Ocupação Amarildo e o monopólio da imprensa catarinense

Por Miriam Santini de Abreu.

amarildo“A busca de uma realidade exige uma linguagem capaz de captá-la. Esta linguagem não é uma fuga (…). É o único caminho para nos levar à débil captação de uma sociedade e de suas contradições. E da única coisa que interessa: o ser humano sufocado em sua vontade de ser.” – Marcos Faerman

Talvez alguém se disponha em algum momento a analisar detidamente a cobertura da imprensa da Capital sobre a Ocupação Amarildo, mas cabem aqui algumas questões para reflexão. Um delas é gravidade desse oligopólio de mídia no Estado. Outra é a profunda desumanização de jornalistas envolvidos na cobertura.

Desde dezembro, quando a ocupação iniciou, até agora, não apareceu uma reportagem ou notícia para desvelar a profunda desigualdade social na Capital catarinense e a relação disso com o absurdo preço da terra e a ampliação da ocupação das periferias. Esse silêncio, porém, não espanta, pois o oligopólio de mídia não se sustenta sem o poder político e econômico que produz essa desigualdade. Simbólica, nesse sentido, é a mudança da sede do Diário Catarinense para a vizinhança do Centro Administrativo, na mesma SC-401, onde a ocupação de estabeleceu. Então, não espanta, mas deve servir de reflexão.

O mesmo se dá com a desumanização dos jornalistas. Mesmo precarizada por baixos salários e múltiplas funções, é uma categoria pouco afeita à organização, o que deve favorecer a grande dificuldade de compreender pessoas e grupos que se organizam.

A jornalista Elaine Tavares, em um de seus textos sobre a Ocupação, desvenda outro elemento para análise (http://eteia.blogspot.com.br/2014/01/terra-trabalho-e-teto-tudo-que-se-quer.html):

“O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein definiu de maneira singela que os limites do pensamento de alguém são os limites do seu mundo. Daí sua frase enigmática: ‘o mundo dos felizes é diferente do mundo dos infelizes”. Talvez por isso seja quase impossível aos que tem condições de viver ‘bem, que tem um bom emprego, compreender o desespero daquele que não consegue colocar comida na mesa. Mais fácil é etiquetar de marginal, vagabundo, ladrão. Colocar na vítima do sistema a culpa da sua dor. Afinal, se for pensar nos motivos de tanta desigualdade, a pessoa terá de se deparar com a verdade de um sistema que para existir precisa explorar e oprimir uma grande parte das gentes. Então, terá de tomar uma definitiva e radical decisão: de que lado ficar?”

Naquela terça-feira da saída de centenas de famílias da Ocupação Amarildo, os jornalistas só queriam uma informação: – Vão sair até a meia-noite? E, na quarta, jornais estampavam notícias sobre a “poluição e degradação ambiental” deixadas para trás no terreno. Matérias tristes. Pena que esse tratamento não atinja os grandes empresários que, há pelo menos quatro décadas, usam de relações de poder para se apropriar de terras na ilha e perpetrar os verdadeiros desastres ambientais. O suposto proprietário da área na SC-401 (foi comprovado que a área é da União), ali cultivou camarão décadas atrás, degradando a região, e até hoje não foi questionado pela imprensa.

Agora a ordem é fomentar o ódio da população em volta da área de Palhoça para onde as famílias foram levadas. Ironizar o fato de não terem aceitado áreas bem distantes da Capital, talvez, como insinuou um colunista, para poderem ficar próximas ao mar.

Perto da Páscoa, lembro que o Mar da Galileia era um dos lugares que Jesus mais amava. E na chegada desse domingo, em face desse jornalismo tão desumanizado, lembro da mensagem de Cristo tão explícita no jornalismo de Marcos Faerman: “a única coisa que interessa: o ser humano sufocado em sua vontade de ser”.

Feliz Páscoa aos que compreendem ou que procuram compreender.

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