Centro nacional que monitora desastres naturais teve menor orçamento da história em 2021, diz diretor

Em dezembro de 2015, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) entregava ao município de Petrópolis (RJ) uma moderna Estação Total Robotizada (ETR), um equipamento capaz de detectar a movimentação de terra e, assim, ajudar a detectar possíveis deslizamentos nos morros.

Criado em 2011, Cemaden está longe de ter orçamento de seus anos iniciais
DIVULGAÇÃO: CEMADEN

Mas, neste fevereiro de 2022, quando fortes chuvas levaram à morte de mais de cem pessoas no município, o equipamento não estava mais em Petrópolis, e sim em Cachoeira Paulista (SP), onde está uma unidade do Cemaden. Em 2017, as nove ETRs que a instituição havia espalhado para municípios piloto no país, incluindo Petrópolis, precisaram ser retiradas para manutenção e nunca mais voltaram, segundo conta o diretor do Cemaden, o físico Osvaldo Moraes.

“Essas estações requerem a calibração em laboratório, mas não tínhamos orçamento para isso. Preferimos retirá-las do campo do que deixá-las lá, depreciando-se. Não tínhamos recurso para fazer esta manutenção, e continuamos sem recurso”, relata Moraes.

O Cemaden é vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e, segundo dados enviados pelo próprio centro à reportagem, este teve em 2021 o menor orçamento desde sua criação, em 2011. No ano passado, o Cemaden recebeu R$ 17,9 milhões de verbas federais; em 2020, havia recebido R$ 20,9 milhões; e em 2012, R$ 90,7 milhões (o primeiro ano de que se há registro). Estes valores são nominais, ou seja, não incluem as variações inflacionárias.

Orçamento anual do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) . Valores em R$ . Gráfico de colunas mostra decréscimento do orçamento .

Para 2022, Moraes diz que há a previsão de uma recomposição deste orçamento, com valor anual total de R$ 23 milhões.

A BBC News Brasil pediu posicionamentos para o MCTI e para o Ministério da Economia sobre os cortes orçamentários para o Cemaden nos anos recentes, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.

Segundo o diretor do centro, os anos iniciais trouxeram os maiores volumes de verbas; entre 2015 e 2020, os valores ficaram em um mesmo patamar, até a queda em 2021. O Cemaden foi criado em 2011, meses após chuvas, enchentes e deslizamentos deixarem mais de 900 mortos da Região Serrana do Rio de Janeiro, área da qual Petrópolis faz parte.

“Esse orçamento inicial foi muito alto porque se destinava exatamente a uma coisa que o Brasil não tinha antes. Era para fazer a compra e instalação da rede de monitoramento”, ressalva Osvaldo Moraes.

Alertas enviados em Petrópolis

Foto aérea mostra grande desabamento em meio a casas
Foto desta quinta-feira (17/2) mostra grande desabamento no morro da Oficina, em Petrópolis
CRÉDITO: REUTERS

Em resumo, a função do Cemaden é, com seus equipamentos, monitorar áreas de risco — não só para enchentes, mas também para seca, entre outros — e emitir alertas para o Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad), que então encaminha a sinalização para as defesas civis locais.

Segundo reportagem do jornal O Globo de quarta-feira (16/2), o comandante da Defesa Civil em Petrópolis confirmou que recebeu alertas do Cemaden para o município nesta semana e, na terça-feira (15), mensagens de SMS foram enviadas à população.

Entretanto, o diretor Osvaldo Moraes diz que “nem a Nasa (agência espacial americana)” seria capaz de prever tamanho volume de chuvas que ocorreu naquele dia, e nem o local exato dos desastres com precisão: “A gente sabia que iria acontecer na Região Serrana do Rio de Janeiro, mas não se seria em Petrópolis, e sendo em Petrópolis, em qual local.”

A meteorologista Camila Frez, que trabalha na defesa civil de um município do Rio, concorda: “Eu estava no monitoramento este dia (terça-feira), tinha sim previsão de chuvas moderadas a fortes, mas foi realmente excepcional. O núcleo de chuvas ficou sobre Petrópolis, foi realmente muito intensa.”

Frez explica que uma lei de 2012 estabeleceu que a proteção e a defesa civil são responsabilidade compartilhada entre governo federal, estados e municípios, embora cada um destes tenha suas funções específicas. Por exemplo, a União é responsável por estabelecer normas e critérios na área — como quais são os critérios para se decretar calamidade pública. Ela também, na prática, estrutura sistemas como o próprio Cemaden e a Interface de Divulgação de Alertas Públicos (Idap), que permite o envio de alertas à população através de SMS e TV por assinatura.

Os estados devem ajudar os municípios na elaboração de planos de contingência e mapeamento de áreas de risco, além de articular as ações da União e cidades em seu território. Na outra ponta, os municípios são responsáveis por mapear áreas de risco, realizar simulações com a população e fornecer assistência emergencial.

“Quando a gente pensa que grande parte dos municípios não possui equipes técnicas dentro das defesas civis municipais, o Cemaden ajuda muito, porque eles têm esses especialistas. E muitas vezes (as cidades) não têm investimento para adquirir equipamentos de monitoramento, então o Cemaden ajuda nisso também, porque eles possuem equipamentos hidrológicos, geológicos e meteorológicos”, explica a meteorologista, especialista em defesa civil.

Mas o próprio diretor da instituição diz que a cobertura do Cemaden é insuficiente para chegar a todos os municípios brasileiros.

“Nós temos no Brasil mais de 5 mil municípios, e a rede do Cemaden cobre apenas 30% deles. Não temos orçamento para fazer a expansão da rede de monitoramento. Esse é um gargalo”, diz Osvaldo Moraes.

Segundo o físico à frente da instituição, o orçamento dos últimos anos tem possibilitado a manutenção da estrutura que já existe — mesmo assim, não da forma ideal.

“Os equipamentos vão degradando com o tempo, a gente não consegue repor aqueles que a gente tem. E temos defasagem tecnológica: há equipamentos mais modernos que poderiam ser adquiridos, para substituir a atual rede.”

Grande torre em gramado
Radar meteorológico do Cemaden em Natal (RN)
CRÉDITO: DIVULGAÇÃO/CEMADEN

“Temos uma rede de pluviômetros automáticos que tem 10 anos, e certamente hoje existem outras tecnologias mais modernas que poderiam substituir esses equipamentos, com menor custo de manutenção, maior durabilidade e confiabilidade”, aponta.

Os cortes para o Cemaden fazem parte de um contexto de redução orçamentária para o todo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações em 2021.

Holofotes e cifras que desaparecem pouco a pouco

Presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski diz que também há verbas insuficientes, e em alguns casos quase nulas, para a prevenção e gestão de desastres direcionada aos municípios — onde “tudo arrebenta” nessas situações.

“Qualquer fato ou ato sempre acontece em um município, e é onde o cidadão mora. A União está a milhares de quilômetros, o estado está na capital, então logicamente o poder mais próximo a quem o cidadão se dirige, é a prefeitura,” aponta Ziulkoski.

“O Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil diz que a União compartilharia responsabilidades, forneceria assistência técnica e financeira. Só que a técnica é para inglês ver, e dinheiro, tem menos ainda.”

“O município não tem recurso, então não é feita a prevenção. Isso se repete. Infelizmente, temos que dizer que isso (tragédia como em Petrópolis) vai se repetir”, lamenta.

“Não adianta a lei dizer que é o município que tem que mapear áreas de risco. A pessoa não tem onde morar e vai para uma encosta, uma área de risco, e não há recurso para (o município) fornecer habitação em outra região com mais segurança.”

O presidente da CNM reclama também que a cada vez que um grande desastre natural acontece, políticos da esfera federal e estadual prometem verbas — que, segundo ele, desaparecem um pouco mais a cada ano.

“A quantidade vai diminuindo até que o resto nunca vem, fica em restos a pagar”, aponta Ziulkoski, lembrando do Fundo Especial para Calamidades Públicas (Funcap) que, na prática, “não tem mais nada de recurso”.

Um exemplo disso apareceu em um levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo no Portal da Transparência, o qual mostrou nesta quarta-feira (16) que apenas 47% do valor previsto (R$ 192,8 milhões de R$ 407,8 milhões) para o programa de prevenção e resposta a desastres do governo estadual do Rio foi de fato empenhado em 2021.

Em nota enviada à BBC News Brasil, o governo estadual do Rio afirmou que “mesmo com diversas restrições financeiras em 2021” investiu “mais de R$ 300 milhões em quase 30 ações relacionadas à prevenção de desastres e emergências na Região Serrana”.

“Neste ano de 2022, em apenas dois meses, o governo já empenhou R$ 115 milhões, 1/4 do que foi investido em 2021, com perspectiva de investir quase R$ 1 bilhão na região”, completa a nota.

Previsão de mais eventos extremos

Carro em meio a água, com casas ao fundo
Foto de dezembro de 2021 mostra inundação em Ilhéus (BA)
CRÉDITO: REUTERS

A meteorologista Camila Frez diz que embora os governos precisem promover medidas estruturais como impedir a moradia em áreas de risco, medidas não estruturais como a emissão de alertas são também “essenciais”.

“Como a gente não consegue eliminar totalmente os riscos, fazer todas as obras (estruturais), são as medidas não estruturais que vão minimizar os riscos de desastres”, diz a especialista, destacando a importância da população fazer seus cadastros para receber alertas em suas cidades, enviando uma mensagem de SMS gratuitamente para o número 40199 com o CEP do endereço.

Para Frez, soluções como essas, estruturais ou não estruturais, envolvendo governos e população, serão cada vez mais necessárias.

“Está aumentando o número e a frequência dos desastres naturais. Com o problema das mudanças climáticas, teremos cada vez mais eventos extremos acontecendo — da seca às chuvas intensas.”

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.