Por Carlos Weinman, para Desacato. info.
O ato de representar tem muitos significados. Quando falamos de um autor dizemos que é a pessoa que tem a capacidade de imitar a vida e a arte, tem a habilidade de expressar e interpretar sentimentos, o desejo, a vontade de outros, de levar a plateia, que se coloca na condição de espectador, acreditar e pensar nas expressões e atitudes do ator.
Nesse sentido, poderíamos dizer que o ator é capaz de dar vida no palco aos personagens fictícios, de fazer do espetáculo uma forma em que os espectadores possam ver a si mesmos, perceberem que fazem parte da identidade dos personagens, mesmo que não sejam eles. Assim, a arte retórica ganha vida nas expressões, fazendo um conjunto estético mover a plateia ao delírio, a comoção, as lágrimas. Quando ator faz isso, dizemos que ele é brilhante.
O conceito de representar pode estar ligado com a forma política. Na modernidade, o Estado, os governantes, os deputados, vereadores, prefeitos se colocam na condição de representantes. Nesse sentido, o que é ser um bom ator, é representar como se fosse suas a vontade, o desejo de um povo. Dessa forma, o representante deveria ter a incumbência de representar as intenções e os interesses de uma coletividade.
Por sua vez a democracia, que é definida como governo do povo, não é bem clara, pois na história quando usamos o termo povo, temos a referência uma categoria política, o que quer dizer, que tem poder de decisão, o que não é meramente um ato de opinar (dóxa), de falar o que pensa. Por esse motivo, os gregos da antiguidade faziam a diferença entre cidadãos (políticos) e moradores da cidade, que estão sujeitos à lei que o cidadão criou. Por consequência, nem todos poderiam ser qualificados como cidadãos ou políticos.
Quando chega a modernidade a democracia ganha a forma e a representação um novo significado. A partir desse momento, o representante é aquele que apresenta os interesses da coletividade, do povo, que ainda continua não sendo todos, apenas aqueles que decidem. Isso pode ser pensado com as revoluções liberais do século XVIII, onde a maioria não é percebida na condição de povo. Esse corresponde a classe burguesa, que busca na multidão apoio, mas as decisões e as ideias de sociedade já forma tomadas por essa classe. Dessa forma, povo continua sendo uma categoria política e não se refere a todos.
Nesse cenário aparece alguns filósofos interessantes que provocam uma leitura sobre a democracia e sobre a política. Entre eles está o inglês Thomas Hobbes, que viveu no final do século XVII. Esse filósofo e muitos outros, discutiram sobre o representação e o sujeito político, que passou ser pensado, pelos modernos, através da reflexão sobre a representação, a comunicação, o desejo e a unidade política. Aliás, Hobbes destaca, na sua obra o Leviatã, que:
A palavra pessoa é de origem latina. Em lugar dela os gregos tinham prósopon, que significa rosto, tal como em latim persona significa o disfarce ou a aparecia exterior de um homem, imitada no palco. E por vezes mais particularmente aquela parte dela que disfarça o rosto, como máscara ou viseira. E do palco a palavra foi transferida para qualquer representante da palavra ou da ação, tanto nos tribunais como nos teatros. De modo que uma pessoa é o mesmo que um ator, tanto no palco como na conversação corrente. E personificar é representar, seja a si mesmo ou a outro; e daquele que representa outro diz-se que é portador de sua pessoa, ou que age em seu nome (sentido usado por Cícero quando diz: Unus sustineo três peronas; Mei, Adversarii, ET Judicis – Sou portador de três pessoas; eu mesmo, meu adversário e o juiz). Recebe designações diversas, conforme as ocasiões: representante, mandatário, lugar-tenente, vigário, advogado, deputado, procurador, ator, e outras semelhantes. (1979a, p. 96)
A passagem citada detém uma das grandes questões presentes no pensamento de Hobbes. A política e o jogo do poder passam ser representados, em uma comparação metafórica, na forma teatral, no “teatro do mundo”, ou melhor, no “teatro do poder”.
Esse teatro do poder tem a finalidade de dar legitimidade para aquele que está à frente do estado ou que se coloca na condição de representante. Para isso, usa estratégias para fazer a sua vontade ser percebida como a vontade, os interesses daquele que passa ser visto como plateia, mas que assegura a sua força e poder. Por esse motivo, a política passou ser apenas a arte do espetáculo, para promover o consentimento, fonte de legitimidade, através de eleições, dos interesses de um pequeno grupo, talvez povo, mas nunca constituiu os interesses de todos ou da coletividade. A arte da representação passou ser a estratégia da manipulação para fazer crer, apoiar e seguir sem questionar. A plateia age de uma forma apaixonada, buscando acreditar em expectativas, que por vezes parecem sólidas, até que de repente desvanecem. Por outro lado, os atores, as “personas” disfarçam seus interesses e passam fazer que suas vontades e desejos sejam a fonte de identificação dos espectadores. Dessa forma, aqueles que dizem nos representam não fazem isso, apenas defendem seu próprio interesse, jogam no “teatro do poder”, como diria Hobbes, para sua autossatisfação.
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Carlos Weinman é graduado em Filosofia pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (2000) com direito ao magistério em sociologia e mestrado em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (2003), pós-graduado Lato Sensu em Gestão da Comunicação pela universidade do Oeste de Santa Catarina. Atualmente é professor da Universidade do Oeste de Santa Catarina. Tem experiência na área de Filosofia e Sociologia com ênfase em Ética, atuando principalmente nos seguintes temas: Estado, política, cidadania, ética, moralidade, religião e direito, moralidade e liberdade.
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