Meu nome é Carolina Nascimento, tenho 18 anos, sou negra, estudante universitária(UNEB) e moradora de uma cidade do Extremo Sul da Bahia, chamada Alcobaça. Alcobaça é uma cidade pequena, e é até estranho falar sobre “parte periférica “ nela, por que somos praticamente todos periféricos.
Os jovens da cidade, assim como eu, sempre foram estudantes de escola pública, escola essa deficiente em vários aspectos, e só há uma escola(ensino fundamental 2 e médio) como opção para todos da cidade, não temos faculdade na cidade, e aqui quem quer estudar pra ter um futuro melhor tem que buscar algo na cidade ao lado, assim como eu.
Todos os dias saio de casa por volta das 17h para pegar um ônibus particular, que para pagar eu e meus pais ralamos muito, e volto às 00h. Para o povo da nossa cidade, é complicado demais se preparar para um vestibular de universidade pública; a escola que é a nossa única opção infelizmente não nos dá base para isso, e até para fazer um cursinho teríamos que ir para cidade ao lado – algo que não temos condições – então estar numa universidade pública para mim é de grande felicidade, creio que eu e meu irmão, que está na luta comigo, somos os primeiros da família a conseguir estar na universidade.
Foi na universidade que eu me empoderei como mulher negra. Até 2012 eu alisava meu cabelo, mas eu ouvia muitas frases ofensivas e preconceituosas no salão, do tipo “Você não deve cuidar desse cabelo…”, “seu cabelo não fica no lugar nem alisando, menina!”, “você precisa cuidar desse cabelo ruim”, “deve ter puxado o do seu pai, que o da sua mãe eu aliso tranquilamente”.
Ouvir que eu era descuidada, desleixada e outros adjetivos ruins era horrível, e no fim eu ainda chorava insatisfeita com minha imagem, então resolvi abandonar o alisamento e passar pelo processo de transição e tudo mais. Costumo dizer que o meu cabelo era o primeiro a me mostrar que eu sou negra, e o primeiro a resistir, quando aquela raiz vinha.
O problema é que mesmo depois de ter o cabelo crespo eu ainda não me reconhecia como negra. O fato do meu tom de pele não ser escuro me fazia retroceder, e quando às vezes eu me enxergava negra, as pessoas ao meu redor falavam: “negra, você? Clara assim, negra!? Não!”. E até eu entender que a identidade negra era tão diversificada foi um processo muito grande, tive que resistir muito, insistir muito e declarar muito minha identidade, para deixar de cair em uma das armadilhas mais frequente na sociedade, que é usar a sua herança genética branca para maquiar/esconder sua negritude.
Após entrar no Movimento negro aqui da região, chamado Movimento de Pessoas Crespxs e Cacheadxs, eu comecei a militar e entender mais sobre a nossa identidade, nossa cultura e a necessidade do empoderamento.
A arte faz parte de mim, nunca fiz aulas de desenho ou pintura, por não ter acesso a nada disso, mas sempre fui inquieta e curiosa, então sempre tentei aprender a desenhar observando. Há pouco mais de um ano, comecei fazer desenhos realistas, e há alguns meses resolvi criar um instagram no qual só posto desenhos e artes sobre pessoas negras.
Há apenas três meses um artista (Reginaldo), já com experiência, resolveu me presentear com materiais de pintura em tela, que eu não tinha a menor condição financeira de comprar, e graças a Deus eu ganhei com a alegação de que ele acreditava que eu seria uma grande artista. Então comecei a pintar, e seguir meus ideais pela pintura.
Primeiro, pinto mulheres negras para que elas se reconheçam nas minhas telas, e enxerguem a beleza de ser negra e a diversidade da negritude. Pinto mulheres coloridas exatamente para fazer as pessoas refletirem sobre que a cor não nos impede de sermos/nos declararmos negras e negros, as minhas meninas dos quadros são coloridas e não deixam de ser negras. Eu sou clara, mas não deixo de ser negra. As pessoas têm o cabelo liso, mas não deixam de ser negras por isso.
Meu intuito é empoderar o negro abrangendo a diversidade. Empoderar a moça de pele clara, a moça de cabelo liso, e as diversas moças e moços. Eu já fiz exposição na Universidade do Estado da Bahia, também pintei “ao vivo” no espaço da UENB enquanto as pessoas circulavam, fui convidada para ir na Universidade Estadual de Santa Cruz no evento de Ações Afirmativas e também para um evento chamado Pérola Negra, em Teixeira de Freitas-Ba, tendo desfile de pessoas negras e premiação para pessoas negras que militaram no ano de 2016 em Teixeira- no qual fui premiada.
Exponho pela internet no instagram e há pouco tempo no Facebook, tenho estado feliz por conseguir causar todas as provocações que tento fazer, tanto de reconhecimento das mulheres do dia a dia nas telas, quanto sobre a diversidade dos ser negro.
Amo ouvir “parece com minha tia”, “parece comigo”, “parece com minha filha”, e até pedidos de encomendas de pinturas com o objetivo, por exemplo, de uma mãe demonstrar para a filha que não se aceita, como é lindo ela ser negra. Meu objetivo é viajar por muitos eventos, muitos lugares, universidades, escolas, levando minha reflexão, provocações, conversando com as meninas e meninos negrxs, e empoderando muitas pessoas.