Por Eloá Orazem.
Eles vão em busca de um sonho, mas voltam trazendo na bagagem um verdadeiro pesadelo. Imigrantes deportados dos Estados Unidos seguem relatando maus tratos por parte das autoridades locais, e se dizem traídos pela administração de Joe Biden, que chegou ao poder com promessas de revisar as práticas migratórias e de suspender as deportações nos primeiros 100 dias de governo.
Apesar do apalavrado, a CNN relatou que apenas em março a Imigração e Alfândega dos EUA (ICE, na sigla em inglês) prendeu mais de 2 mil imigrantes indocumentados.
O número é consideravelmente menor do que o registrado pela agência em dezembro do ano passado, quando 6,6 mil pessoas foram detidas. Entre os imigrantes encaminhados de volta a seus países de origem estão cerca de 30 brasileiros, que chegaram a Minas Gerais em 25 de maio.
“Eu entendo que alguns imigrantes se sintam traídos, mas também entendo que há esforços para melhorar o sistema”, explica a advogada Kate Evans, que atua como professora de direito da Universidade de Duke e como diretora da Clínica de Direitos Imigratórios.
Em conversa com a reportagem do Brasil de Fato, a Kate Evans afirma que “as mudanças nestre âmbito começaram logo no primeiro dia de atividade de Joe Biden, que suspendeu o veto a viajantes mulçumanos e se comprometeu a adotar um approach mais humanitário junto aos imigrantes”. Todas essas políticas, segundo a docente, surtirão efeitos aos poucos.
Parte do gargalo migratório experimentado nos Estados Unidos, onde cerca de 10 milhões de pessoas vivem sem autorização, tem a ver com a desatualização das leis vigentes.
“A última vez que reformamos as regras migratórias foi em 1996, então há 25 anos vemos má administração de recursos e um Congresso agindo sob leis ultrapassadas”, pontua Stephen Yale-Loehr, professor de Direito da Cornell Law School e diretor do Programa de Leis e Políticas Imigratórias.
Em consequência dessa desatualização prática, as regras atuais dão margem para interpretações distintas, o que pode acentuar o racismo estrutural intrínseco na sociedade.
“Toda administração tem muito poder para interpretar essas leis com mais rigidez ou mais leveza. Trump interpretou de maneira severa, enquanto Biden promete adotar mais serenidade”, comenta o professor.
Mas para a Dra. Evans isso já não é uma questão de ser mais ou menos brando, mas de ser justo – o que há anos não acontece.
“Os sistemas estão todos interligados e, dito isso, pessoas negras e latinas são mais frequentemente paradas pela polícia, o que as torna mais propensas a serem deportadas, quando estão aqui sem os documentos. É realmente desproporcional o número de imigrantes latinos e negros aprendidos em comparação com o total de imigrantes indocumentados nos Estados Unidos”, destaca a professora.
“É difícil não encontrarmos um espaço neste país que não seja definido pela raça e pelo racismo e, na questão imigratória, isso se traduz com quem escolhemos excluir”.
Todas essas múltiplas facetas fazem do direito imigratório o segundo mais complexo do país – perdendo apenas para o tributário.
“Parte dessa complexidade reflete o tamanho do desafio que é criar uma série de regulamentações gerais que afetam milhões de pessoas, desde aquelas que querem vir aos EUA por um curto período, como turistas, àquelas que querem vir como estudantes, que fogem de algum tipo de perseguição ou que querem se naturalizar como cidadãos americanos”, comenta Yale-Loehr.
Para dificultar ainda mais a situação, a reforma migratória, tão esperada e necessária, só sairia do papel diante de uma aprovação do Congresso, algo que ambos os docentes se negam a acreditar.
“Desde que Donald Trump fez da questão imigratória peça-chave de sua campanha, vemos que os republicanos passaram a se posicionar contra qualquer tentativa de reforma neste sentido”, diz o professor.
Para ele, outros republicanos que ocuparam a cadeira presidencial mostraram maior esforço neste sentido, mas depois da passagem de Trump é pouco provável que isso volte a acontecer.
O cabo-de-guerra nas esfera política em relação à imigração não é uma exclusividade da sociedade americana. “A imigração é uma questão sensível no mundo todo, porque todo país quer sentir que tem controle de suas fronteiras e garantir que só entre em seu território aqueles que querem e podem ajudar a sociedade e economia”, finaliza o advogado.
Esse discurso, porém, pode promover uma análise binária do tipo “maus versus bons”, dando aos imigrantes deportados uma faceta crimonosa.
A Casa Branca prometeu, porém, agir com mais energia nessa questão, tratando de maneira mais respeitosa aqueles que buscam asilo, bem como apurar o trâmite de seus casos.