Por Daniel Stables, BBC Travel.
Mas, para alguns turistas que visitam Florença, estes são sintomas de uma doença aguda que não tem nada a ver com intoxicação alimentar, mas sim, aparentemente, com a grande quantidade de obras de arte da cidade.
A síndrome de Stendhal é considerada uma condição psicossomática causada pela exposição à abundante riqueza artística de Florença.
Seu nome vem do escritor francês Marie-Henri Beyle, mais conhecido pelo seu pseudônimo Stendhal, que, em 1817, descreveu sua visita à capital da Toscana: “fiquei em uma espécie de êxtase com a ideia de estar em Florença… fui acometido de uma forte palpitação do coração… minha força vital se esvaiu de mim e andei com medo constante de cair no chão.”
A síndrome foi clinicamente descrita como um distúrbio psiquiátrico em 1989 por Graziella Magherini, psiquiatra no Hospital Santa Maria Nuova, de Florença.
Magherini observou 106 pacientes, todos eles turistas, que sofreram vertigens, palpitações, alucinações e despersonalização quando observavam obras de arte como as esculturas de Michelangelo e as pinturas de Botticelli. Eles sofreram “ataques de pânico, causados pelo impacto psicológico das obras de arte e da viagem”, afirmou Magherini em 2019.
E os casos da síndrome continuam a ser verificados até hoje. “Ela ocorre normalmente 10 a 20 vezes por ano em certas pessoas que são muito sensíveis [e] talvez tenham esperado a vida inteira para vir à Toscana”, afirma Simonetta Brandolini d’Adda, presidente da fundação Amigos de Florença.
“Essas obras de arte emblemáticas — as obras de Botticelli, o Davi de Michelangelo — são realmente extraordinárias. Algumas pessoas ficam desorientadas; pode ser estonteante. Vi muitas vezes pessoas começarem a chorar”, relata ela.
O Nascimento de Vênus, de Botticelli, parece ser um estímulo específico para a síndrome de Stendhal.
“Já tivemos pelo menos um ataque epilético em frente à pintura”, afirma Eike Schmidt, diretor da Galeria Uffizi. “Um senhor também sofreu um ataque cardíaco.”
Esse senhor era Carlo Olmastroni, então com 68 anos de idade, da cidade de Bagno a Ripoli, na Toscana (Itália), que desmaiou na Galeria Uffizi em dezembro de 2018.
Ele contou o episódio: “Eu me aproximei do Nascimento de Vênus, de Botticelli, e, enquanto admirava aquela maravilha, minhas lembranças desapareceram.”
Sua história foi rapidamente reproduzida pela imprensa italiana e estrangeira e indicada como o mais recente caso grave de síndrome de Stendhal.
Mas ela pode ser mais adequada para ilustrar outro ponto: a precipitação da imprensa ao propagar a ideia romântica da síndrome de Stendhal, mesmo sendo uma condição dificilmente identificada. Certamente, no caso de Olmastroni, alguma coisa mais estava em jogo.
“O diagnóstico não foi de síndrome de Stendhal, como alguns pensavam de forma mais romântica, mas a obstrução de duas artérias coronarianas. Talvez, ao admirar o Nascimento de Vênus, elas tenham decidido que não haveria nada mais belo para observar e se contraíram permanentemente!”, segundo Olmastroni.
Felizmente, Olmastroni recuperou-se totalmente — em parte, graças a um desfibrilador que havia sido instalado no dia anterior à sua visita e também devido à presença de quatro médicos em local próximo, incluindo dois cardiologistas italianos da região da Sicília que casualmente estavam visitando a Galeria Uffizi naquele dia.
Ele os chama de seus “anjos da guarda”. Se ele tivesse sofrido o ataque cardíaco em casa, a história poderia ter sido diferente; talvez o tesouro artístico de Florença, longe de deixá-lo doente, tenha salvado sua vida.
O problema enfrentado por muitos profissionais para descrever a síndrome de Stendhal como distúrbio psiquiátrico é a dificuldade de analisar seus sintomas com relação a indisposições mais genéricas que frequentemente atingem os turistas.
“Às vezes, na Galeria Uffizi, alguns visitantes têm ataques cardíacos ou se sentem mal”, afirma Cristina di Loreto, psicoterapeuta que vive e trabalha em Florença. “Mas pode ser apenas a permanência em um espaço fechado com centenas de outras pessoas. Pode ser agorafobia, não Botticelli.”
A reação emocional à arte, para di Loreto, não constitui um distúrbio psiquiátrico, mesmo se gerar ou contribuir para o surgimento de sintomas perigosos ou preocupantes.
“Quando você está observando uma obra de arte, existem áreas específicas do cérebro que são ativadas — é como se você estivesse vendo um belo homem ou mulher — mas isso não é suficiente para dizer que é uma síndrome. Ela ainda não foi homologada e não está incluída no DSM-5, nosso manual de distúrbios mentais”, segundo ela.
Di Loreto acredita que outros fatores podem estar em jogo: as expectativas dos turistas sobre Florença são muito altas, alimentadas pela onipresença das suas obras de arte em diversos meios de comunicação. Tudo isso se torna excessivo quando eles finalmente visitam a cidade.
“Pode ser uma profecia autorrealizada, que faz com que alguns turistas sintam alguma coisa no ar de Florença”, segundo ela.
Neste particular, a síndrome de Stendhal pode estar relacionada à síndrome de Jerusalém, que causa delírios religiosos ou messiânicos psicóticos entre os que visitam a cidade sagrada, e à síndrome de Paris, que faz com que os turistas desenvolvam sintomas psiquiátricos agudos ao descobrirem que a capital francesa não atende às suas altas expectativas, fora da realidade.
As próprias palavras de Stendhal — “uma espécie de êxtase com a ideia de estar em Florença” — parecem dar alguma credibilidade a essa teoria.
Talvez uma profecia autorrealizadora também esteja presente na cobertura pela imprensa de supostos casos da síndrome de Stendhal, como o de Olmastroni — jornalistas, encantados pela ideia romântica de “doença pela arte”, diagnosticam pessoas à distância conforme seus desejos.
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“Aqui em Florença, como em Veneza, você respira arte”, declarou o psicoterapeuta Paolo Molino entre sanduíches de lampredotto (tripas) no Mercado de Sant’Ambrogio, em Florença. “Em qualquer canto do centro da cidade, você se depara com algo bonito. É como levar um tapa no rosto.”
Mas Molino concorda com Di Loreto que é difícil descrever a síndrome de Stendhal como uma condição própria ou distinguir seus sintomas, que podem também caracterizar viajantes fatigados, desidratados ou esgotados de outras maneiras. Sua preocupação não é com a possibilidade de Florença matar os turistas, mas sim de turistas matarem Florença.
“Florença é como a Disneylândia da arte”, afirma ele. “Eu não gosto disso. Gosto de lugares onde as pessoas possam morar — gosto de vir falar com o rapaz do lampredotto, de poder andar sem precisar enfrentar multidões.”
Molino mora em Florença desde que era criança e agora faz parte da maioria dos florentinos que não conseguem viver perto do centro histórico. “Eu nunca vou para o centro da cidade se puder evitar”, conta ele. “É movimentado demais.”
Fiquei surpreso com a avaliação de Molino de que a abundância de arte em Florença — que valorizamos exatamente pelo que ela nos conta sobre a vida e as condições humanas — fez com que a cidade deixasse de ser um “lugar onde se pode morar”.
A comparação do berço da arte e do humanismo da Renascença com a Disneylândia — o principal símbolo de artifício corporativo e do mercantilismo nivelado por baixo — também foi um choque. Mas é importante lembrar de onde veio grande parte da arte florentina.
Michelangelo e Botticelli não esculpiram e pintaram em um sótão escuro. Eles foram patrocinados pelas pessoas mais ricas e poderosas de Florença, que usavam suas obras de arte para demonstrar seu poderio político e financeiro.
A estátua de Davi, na sua posição original em frente ao Palácio Velho da cidade, encarava e desafiava Roma, onde estavam instalados os Golias usurpadores que eram os Médici, uma família de banqueiros com enorme poder.
Durante os períodos de poder dos Médici em Florença, eles próprios encomendavam obras de arte como o Nascimento de Vênus. Botticelli chegou a incluir os Médici nas suas pinturas, no papel dos Três Sábios; e o próprio edifício que hoje abriga a Galeria Uffizi foi construído por aquela família.
Essas pessoas usavam a arte para propagar a mitologia em torno delas, consolidando seu poder e criando — como o filósofo francês Jean Baudrillard afirmou sobre a Disneylândia norte-americana — uma espécie de hiper-realidade.
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Os Médici já se foram há muito tempo, mas as obras-primas que eles ofereceram a Florença ainda dão à cidade um ar irreal e excepcional. Mas Eike Schmidt acredita que não seja algo exclusivo da cidade.
“Esse tipo de coisa, sempre que acontece em Florença, chega aos jornais”, segundo ele. “Mas, mesmo que seja considerado um fenômeno florentino, o mesmo pode acontecer em cidades como Veneza e Verona”.
De qualquer forma, como indicou Schmidt, a arte geralmente não é um risco para a saúde, mas sim um tônico para o corpo e para a alma. “Geralmente, a arte é boa para você — para o seu coração e para a mente”, conclui ele.
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