Sobre cavalos e pardais: Por que cortar impostos não cria mais empregos

Se você cortar impostos aos ricos, eles investirão aquele dinheiro para todos. Imagem: Puppymiso

Por Jonattan Rodriguez Castelli, para Desacato. info.

Bolsonaro foi eleito erguendo uma das mais tradicionais bandeiras da direita: a redução de impostos. Ainda durante a sua campanha eleitoral Bolsonaro e seu guru econômico, Paulo Posto Ipiranga Guedes, assinalavam que uma de suas políticas para estimular a economia e gerar empregos seria o corte de impostos, como forma de estimular os investimentos dos empresários. Um exemplo desse tipo de medida é a polêmica – e já deixada de lado – proposta de criação de uma única alíquota de 20% para o Imposto de Renda (IR) a qual surgiu em duas versões.

A primeira de um IR que atingisse a toda população, o que oneraria aqueles que atualmente não pagam esse tipo de tributo, isto é, que possuem uma renda abaixo de R$ 1.903,98. Como essa versão inicial sofreu muitas críticas em razão de seus efeitos de ampliação da desigualdade, surgiu uma segunda proposta, onde o IR só incidiria àqueles que recebessem uma renda mensal a partir de cinco salários mínimos. Nesse caso, o problema que surgiria era uma redução da base de contribuintes e, por conseguinte, da arrecadação. Contudo, se o objetivo do governo é ampliar o superávit primário a partir de uma política de austeridade fiscal, essa medida seria em si uma contradição.

A última versão dessa proposta, sugerida em 04 de janeiro de 2019, é uma redução da alíquota máxima do IR de 27,5% para 25% e, para compensar a queda na arrecadação, um aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) [1]. Contudo, em poucas horas essa versão foi negada [2].

A despeito disso, o discurso do governo atual, especialmente de Paulo Guedes (o Chicago Boy favorito de Bolsonaro), é de que a redução de impostos seria uma política adequada para estimular a economia. No Fórum Econômico Mundial de Davos deste ano, por exemplo, Guedes discutiu com investidores a possibilidade de se reduzir os impostos para as empresas no Brasil de 34% para 15% [3].

Ressalta-se que esse tipo de medida não é novo e surge tradicionalmente acompanhado pelas ideias de laissez-faire. Trata-se do chamado trickle down economics (ou economia do gotejamento), a qual advoga que ao se reduzir os impostos do topo da pirâmide social há um efeito de transbordamento de riqueza que beneficia o resto da sociedade.

O economista John Kenneth Galbraith explicou essa hipótese a partir da seguinte metáfora: a economia do gotejamento seria uma versão mais elegante da ideia que se alguém alimenta um cavalo com aveia suficiente, alguns grãos irão cair pela estrada para os pardais [4].

Nos EUA essa política se tornou regra a partir do governo de Ronald Reagan, nos anos 1980. Até 1981, quando inicia seu mandato, a alíquota máxima de IR nesse país era de 70% – aplicada à parcela dos rendimentos que superasse o limite máximo. Após a política de redução de impostos de Reagan essa alíquota chegou a 28% em 1989, ocasionando uma queda na arrecadação do governo e um aumento da desigualdade [5].

Porém, essa política não ficou nos anos 1980, em 2016, no início do governo Trump foi aprovado um corte de US$ 1,5 trilhões a fim de estimular os investimentos privados, a partir da redução da alíquota de IR para pessoa jurídica de 35% para 21%.

A primeira avaliação dessa política foi divulgada no mês passado: uma pesquisa realizada pela National Associatioan of Business Economics (NABE). De acordo com o estudo dessa instituição a política de Trump não teve impacto significativo sobre os investimentos privados. De fato, conforme a pesquisa, 84% das empresas entrevistadas declararam não terem alterado o nível e planejamento de seus investimentos após a implementação do corte de impostos [6].

No caso brasileiro, temos que nos lembrar de que uma das causas da crise da dívida pública foi a adoção de políticas de desonerações fiscais durante o primeiro governo de Dilma Rousseff a fim de retomar o investimento das empresas brasileiras, as quais estavam endividadas e com sua taxa de retorno caindo [7]. Tais como: a redução do IPI sobre máquinas e equipamentos, materiais de construção, veículos e caminhões, desoneração da folha de pagamento e incentivo tributário para as exportações. Contudo, sem resultados consistentes.

Mais do que isso, agravou-se as condições das finanças públicas, surgindo um déficit primário em 2014, decorrente, em parte, dessas medidas. Por sua vez, os empresários que antes reivindicaram a redução de impostos – a Agenda Fiesp ou a Bolsa-Empresário – foram os primeiros a saírem às ruas, montados em seus patos infláveis gigantes, exigindo a cabeça da presidenta.

A ineficácia dessa política não chega a ser surpreendente, tanto pelo contexto adverso, com a retração da demanda doméstica, quanto pelo comportamento rentista do empresariado brasileiro. Por rentismo se entende como sendo uma preferência da nossa burguesia em enriquecer às custas dos juros pagos pelo estado, ao invés de investir na produção. No gráfico abaixo, de Gabriel Palma, podemos observar melhor essa questão.

Gráfico – Investimento privado como percentual da participação da renda do decil mais elevado (2007) [8]

No gráfico está representado o total do investimento privado como percentual da renda apropriada pelo 10% mais rico de cada país selecionado. Ou seja, quanto o volume de investimentos privados equivale à renda dos 10% mais ricos. Chama atenção que em países como China (cn), Índia (in) e Coréia do Sul (k) o volume de investimento privado equivale a mais de 70% da renda concentrada nos 10% mais ricos – sendo que no último país esse valor ultrapassa o 100%. No Brasil (b), por sua vez, o volume do investimento privado é menor que 1/3 da renda concentrada nas mãos da camada mais abastada do país.

Essa situação desconcertante deve ser explicada, em parte, pelo rentismo de nossa burguesia industrial, reforçado pela política monetária baseada em juros exorbitantes que são praticados nesse país.

Desse modo, o que se sugere neste texto – a partir dos resultados inexpressivos da política tributária de Trump e do histórico rentismo da burguesia industrial brasileira – é que a política de corte de impostos desejada por Paulo Guedes poderá propiciar com que os cavalos se empanturrem cada vez mais, não restando com isso sequer um grão de aveia para os pardais ao redor.

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Jonattan Rodriguez Castelli é economista, com mestrado e doutorado em economia pela UFRGS, e faz parte do Movimento Economia Pró-Gente.

 

 

A opinião do autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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