Organizações se reuniram com a Comissão e Funcultura para pedir esclarecimentos sobre a alteração da lei
A proposta altera a lei nº 6.357 de 07 de julho de 2010, sobre a qual está instituída a realização de atividades pertinentes a semana da Consciência Negra em São Miguel do Oeste. Nesse novo molde, apenas um dia da semana seria destinado ao estudo sobre a história da negritude no Brasil
Texto e Fotos: Claudia Weinman, para Desacato.info.
O Projeto de Lei apresentado pela Fundação Cultural do município de São Miguel do Oeste/SC, (Funcultura), assinado pelo presidente José Elias Araújo do Rosário, propõe reduzir para um dia as atividades correspondentes a semana da Consciência Negra. A proposta gerou revolta a Associação dos Afrodescendentes (Afrodesmo), organização que representa o Movimento Negro no município.
Uma das justificativas apontadas pelo presidente da Funcultura, José Elias Araújo do Rosário, para a não realização de uma semana de estudos e oficinas populares sobre a questão da negritude no Brasil, é de que São Miguel do Oeste não possui atualmente uma semana destinada ás atividades alusivas as demais etnias. “A palavra ‘semana’ é inviável, isso porque as demais etnias não tem uma semana para elas também. Por isso, saí da audiência com a promotoria convencido de que realmente fazer apenas um dia para a Consciência Negra ficaria a contento de todos”.
A ‘desculpa’ provocou ainda mais revolta ao Movimento Negro. Então, na última semana, a Comissão de Justiça e Redação da Câmara de Vereadores de São Miguel do Oeste, solicitou uma reunião com os membros da Afrodesmo e demais organizações, além da presença do presidente da Fundação Cultural. O principal objetivo da reunião segundo a presidente da Comissão, Vereadora Maria Tereza Capra, foi buscar um esclarecimento do Poder Público para a proposta de mudança na lei instituída desde 2010.
Reunião
Reuniram-se para discutir o Projeto de Lei, representantes da Afrodesmo, Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP), Pastoral da Juventude Rural (PJR), Presidente da Funcultura, José Elias Araújo do Rosário e vereadora responsável pela comissão de Justiça e Redação, Maria Tereza Capra. Durante a reunião, foi feita a leitura da lei n° 6.357 de 07 de julho de 2010, sobre a qual fica instituída a realização de atividades pertinentes a Consciência Negra em São Miguel do Oeste e onde consta que a programação deve ser coordenada pelo município, por meio da Funcultura e secretaria de Educação em conjunto com as organizações.
Embora a lei deva ser cumprida, a manifestação de mudança para um dia de estudo sobre a Consciência Negra não agrada o movimento e as demais organizações. Em razão disso, o projeto será encaminhado para a Câmara de Vereadores fazer a votação e rejeitar o projeto na íntegra, ou então, elaborar emendas que contemplem as necessidades históricas do povo Afrodescendente. A perspectiva de aprovação da PL proposta pelo poder público, segundo a representante da Afrodesmo, Isete Carmen Lourenço, é inaceitável. “Enquanto ser humano, será que a atual composição do poder público tem consciência do que significa a consciência negra para nós? O que justifica essa alteração de lei?”, questiona.
39 ° melhor cidade para se viver, mas para quem?
Ao longo das discussões, a representante da Afrodesmo, Isete Carmen Lourenço, questionou o poder público municipal que, conforme ela, tem se omitido em aceitar a realidade afrodescendente, bem como indígena e cabocla na história da cidade.
Isete destaca que o município de São Miguel do Oeste ocupa o 8º lugar no país estando entre as melhores cidades para se viver, até 100 mil habitantes. Esse dado divulgado em 2013, é constatado por meio do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e é utilizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para analisar a qualidade de vida da população. São Miguel do Oeste estaria na 39ª posição em relação a todas as cidades Brasileiras. “Lugar melhor para se viver? Mas para quem viver? Os Afrodescendentes? Os indígenas? Os caboclos?”, pergunta.
Isete ainda replica o argumento utilizado pelo presidente da Funcultura onde ele sugere que se faça apenas um dia para as atividades alusivas a Consciência Negra, já que, as demais etnias também não possuem uma semana exclusiva dedicada a elas. “As outras etnias tem espaço para se reunir, seus representantes são donos de comércios, empresas. Recordo que em 2012 foi realizado o primeiro seminário relativo a nossa data, em 2013 conversamos com membros da secretaria de Cultura e Educação e nada aconteceu, fizemos uma atividade na praça da cidade e ficamos sem luz, em 2014 ficamos sem som, será que é dessa forma que querem pensar esse ‘um’ dia para Consciência Negra?”, questiona.
Além de representar o Movimento Negro, Isete é educadora. Ela acrescenta ainda que muito embora a lei de diretrizes e bases da educação nacional, que visa incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, exista, ela não é cumprida, o que torna ainda mais omissa a história dos povos na cidade e região. “Parece que a gente não faz parte da história de Santa Catarina”, declara.
O representante da Pastoral da Juventude do Meio Popular, Paulo Fortes, lembra ainda que existe uma dívida histórica com a questão da negritude no Brasil. “Não há como consertar todos esses anos de escravidão, mas essa história precisa ser lembrada, precisa ser vivenciada, jamais esquecida. Quem constituiu a região onde vivemos? Foram os indígenas, os negros, caboclos”.
Fortes recorda ainda os seminários das etnias realizados há anos no município onde a história dos Caboclos por exemplo, sempre é ‘esquecida’. “Existe uma supervalorização a cultura Europeia e isso sempre foi notável nos seminários realizados pelos governos municipais aqui da cidade. Nas escolas outro exemplo, os estudantes não sabem o que foi o Contestado, o maior genocídio ocorrido aqui no estado e se não sabem é porque não há interesse de se falar disso, como acontece com a semana da Consciência Negra”, enfatiza.
Outros questionamentos também surgiram durante a reunião, a exemplo da realização de uma semana enaltecedora da pátria, a semana Farroupilha, entre outros eventos.
Sugestões
Ao findar da reunião, a Vereadora Maria Tereza Capra, presidente da Comissão de Justiça e Redação, sugeriu uma avaliação da comissão junto ao encaminhamento de um ofício da Afrodesmo para que o projeto seja levado para votação na Câmara de Vereadores. Conforme a presidente da Comissão, ainda não há data para ser levado a votação, mas, ela adianta que deve ocorrer nos próximos dias.
Presidente da Comissão de Justiça e Redação, Maria Tereza Capra ao lado do Presidente da Funcultura, Elias Araújo do Rosário
Representante da Afrodesmo, Isete Carmen Lourenço fez a leitura da lei que institui a realização da Semana da Consciência Negra em São Miguel do Oeste