Sem ordem judicial, família Kaingang tem sua moradia demolida em Blumenau (SC)

No dia 27 de abril, supostos funcionários da Prefeitura de Blumenau desmancharam a moradia e levaram os pertences dos indígenas, entre eles artesanatos, ferramentas de trabalho, cama e fogão

Supostos funcionários da Prefeitura de Blumenau (SC) colocaram pedras em cima do espaço onde ficava a moradia da família Kaingang. Para uma das vítimas do despejo, essa ação significa o “enterro” de sua família. Foto: Arquivo/Cimi

Assessoria de Comunicação do CIMI.

Imagine descobrir, durante uma viagem, que você não poderá voltar para a casa, porque ela não está mais no espaço onde ela ficava. Foi exatamente isso que aconteceu com uma família do povo Kaingang, do estado de Santa Catarina. Na semana passada – no dia 27 de abril –, supostos funcionários da Prefeitura de Blumenau (SC) desmancharam a moradia dos indígenas e sumiram com seus pertences, entre eles artesanatos, ferramentas de trabalho, fogão, cama e roupas.

De acordo com uma denúncia recebida pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a ação foi realizada “sem qualquer ordem judicial”. “Isso é uma atitude extremamente grave, violenta e que tem como objetivo afastar e violar os direitos dos povos indígenas. Foi uma atitude revoltante, criminosa e que demonstra uma ideologia higienista e racista”, afirmou o autor da denúncia – que, por segurança, não será identificado.

Um dia após a ação, os supostos funcionários da prefeitura do município catarinense voltaram ao local e colocaram pedras onde ficava a casa, a fim de impedir o retorno dos indígenas. Em conversa com a equipe do Cimi, uma das vítimas – que também não será identificada nesta matéria – dessa ação falou sobre o episódio. Ela e sua família moravam no local há cerca de 20 anos.

“Havia ficado tudo lá. Todos os meus materiais de trabalho, balaios, ‘filtros do sonho’, colchão, panela, louça, roupas e brinquedos das crianças. Desmoronaram tudo da minha casa e ainda colocaram umas pedras, que, para nós, simbolizam eu e minha família enterradas. Não houve qualquer aviso, não entraram em contato com a gente”, lamentou.

“Desmoronaram tudo da minha casa e ainda colocaram umas pedras, que, para nós, simbolizam eu e minha família enterradas”

O Ministério Público Federal (MPF) já foi informado sobre o caso e também foi registrado um Boletim de Ocorrência na Delegacia de Polícia Virtual de Santa Catarina. Agora, a expectativa é de que providências sejam tomadas o quanto antes.

Após a denúncia, o MPF solicitou à prefeitura que forneça informações, no prazo de dez dias – a partir do dia 28 de abril de 2022 –, a respeito de quem partiu a ordem para demolição, quais as razões que justificam a medida e quais as medidas que a Prefeitura de Blumenau pretende adotar para possibilitar abrigo aos indígenas que acampam na cidade para vender artesanatos.

“A gente espera que cumpram com as medidas necessárias e que os responsáveis por essa ação sejam identificados e devidamente punidos. Porque, por óbvio, além de ter sido uma ação ilegal, a família não foi intimada em nenhum momento para deixar o local e os seus bens. Os seus pertences foram simplesmente usurpados e levados para um local desconhecido”, afirmou, revoltado, o mesmo autor da outra denúncia mencionada nesta matéria.

“A gente espera que cumpram com as medidas necessárias e que os responsáveis por essa ação sejam identificados e devidamente punidos”

Outras famílias do povo Kaingang já foram vítimas de ações similares realizadas pela própria Prefeitura de Blumenau (SC). Foto: Arquivo Pessoal

Outro caso

Esse não é o primeiro caso que ocorreu no município. Em 2020, outra família do povo Kaingang foi vítima de uma ação similar da Prefeitura de Blumenau. Em documento encaminhado à época para o MPF, foi solicitado que o ministério e a Fundação Nacional do Índio (Funai) tomassem as devidas providências para realocar os indígenas para um local adequado.

“Tendo em vista que na representação que embasou a instauração do presente Procedimento (anexa), o casal de indígenas que permanece acampado próximo à Rodoviária de Blumenau, narra categoricamente que deseja permanecer na cidade para a venda de artesanato, requisito que a Prefeitura de Blumenau se abstenha de qualquer ato tendente a desfazer o que restou do referido acampamento, devendo quaisquer tratativas junto aos referidos indígenas, seja para realocação dos mesmos em local mais adequado, seja para retorno à sua aldeia de origem, ser acompanhados por representantes da Funai ou deste Ministério Público Federal”, diz o documento.

Proibido despejo

A iniciativa da Prefeitura de Blumenau contraria uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF): em maio de 2020, a Corte determinou a suspensão de todos os processos que tratem do tema e que possam resultar na anulação de demarcações ou no despejo de comunidades indígenas.

A decisão do ministro Edson Fachin é válida até o fim da pandemia de Covid-19 ou até o término do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365 – caso ele ainda não tenha sido concluído quando a crise sanitária for considerada encerrada.

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