhanguera e Bandeirantes. Nessa região a situação é crítica, pois as terras estão em áreas de forte valorização e são cobiçadas por empreendedores. Os índios da aldeia Pyau, localizada no território reconhecido pela FUNAI, mas ainda não homologado, estão sofrendo uma ação de despejo.

Os guarani tem direito a essas terras. A Constituição Brasileira garante, no artigo 31, os direitos originários dos índios às terras que tradicionalmente ocuparam e que foram utilizadas para as suas atividades produtivas, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem estar e as necessidades de reprodução física e cultural desses povos, segundo seus usos, costumes e tradições.

A demarcação de terras indígenas compete à União, e é regida por um processo que se inicia com estudos de natureza etno-histórica, jurídica, cartográfica e ambiental, realizados sob orientação da FUNAI e coordenados por antropólogos. Com base nesses estudos é reconhecida a delimitação e são feitos os estudos fundiários, indenizados os habitantes não indígenas e realizada a demarcação. Ambas as terras, Tenondé Porã e Jaraguá, já foram reconhecidas e delimitadas, mas falta demarcá-las para reconhecer definitivamente os direitos do povo guarani.

O município não pode interferir no processo, mas deve reconhecer o direito dos guarani. Por essa razão, a proposta de substitutivo que elaborei como relator do Plano Diretor Estratégico incorporou as terras indígenas demarcadas e o território reconhecido e delimitado pela FUNAI como integrante do Sistema de Áreas Verdes, Protegidas e Espaços Livres. Desta forma, garante-se uma proteção que coíbe a ocupação das terras até que a situação seja definitivamente resolvida pelo governo federal.

O Plano Diretor define como zona rural as terras indígenas reconhecidas, a fim de evitar a urbanização e incentivar usos como agricultura orgânica e ecoturismo, menos impactantes que a ocupação urbana. Propõe também uma gestão integrada com as unidades de conservação municipais, uma vez que não existe incompatibilidade entre a proteção ambiental e a demarcação de terras indígenas. Pelo contrário, ao garantir o direito dos guarani às suas terras também se garante a proteção das águas e da biodiversidade pois a sustentabilidade não é uma novidade para o povo guarani: é a essência de seu modo de vida, intrinsecamente ligado à Mata Atlântica.

Nesse Dia do Índio, os paulistanos que aproveitam o feriado da Pascoa devem refletir sobre a necessidade de se reconhecer o direito dos indígenas à demarcação das suas terras.

Fonte: Carta Capital.

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