Por Maurício dos Santos, para Desacato.info.
Prazer; Desejo; Instinto. São muitas as definições para manter acesa a luz sobre o debate que cerca a Sexualidade Humana. A concepção psicanalítica da sexualidade é moldada pela discussão entre o normal e o patológico, justamente por transcender da categoria de instinto sexual.
Em seu estudo autobiográfico Sigmund Freud (1935) declara que poucos dos achados da psicanálise tiveram tanta contestação universal ou despertaram tamanha explosão de indignação como a afirmativa de que a função sexual se inicia no começo da vida e revela sua presença por importantes indícios mesmo na infância.
Em psicanálise a sexualidade está divorciada da sua ligação estreita com os órgãos genitais. Ela vai muito mais além do que movimentos corpóreos e inicia muito antes das relações sexuais iniciarem: tendo o prazer como a sua meta e só secundariamente vindo a servir às finalidades de reprodução.
Freud foi o primeiro a tocar a linha da Sexualidade Infantil, e publicar seriamente sobre ela: ainda neste mesmo estudo declara que quando modificou a teoria do trauma infantil sendo levado a reconhecer que as cenas de sedução jamais tinham ocorrido e que eram apenas fantasias que os pacientes haviam inventado e que os sintomas neuróticos não estavam diretamente relacionados com fatos reais, mas com fantasias impregnadas de desejos; ele abriu o caminho para o entendimento da sexualidade infantil.
Em Freud, a função sexual encontra-se em existência desde o próprio início da vida do indivíduo, embora no começo esteja ligada a outras funções vitais e não se torne independente delas senão depois; ela tem de passar por um longo e complicado processo de desenvolvimento antes de tornar-se aquilo com que estamos familiarizados como sendo a vida sexual normal do adulto.
De início a função sexual é não centralizada e predominantemente auto-erótica. A sexualidade começa por manifestar-se na atividade de todo um grande número de pulsões componentes; estas estão na dependência de zonas erógenas do corpo; atuam independentemente umas das outras numa busca de prazer e encontram seu objetivo, na maior parte, no corpo do próprio indivíduo.
A antropóloga Regina Navarro Lins escreve sobre o tema há mais de duas décadas: amor é uma coisa, sexo é outra. Em sua obra mais recente, O livro do amor, declara guerra ao idealismo: “As pessoas precisam parar de acreditar em fidelidade e amor romântico. Dentro de 30 anos, o sexo será mais livre. A bissexualidade é uma tendência”, diz ela em pesquisas apresentadas em seus últimos trabalhos publicados.
[…] Falando sério, não é fácil delimitar aquilo que abrange o conceito
de „sexual?. Talvez a única definição acertada fosse „tudo o que se
relaciona com a distinção entre os dois sexos?. […] Se tomarem o fato
do ato sexual como ponto central, talvez definissem como sexual tudo
aquilo que, com vistas a obter prazer, diz respeito ao corpo e, em
especial, aos órgãos sexuais de uma pessoa do sexo oposto, e que, em
última instância, visa à união dos genitais e à realização do ato sexual.
[…] Se, por outro lado, tomarem a função de reprodução como núcleo
da sexualidade, correm o risco de excluir toda uma série de coisas que
não visam à reprodução, mas certamente são sexuais, como a
masturbação, e até mesmo o beijo (FREUD, 2006, p. 309).
Em psicanálise o conceito do que é sexual abrange bem mais do que seu sentido popular. É reconhecido como pertencente à vida sexual todas as atividades dos sentimentos ternos que têm os impulsos sexuais primitivos como fonte, mesmo quando esses impulsos se tornam inibidos com relação a seu fim sexual original, ou tiveram de trocar esse fim por outro que não é mais sexual. (Freud, 1910)
Loureiro (2005) diz que a psicanálise efetua uma verdadeira ruptura naquilo mesmo que até então se considerava sexualidade. Ao contrário dos discursos normativos da sexologia e da criminologia, que priorizavam a explicação com base em teorias da hereditariedade e da degenerescência, a concepção psicanalítica da sexualidade embaralha as fronteiras entre o normal e o patológico, bem como prescinde da categoria de instinto sexual (impulso pré-formado, comum à espécie como um todo, dotado de objeto e finalidade fixos), Freud usa o termo Trieb (impulso ou pulsão). A pulsao não implica nem comportamento pré-formado, nem objeto específico. O conceito de pulsão demonstra as múltiplas, contingentes e mutantes feições que pode assumir a sexualidade humana.
[ … ] Quem já viu uma criança saciada recuar do peito e cair no sono, com as faces coradas e um sorriso beatifico, há de dizer a si mesmo que essa imagem persiste também como norma da expressão da satisfação sexual em épocas posteriores da vida […] (FREUD, 2006, p. 171).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
EGYPTO, Antônio Carlos. Orientação Sexual na Escola: um projeto apaixonante: o projeto de orientação na escola. (org). Clara Regina Rappaport. São Paulo. EPU, 1981. 144 p.
FIORI, Wagner da Rocha. Teorias do Desenvolvimento: Conceitos fundamentais: modelo psicanalítico. São Paulo. Cortez, 2003. 92 p.
FREUD, Sigmund. Um caso de histeria, Três ensaios sobre sexualidade e outros
Trabalhos. 1901-1905. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de
Sigmund Freud Volume VII. Imago Editora. 2006. Rio de Janeiro.
WEREBE, M. J. G. Sexualidade, Políticas e Educação. Autores e associados. São Paulo, 1998. 217 p.
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Maurício dos Santos é jornalista e Professor de Redação. Pós-Graduação: Marketing (2013) e Arteterapia (2015). Autor do livro: Acima da Cabeça só existe o Coração.