Sem renda, pescadores se queixam de fome

Os mais de 11 mil pescadores do litoral pernambucano querem solução com urgência

Parte dos pescadores não conseguem acessar o direito, já que o ministério só concede o benefício aos cadastrados no Registro Geral da Pesca / Yane Mendes/Juntas Codeputadas

Por Vinícius Sobreira.

O petróleo parou de chegar. A areia nas praias ao menos parece limpa. O impacto no setor hoteleiro tende a ser reduzido. Mas a população que vive nessas áreas, especialmente os que dependem da pesca, já vivem situação crítica. Sem conseguir vender o pescado, as famílias – e comunidades – viram seus rendimentos sumirem, levando muitos a se alimentarem daquilo que pescam, esteja contaminado ou não.A parcela extra do seguro-defeso – benefício pago pelo Ministério da Agricultura para os pescadores que não podem exercer suas atividaes no período de reprodução dos peixes – foi apresentado como solução pelo Governo Federal. O presidente Jair Bolsonaro assinou uma medida provisória (MP) concedendo uma parcela extra do seguro para as comunidades atingidas pelo óleo. Mas a medida demonstrou ter muitas falhas e passa longe de solucionar as questões imediatas. Primeiro, porque Brasília garantiu apenas uma parcela extra – mas os pescadores veem suas atividades afetadas há mais de três meses, desde que o petróleo começou a chegar às praias. Segundo, porque boa parte dos pescadores não conseguem acessar o direito, já que o ministério só concede o benefício aos pescadores cadastrados no Registro Geral da Pesca (RGP), cujo reconhecimento de novos pescadores está parado desde 2012, segundo os profissionais. E terceiro, porque a parcela-extra foi autorizada apenas para os pescadores que atuam nos municípios atingidos pelo petróleo, quando na verdade todos os pescadores tiveram suas atividades afetadas, já que ninguém consegue mais vender seus pescados.

“Essa medida provisória não nos beneficia. A maioria de nós não temos carteira de pesca. Alguns até temos o protocolo [de que preencheu o formulário, se cadastrou], mas isso não nos dá direito a nada, porque não recebemos novos registros desde 2012. O erro é do Governo Federal, não nosso”, se queixa Joana Mousinho, presidenta da Colônia dos Pescadores de Itapissuma e integrante da Articulação Nacional das Pescadoras. A falta do RGP também impede que os pescadores tenham acesso a benefícios do INSS quando fazem cirurgia e ficam impossibilitados de trabalhar. Segundo Mousinho, os profissionais dos municípios onde não chegou óleo estão em situação ainda pior, porque não conseguem vender o peixe e nem tem direito ao benefício. “Já está faltando pão na mesa das pescadoras e pescadores. Estamos consumindo o peixe, o marisco, os crustáceos que sabemos estar envenenados, porque não queremos passar fome”, disse Joana Mousinho, em audiência pública realizada na última terça-feira (3) na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe).

“Não podemos ficar vivendo de favores. Não somos coitadinhas, somos trabalhadores que sustentamos nossas famílias. Não estamos pedindo favor, estamos pedindo o que deve ser nosso por direito”, completou a pescadora. “Nossos congeladores estão cheios de peixe. Estão cortando nossa internet. Nosso gás de cozinha está sendo comprado fiado, outros já estão cozinhando na lenha”, completou Ângela Fonseca, pescadora de Goiana. Diante do impasse, o Governo de Pernambuco tem proposto ao Governo Federal que o benefício seja extendido para além dos pescadores cadastrados no RGP. As colônias de pescadores, em parceria com o executivo estadual, está realizando um recadastramento que chegou ao número de 11.377 pescadores (número 45,6% superior aos 7.815 cadastrados no RGP).

Segundo a secretária executiva de Meio Ambiente do estado, Inamara Melo, como o Ministério da Agricultura só pretende pagar aos pescadores cadastrados e de municípios em que o petróleo chegou, o número de pescadores prejudicados e sem direito ao benefício é ainda maior. Segundo Melo, o Recife concentra 1.911 pescadores; com mais 295 em Olinda, 372 em Paulista, 218 em Jaboatão, 476 no Cabo de Santo Agostinho e 908 em Ipojuca. “Precisamos dessa mobilização de vocês para que esse cadastro, que será encaminhado para o Comitê Geral da Pesca, que ele seja legitimado pelas demais instituições como forma de cadastro para o pagamento desse benefício”, pediu a secretária. Também estiveram na audiência pública integrantes dos gabinetes dos deputados federal Carlos Veras (PT) e João Campos (PSB), ambos integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Óleo, sendo Campos relator da comissão. A CPI tem por objetivo identificar a origem do petróleo que atingiu a costa do Nordeste, avaliar resposta dada pelo poder público às necessidades da população, avaliar trâmites das mesas de auxilio emergencial de reparação e compensação e formular propostas para aperfeiçoar a legislação sobre o tema. As duas representações reconheceram o seguro-defeso no formato atual como insuficiente e se comprometeram a propor alterações, emendas, à medida provisória do Governo Federal, para que pescadores que não possuem RGP também possam obter o benefício.

Resultado das Análises

Também na terça (3), após a audiência pública, a secretaria de Desenvolvimento Agrário de Pernambuco divulgou o resultado da análise dos pescados e frutos do mar da costa do estado. Realizada numa parceria do governo com a UFRPE, UFPE e a PUC-Rio, o levantamento tem como resultado parcial apenas dois peixes (dos 55 avaliados até agora) com nível de toxicidade superiores ao máximo determinado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Apesar da pressa para afirmar a segurança alimentar do pescado, o resultado ainda é parcial, visto que tem por base apenas 55 análises – ou metade do total – das 94 amostras enviadas para análise na PUC. Entre as amostras atestadas estão 13 espécies de peixes: ariocó (3 amostras), boca torta (3), budião (3), carapeba (3), cavala (2), cioba (2), coró (3), manjuba (3), sapuruba (3), saramunete (3), serra (2), tainha (3), xaréu (6). Também estão contempladas duas espécies de camarão: rosinha (1) e sete barbas (1); além de marisco (8), ostra (3) e sururu (3). Os lotes foram pegos com pescadores artesanais de cinco localidades: Ilha de Itamaracá, Itapissuma, Cabo de Santo Agostinho, Sirinhaém e Tamandaré. Os dois peixes com benzo[a]pireno em níveis altos foram um xaréu e um sapuruna, ambos coletados nas proximidades da Ilha de Itamaracá. O Governo do Estado sugeriu, então, que se evite temporariamente o consumo das duas espécies.

Os pescadores cobram do governo estadual que se decrete situação de emergência, além de medidas urgentes relativas à saúde dos trabalhadores da pesca e voluntários, além de monitoramento ambiental e que se mensure o impacto econômico entre municípios atingidos ou não pelo petróleo. Também foram recorrentes as queixas de “envenenamento dos rios” por despejo de esgoto e, nos municípios do litoral sul e norte, o despejo de produtos químicos por parte das usinas de cana de açúcar. Os professores Beatrice Ferreira (do departamento de Ciências Biológicas) e Cristiano Ramalho (Sociologia), ambos da UFPE, fizeram cobranças explícitas ao Governo do Estado. “Desde 2008 não temos estatísticas sobre o tamanho e a importância da atividade pesqueira em Pernambuco. Isso é grave. Como não se sabe nada, essa população fica invisibilizada”, disse Beatrice.

Cristiano Ramalho mencionou uma pesquisa realizada no início de novembro. “Independente da região, atingida ou não pelo óleo, a atividade pesqueira parou. Em alguns casos a redução foi de 90%. Também os pescados de alto mar tiveram impacto de 60%. Até mesmo salmão, que é importado do Chile, percebemos uma queda de 50% na venda do salmão. E 100% das pessoas entrevistadas informaram que não pararam de consumir pescados, mesmo estando numa área atingida por óleo”, disse o professor. Ele também mencionou outros problemas políticos e ambientais históricos de ausência do poder público e que prejudicam essas comunidades. “O Governo do Estado continua transferindo todas as obrigações de respostas ao Governo Federal. Pernambuco precisa assumir mais compromissos e apresentar algo de concreto, ter corresponsabilidade, assim como os municípios”, completou.

A advogada Luísa Duque lembrou que o Complexo Portuário de Suape, onde fica empreendimentos como a Refinaria Abreu e Lima, possui por obrigação um plano de contingência de óleo. “Algumas das áreas mais afetadas ficam no Cabo de Santo Agostinho, próximo ao porto de Suape. Então por quê o Complexo de Suape, administrado pelo estado de Pernambuco, não acionou o plano de contingenciamento para ao menos salvar os estuários próximos ao porto? É muito cômodo jogar todas as responsabilidades para o Governo Federal”, cobrou a advogada.

Pescadores do Recife

No último dia 22 de novembro a Câmara Municipal do Recife realizou, na Ilha de Deus, no bairro do Pina, zona sul do Recife, uma audiência pública sobre a situação dos pescadores das duas comunidades pesqueiras da capital pernambucana que formam a colônia Z1 (Pina, Brasília Teimosa, Ilha de Deus e Vila da Imbiribeira). O encontro contou com a presença de 150 pescadores das comunidades, além de representantes da prefeitura. Na audiência o Executivo municipal assumiu o compromisso de instalar, através da secretaria de Desenvolvimento Econômico, uma mesa para construir ações de fortalecimento da cadeia produtiva da pesca na capital; e que a secretaria de Saúde capacite seus profissionais que atuam em Postos de Saúde da Família dentro comunidades pesqueiras sobre as doenças do mundo do trabalho da pesca.

A reunião foi provocada pelo vereador Ivan Moraes (PSOL), que prometeu apresentar projeto de lei que reconheça os territórios pesqueiros da capital pernambucana – que estão em Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Ao ser reconhecido como comunidade tradicional, teriam direito a políticas públicas contextualizada com o modo de vida da comunidade pesqueira. Um estudo foi realizado pela Universidade de Pernambuco (UPE), a Ação Comunitária Caranguejo Uçá e o mandato de Ivan Moraes, exclusivamente na Ilha de Deus, onde vivem 280 famílias. De acordo com o levantamento, em 90% das casas há alguém que pesca; em 82% das casas a família é mantida pela renda da pesca artesanal; 65% dos pescadores nunca tiveram capacitação na área; apenas 6% recebem algum crédito ou financiamento; o produto da pesca é 20% vendido ao consumidor final, enquanto 60% é comercializado para intermediários; e a atividade movimenta em torno de R$200 mil ao mês, ou R$2,4 milhões ao ano na comunidade.

O pescador Augusto de Lima, do Pina, pediu união de forças dos trabalhadores para obter conquistas que possibilite superar esses momentos de crise. Como exemplo, lembrou o princípio de epidemia de cólera no estado, que também atingiu fortemente a atividade pesqueira. Em 1992 a contaminação pela bactéria vibrião colérico causou a morte de 12 pessoas por desidratação decorrente de diarreia. A transmissão se dava pela água contaminada, alimentos mal lavados, peixes, crustáceos e moluscos. A secretaria estadual de saúde decretou estado de calamidade pública. O governo do estado, encabeçado por Joaquim Francisco, interditou os 189 quilômetros de litoral por uma semana. Com a pressão dos pescadores, um estudo do Ministério da Saúde voltou a liberar a praia e a pesca, contando ainda com o governador e seus secretários tomando banho de sunga diante das câmeras para convencerem a população a também voltar às praias. “Temos visto o governo federal inventando chifre na cabeça de cavalo, acusando A ou B. É preciso nos mantermos unidos, cobrando constantemente das autoridades a devida responsabilidade”, disse Augusto de Lima. “Essa situação também mostrou a vulnerabilidade da nossa segurança costeira. É uma questão de segurança nacional”, completou.

Edição: Marcos Barbosa.

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