Por Caroline Nunes e Elias Santana Malê, para Alma Preta Jornalismo.
O mês de setembro volta a atenção da sociedade para a saúde mental e prevenção do suicídio. No entanto, segundo o mais recente relatório da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), a população negra tem menos acesso à saúde se comparada à branca, e maior tendência à violência contra si mesma, em especial, entre os jovens e as mulheres negras, estas colocadas em último plano pelas políticas públicas voltadas ao bem viver e fortalecimento da saúde mental, de acordo com o relatório.
O informe ainda pontua que, em ano de eleição, voltar o olhar para as propostas voltadas à promoção da saúde mental das mulheres negras é vital para a construção da democracia. Contudo, dentre os planos de governo dos quatro principais candidatos à frente da disputa à presidência em 2022 – sendo eles: Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PTB) e Simone Tebet (MDB) –, a saúde mental das mulheres negras não é prioridade, sendo citada apenas brevemente por Tebet, candidata que ocupa o quarto lugar nas pesquisas eleitorais.
Para a especialista em marketing político Inaiara Florêncio, as camadas de preconceitos vividos por mulheres negras é algo profundo e estrutural, em que a estrutura tira dessas mulheres a humanidade e o direito de viver. Logo, para ela, a atenção à saúde mental se faz urgente no momento atual político.
“Isso vem acompanhado da dicotomia de que ainda há muito a se fazer e que essas mudanças estruturais e na nossa sociedade são mais do que urgentes. Cuidar da saúde mental, se humanizar, fazer pausas é se entender humana com todas vulnerabilidades e intersecções. E mais que isso, é um ato político”, avalia Inaiara.
Saúde mental é pouco pautada nas propostas
Lula, candidato do PT, cita mulheres negras em seu plano ao tratar de segurança pública e quando fala de desigualdade social. “Devemos enfrentar a realidade que faz a pobreza ter o ‘rosto das mulheres’, principalmente das negras”, diz um trecho da proposta. Nenhuma menção à saúde mental de mulheres negras é descrita em seu plano governamental.
Já Bolsonaro, atual presidente e candidato à reeleição, sequer cita a população negra em sua proposta de governo. No plano de Bolsonaro também não há menção de investimento em saúde mental. Além disso, o presidente não detalhou propostas específicas para o próximo governo sobre políticas para as mulheres, mas listou em seu plano de governo ações realizadas para o público feminino desde sua posse, em 2019.
O candidato pelo PDT, Ciro Gomes, apresenta um trecho de seu projeto governamental voltado para mulheres, em que propõe cumprir leis que facilitem a inserção do público feminino no mercado de trabalho e a implantação de microcrédito para mulheres. Também lista propostas voltadas à redução de desigualdades, onde incluí gênero, e promete reduzir a pobreza e as desigualdades sociais, de renda, gênero e raça. Nenhuma menção à saúde mental é citada no plano de Ciro, tampouco para as mulheres negras.
A quarta colocada nas pesquisas eleitorais é a senadora Simone Tebet, do MDB. Dentre os principais presidenciáveis, ela foi a única que cita a atenção à saúde mental das mulheres negras em seu plano de governo. Tebet pretende ainda, se eleita, reforçar políticas públicas em saúde para grupos prioritários, como saúde materno-infantil, saúde da mulher, da criança e do adolescente, população negra em geral, portadores de deficiência, povos originários, comunidades quilombolas e rurais.
Abordar a saúde mental é importante?
“Para falar da saúde mental da mulher negra dentro de um plano de governo, precisamos falar da mulher negra enquanto agente social e como essa mulher é acolhida no sistema de saúde, seja público ou privado, as regras são as mesmas e o acolhimento é sempre complicado”, salienta Marta Celestino, pesquisadora e consultora em inovação e diversidade.
Apesar da importância, a especialista acredita que em certo ponto, pode até ser perigoso abordar a saúde mental das mulheres negras tão especificamente, pois isso pode aumentar o estigma social que já recai sobre a população negra – devido à pobreza oriunda do sequestro e escravização de africanos –, desigualdade e racismo estrutural.
“A saúde mental ainda é uma questão na comunidade negra na minha leitura, então esse é um tema bem sensível e bem relevante. O que precisamos é de um plano que garanta direitos de pessoas negras dentro do sistema de saúde”, comenta.
No entanto, a especialista em gerenciamento de riscos e crises Viviane Elias, pontua que historicamente, as mulheres negras não possuem o hábito de cuidarem de si, e sim, são sobrecarregadas pelo cuidado a outras pessoas. “Fomos criadas para servir e sobreviver”, salienta Viviane.
Ela acredita que o assunto deve ser pautado pela política, por que em um contexto geral de desigualdade social, racial e de gênero, as mulheres negras são atravessadas por violências que não atingem as outras camadas da pirâmide social, portanto, demandam mais atenção.
“Todas as preocupações, como violência, maternidade negra e solitária, possibilidade de crescimento na carreira, ser a principal mantenedora do lar, tudo isso perpassa a saúde mental das mulheres negras e afetam essas mulheres em maior ou menor grau”, destaca.
Viviane pondera ainda que a questão racial deve ser incluída, portanto, como um todo nas propostas políticas dos presidenciáveis. Com relação às mulheres negras, para ela é necessário dar segurança psicológica neste recorte em específico, abordando segurança, educação, trabalho e renda.
“Temos a política em nossas veias”
“A política brasileira ainda reproduz o colonialismo. As mulheres negras na política são poucas e são obrigadas a guerrear para estar nesse ambiente. A mulher negra é um alvo quando o assunto é política, porque temos a política nas nossas veias e a fazemos bem – desde muito antes da escravidão –, então somos silenciadas, porque cada passo nosso pode significar avanço real”, avalia Marta Celestino.
Marta enfatiza que a política impacta na saúde mental das mulheres negras de várias formas, que vão desde a insegurança frente à violência, até à própria sensação de cansaço e frustração frente a tanto esforço em uma sociedade “que não progride porque não entende a diversidade como fundamento, como seu próprio reflexo”.
Para Viviane Elias, no entanto, apesar da parte feminina da população negra ser potencialmente elegível a cargos públicos e parcela importante do eleitorado brasileiro, há ainda uma falta de representatividade, educação e oportunidade para essas mulheres, o que afeta diretamente a sua saúde mental.
“Acho que mais do que isso, acho importante falar sobre política para a massa da população, e conscientizar que política não é aquela coisa chata ou ‘que é todo mundo ladão’. Tem muita gente boa que pode transformar a política brasileira em um lugar acessível e de pautas inclusivas”, pondera.
“É necessário inserir a educação política nas discussões como uma forma de posicionamento da população negra e em frente às suas necessidades, em especial, as necessidades das mulheres negras, como a saúde mental”, finaliza.