“Agora vai começar o terceiro turno das lutas populares por mudanças e conquistas”, alardeou o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) pelas redes sociais, poucas horas depois da confirmação da reeleição de Dilma Rousseff (PT).
O movimento – junto a representantes de sem-terra, indígenas, LGBT e integrantes do movimento negro – faz parte do bloco que declarou “voto crítico” à candidatura petista no segundo turno.
O termo indica apoio, mas com ressalvas. Na prática, seus adeptos afirmam reconhecer avanços socioeconômicos nos últimos 12 anos, mas se mostram críticos a determinadas políticas do governo.
Agora, passadas as eleições, esses grupos à esquerda do PT em diversas frentes prometem se mobilizar para pressionar a presidente a atender suas demandas, em um momento em que a petista também sofre forte oposição de setores à direita.
No topo das lista de reivindicações estão novas políticas de habitação e direitos humanos, críticas à violência policial, defesa do meio ambiente e apoio a minorias.
Agora, passado o período eleitoral, “a pressão está de volta”.
Quem diz isso é Natalia Szermeta, coordenadora do MTST. “Aderimos ao voto crítico porque entendemos a eleição da oposição como um retrocesso e reconhecemos pequenas conquistas sociais que o PT proporcionou nestes anos”, diz. “Mas elas não são suficientes.”
Szermeta argumenta: “O Bolsa Família é uma conquista importante, mas não vai resolver sozinho os problemas sociais. O Minha Casa, Minha Vida mostra preocupação em atender os pobres, financia habitação para quem ganha até três salarios mínimos, mas da forma que é implementado garante mesmo é mercado para as grandes empreiteiras”, diz.
Segundo a coordenadora do MTST, a “movimentação popular” se faz mais necessária do que nunca, já que o governo tem pela frente a “missão impossível de agradar grupos completamente distintos”.
“Reforma política sozinha não resolve. Precisamos de reforma urbana, reforma agrária, políticas para reduzir o déficit habitacional, para controlar a especulação imobiliária”, afirma. “Essas pautas populares têm que ser atendidas e nós vamos pressionar.”
Demarcação
A polarização entre PT e PSDB dividiu a população indígena, diz Ysani Kalapalo, fundadora do MIA (Movimento Indígenas em Ação).
“Eu mesma conversei com lideranças e todos falaram sobre a divisão. Cada um tinha seus motivos e ninguém estava 100% satisfeito. Percebi que os indígenas do Centro-Oeste estavam mais do lado do Aécio, acreditaram nele. Os do Sudeste e Nordeste votaram mais na Dilma. No Norte, nenhum dos dois”, afirma.
Blogueira e figura ativa nas redes sociais, a representante da etnia kalapalo e aweti, do alto Xingu, no Mato Grosso, justifica seu voto pessoal no candidato tucano como fruto de “decepção”.
“O governo dela foi o que mais prejudicou a natureza, o povo indígena. Na gestão dela morreram mais índios do que em outras. Muitos perderam suas terras na gestão dela. Na Amazônia teve desmatamento ilegal, muito, ela não fez quase nada. Belo Monte é obra prejudicial ao meio ambiente.”
A ideia, agora, é retomar o diálogo.
“Assim como ela deixou claro que está apta a abrir diálogo com os movimentos sociais, vamos tentar o diálogo com ela, para ver se ela dá atenção para as nossas pautas, às questões indígenas, de meio ambiente, os direitos animais”, afirma.
“Não há como não reconhecer o papel que o PSOL desempenhou nessas eleições”, tuitou o prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), em uma mensagem compartilhada por mais de 1,7 mil pessoas.
Ele se referia ao principal grupo político porta-voz do voto crítico ao PT.
Duas de suas figuras mais proeminentes – o deputado estadual (RJ) Marcelo Freixo e o federal Jean Wyllys – justificaram essa posição no segundo turno e, em entrevista à BBC Brasil, indicaram qual deverá ser o caminho a ser adotado a partir de agora.
“O voto em Dilma não é um sinalização de aliança política ou participação do PSOL no governo. Isso não acontecerá. Meu voto no segundo turno foi um veto a Aécio (Neves, o candidato do PSDB), que se aliou ao que há de mais conservador na política brasileira. Basta ver a recente manifestação, em que parte de seus eleitores foram às ruas pedir o impeachment da presidente e a intervenção militar”, disse, em entrevista à BBC Brasil o deputado estadual Marcelo Freixo, fazendo referência ao protesto realizado em São Paulo, no domingo passado, que reuniu entre 2 a 5 mil pessoas.
Já Jean Wyllys disse à BBC Brasil que optou por fazer campanha para Dilma Rousseff no segundo turno “mesmo sendo crítico de seu governo”.
Para ele, as forças em torno de Aécio Neves “representavam tudo aquilo contra o qual eu luto: neoliberalismo radical, desprezo contra os pobres e contra as políticas de inclusão social, conservadorismo moral e cultural, fundamentalismo religioso, retrocesso dos direitos civis, avanço da repressão e do punitivismo, um antipetismo doentio e revanchista e até uma dose de macartismo vintage”.
Mas o deputado acrescenta que “nunca poupamos críticas ao governo do PT e nem pouparei agora. Quanto a apoiar Dilma no segundo turno, avisei que seria o primeiro a cobrar quando necessário tudo aquilo que cobrei como compromisso para o próximo governo dela. Sobre o futuro, acredito que devamos continuar agindo como até hoje, sendo uma oposição sempre à esquerda, justa e republicanca”.
Wyllys também vislumbra um possível contexto de colaboração com o governo. “O sentimento de ódio que está sendo usado por alguns setores da oposição, inclusive ex-aliados do PT, é muito perigoso para as próprias instituições democráticas. Por isso, é preciso uma articulação entre os movimentos e partidos de esquerda para fazer uma pressão de fora para dentro”.
Seu companheiro de partido Freixo traça qual deverá ser a principal pauta de reivindicações de seu partido e de movimentos ligados a ele.
“É fundamental realizar a reforma política, para diminuir o poder econômico nas eleições e permitir mais transparência e participação social; a reforma tributária, para acabar com a penalização dos mais pobres no pagamento de impostos e taxar as grandes fortunas; garantir o casamento civil igualitário; desmilitarizar a PM e garantir políticas que promovam igualdade racial e de gênero.”
À BBC Brasil, o militante LGBT Luis Arruda explicou as críticas do movimento, representado em Brasília por Wyllys, ao governo dilmista.
“Quase nada foi feito em quatro anos, pelo menos não ostensivamente. Casamento igualitário, identidade de gênero e casamento homoafetivo sempre foram nossas principais demandas e continuam aí”, afirma, reiterando o discurso do deputado Marcelo Freixo.
“Por isso o movimento social está aí para pressionar. Algumas vezes a pressão pode ser construtiva, outras pode ser embate.”
Fonte: Diário Centro do Mundo