Segue a greve geral no Equador. Por Elaine Tavares

Por Elaine Tavares.

Das lições históricas que temos tido, recorrentemente, na América Latina, uma é a de que o tal “neoliberalismo”, nome enfeitado do capitalismo que está sempre tentando se reinventar, não cumpre absolutamente nada do que promete na sua propaganda de vida melhor para os povos. Todo esse palavreado traduz a mais antiga enganação e a única vida que melhora é da classe dominante. Na América baixa não são poucos os governos que se elegem com essa lenga-lenga e tão logo se assentam nas cadeiras presidenciais repetem as mesmas fórmulas de “apertar os cintos” dos mais pobres, pedir sacrifícios e encher os bolsos do 1% que já é rico.

Estamos vendo isso agora mesmo no Equador, onde a população preferiu colocar na presidência um banqueiro em vez de um indígena com militância social. Depois de passar por uma devastação durante a pandemia, com mais de 35 mil mortos, mesmo com o novo presidente e a reativação da economia o país manteve um desemprego gigante na cidade e no campo. Sempre é bom lembrar que o Equador é um país ainda bastante rural. Conforme aponta o professor John Cajas-Guijarro, de cada 100 trabalhadores, 74 estão no campo, e as pequenas comunidades seguem sendo uma força muito grande na mobilização por direitos e nas lutas sociais que envolvem o direito à agua e ao território.

Pois o presidente Guillermo Lasso, que prometeu melhorar a vida da população, preferiu seguir os caminhos apontados pelo famigerado Fundo Monetário Internacional, os quais conhecemos bem: manter as finanças do estado equilibradas, mas priorizando o sistemático pagamento da dívida, deixando em último plano as demandas da maioria da população. Conforme Cajas-Guijarro, em 2021 a entrada de recursos com o petróleo e empréstimos variados cresceu 65,5%, mas isso não foi usado para investir nas áreas que exigiam urgência como a saúde, a educação ou a geração de empregos. O resultado desta política é também o mesmo de sempre: aumento da violência, o avanço do narcotráfico, da criminalidade e o desespero da população diante das impossibilidades de produzir a vida.

Quando as coisas chegam ao limite do suportável a luta explode e, como sempre, historicamente, o motor das batalhas é o movimento indígena/camponês liderado pela Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador, que nasceu em 1986 e desde aí tem sido o centro articulador das lutas populares. Quem está atento para a história sabe que foram os indígenas os que em 1990 ocuparam Quito e iniciaram uma caminhada sem volta de organização e luta autônoma. Foram movimentos liderados por eles que derrubaram presidentes, como Lúcio Gutierrez em 2005, e confrontaram os chamados progressistas como Rafael Correa. E, assim, como agora, sempre que essas gentes se levantam, a repressão é violenta e avassaladora, o que não enfraquece em nada a marcha da luta. Por isso, sempre resulta impressionante ver que os dirigentes agem da mesma forma, sem prestar atenção na história. Não é a polícia, nem as balas, nem os canhões, nem as mortes que detêm os indígenas. O efeito é sempre o contrário. Além de fortalecer o movimento ainda consegue aglutinar outras categorias de trabalhadores bem como estudantes.

E assim tem sido desde o dia 13 de junho quando a Conaie desencadeou um paro nacional, uma greve geral, que apresentou ao governo uma pauta não apenas dos indígenas, mas de todos os trabalhadores. Nela, as reivindicações são conjunturais, mas também históricas. Exigem reduzir o preço dos combustíveis, moratória das dívidas dos pequenos e médio produtores agrícolas, políticas para o campo e a não assinatura de um tratado de livre comércio que destrói a produção nacional, criação de empregos, estancamento do avanço da mineração, proteção da água, o fim da privatização do patrimônio nacional, respeito aos direitos dos trabalhadores e das comunidades indígenas, garantia da segurança e acesso da juventude ao ensino superior. Ou seja, o básico. Ou ainda: o cumprimento das promessas.

Mas, em vez de garantir o que havia sido acenado na campanha eleitoral o que faz Lasso? Manda reprimir as manifestações e já no primeiro dia prende o presidente da Conaie. Com isso, gera mais manifestação e novas marchas, e novos trancamentos de estradas, e novas mobilizações. Quanto mais a polícia reprime, mais gente vai saindo das comunidades, dos cantos mais longínquos, e o movimento cresce. Lasso decreta estado de exceção e o movimento cresce. O governo cede para uma negociação, mas logo recua, mantendo a repressão e a violência, o movimento cresce. Hoje, chega ao 18º de luta. A pauta está aí, o governo insiste em não negociar, se esconde atrás dos escudos policiais. Seguramente vai perder.

Até agora já foram cinco mortes, há um número alto de feridos e muitas denúncias de violações de direitos, mas não há sinal de que a luta arrefeça. A Assembleia Nacional chegou a discutir a destituição do presidente, tanto por acusações de corrupção como pelo uso da violência contra o movimento, entretanto apesar de a proposta vencer na votação geral por 80 votos a 48, o fato de não ter alcançado a maioria qualificada – que eram 92 votos – colocou por terra essa possibilidade.

Para os trabalhadores, indígenas, camponeses e estudantes também há uma lição já historicamente aprendida. É só a luta que muda a realidade. O que ainda continua sem resposta é a possibilidade de articulação de um projeto conjunto de poder, afinal, ao longo dos tempos, apesar das vitórias conjunturais, derrubada de presidentes e tudo mais, esses movimentos ainda não conseguiram dirigir o país, seja por eleição, seja por revolução. Na última eleição, apesar do candidato ser um indígena, havia muita desconfiança com relação ao projeto que seria defendido e o resultado foi a vitória do banqueiro. Mais um para ser derrubado por essa força gigante que é o povo equatoriano. Uma força que precisa encontrar caminho comum para finalmente mudar o destino do país.

O que a história ensina é que não há rosto humano no capitalismo. Sendo assim, não bastam as conquistas parciais. Há que revirar tudo patas arriba.

A luta segue!

Elaine Tavares é escritora, apresentadora e jornalista do IELA, Rádio Campeche e Revista Pobres & Nojentas

 

 

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