“Saluzinho está aí? Tá-tá-tá-tá!”

Obter de várias fontes informações sobre fatos antigos, dar ao seu relato uma confissão de fé, e informar aos leitores que esta é a versão que acredita ser a mais próxima da verdade é para os bons.

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Por: Mara Narciso

Leonardo Campos aproximou-se bastante, encostou-se nesse ideal de gente que, como ele que foi criado e lapidado no jornalismo. Como disse Wanderlino Arruda, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros: “o livro ‘Saluzinho: luta e martírio de um bravo’ é uma obra honesta”. Falando de problemas agrários no norte de Minas, que em 1967 tiveram repercussão nacional, muitos leitores sentiram verdade no livro.

No dia em que nos foi dada a notícia do lançamento, que era um desejo antigo do autor, que queria escrevê-lo e divulgar a história daquele pobre homem, Salustiano Gomes Ferreira, vulgo Saluzinho, o Coronel Lázaro Sena deu sua versão. Pediu a palavra a Wanderlino Arruda e contou a história vivida por ele. Na ocasião, tenente do Décimo Batalhão da Polícia Militar, esteve com a tropa que cercou “a toca” no qual estava escondido Saluzinho. Lá, o acuado passou cinco dias e cinco noites sem comida e sem água, tendo um batalhão à sua espera, porém atacando-o. “Há inverdades no relato. O homem era um bandido feroz, e sobre o cabo Petrônio, alvejado por ele, não ficou hemiplégico e sim, recuperou-se e fez carreira”.

De acordo com o livro, o personagem principal, uma gente do povo, não era santo, mas teve sua imagem de bandido criada e ampliada por todos os cantos do norte de Minas. Contar a sua história, tal qual a havia entendido, era uma dívida de Leonardo Campos, que, repórter do Diário de Montes Claros, entrevistou o homem e gravou três fitas cassete, mas por razões de poder e força foi amordaçado, e os originais arquivados. O adversário de Saluzinho era Oswaldo Antunes, dono do Jornal de Montes Claros, fazendeiro e advogado poderoso. Não era fácil mostrar a versão do encurralado. A mídia e a opinião pública já tinham feito a imagem de bandido sanguinário, invasor de terras, comunista e assassino bom de bala e de coragem irresponsável.

A foto do personagem na porta da sua casa, uma tapera desmoronando, ao lado de uma família onde se vê uma esposa de pés no chão, roupa suja e pano amarrado na cabeça, não entende, ou melhor, custa a creditar como Saluzinho tenha conseguido fazer o que fez, e enfrentar quem ele enfrentou.

Leonardo Campos, escritor, jornalista e advogado, dá uma aula sobre Capitanias Hereditárias, Sesmarias, propriedade, terras devolutas, posse, grilagem, citando artigos da Constituição e explicando como se dá o uso do solo no país, desde o descobrimento. É o caminho didático utilizado para dar ferramentas e fundamentos ao leitor para entender a posição de seu personagem. Este herda do pai uma posse, mas tem como vizinho Oswaldo Antunes, que possui uma grande fazenda. Pelas explicações dadas pelo posseiro ao repórter, em 1979, por ambição, o fazendeiro quer eliminá-lo. Para isso, envia quatro homens à sua porta, que, ao identificarem Saluzinho, atiram nele, que escapa por pouco. Depois fica esclarecido que eram militares à paisana. Deixam cair uma arma, que é recolhida pelo ameaçado. Quando retornam, obrigam o perseguido a se esconder numa gruta.

Voltando no tempo, aos 19 anos, o posseiro Saluzinho esteve no Paraná, e lá entrou em confusão, atirando e matando um homem e acertando um menino. Foi condenado e preso. Após ficar por seis anos na cadeia, volta ao norte de Minas, para suas terras, em Varzelândia. Pelas descobertas de Leonardo Campos, o município de localização da propriedade é modificado, por estar em terras limites, com a intenção de beneficiar quem se apoderou dela, e que tinha por parente um juiz na outra localidade destinada, São João da Ponte, e que analisou o caso.

A abordagem de Leonardo Campos é quase tão corajosa quanto à postura do seu personagem, pois mostra as versões dos jornais da época, assim como partes do livro publicado anos depois, por Oswaldo Antunes, já falecido. Embora esteja convencido de que Saluzinho tenha sido uma vítima, já que a questão da posse foi confirmada, e que ele não era invasor, a história tomou ares de grande drama. O Brasil atravessava uma época negra de Ditadura Militar, com sequestros, torturas e mortes.

Após a histórica e inacreditável resistência dentro da loca, o posseiro foi conduzido ao DOPS, e lá teve contato com pessoas cultas, os presospolíticos. Perdeu a audição devido à grande quantidade de granadas e dinamites atiradas contra ele, assim como gás lacrimogêneo, gasolina em chamas, e outras maldades. Saiu com vida, porém surdo, e como ainda era analfabeto, veio a aprender a ler jornais na cadeia. Segundo consta em depoimentos, a sua esposa, então com menos de 40 anos, é amarrada de cabeça para baixo numa árvore e barbaramente torturada por policiais que queriam que ela desse conta de onde estava o seu marido. Aconteceu na frente de seus filhos. Seus seios foram queimados por cigarro, assim como teve seu corpo invadido via ânus por um pedaço de pau. Morreu algum tempo depois, em consequência dessa tortura.

O DOPS era a autoridade máxima, em termos de ações terroristas e crimes políticos. Saluzinho foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional, pois sua atitude foi considerada comunista, e em prol de Reforma Agrária. Pelas apurações de Leonardo Campos, tal afirmação beira ao delírio. O homem mal sabia o que era isso. Consta que era um homem pobre, incomum pela coragem e habilidade com armas, mas nada sabia, e não era chefe de nada. Quando preso no DOPS teve seu Habeas Corpus negado por um juiz que era amigo do dono do Jornal de Montes Claros, descobriu Leonardo Campos em suas pesquisas.
O hoje coronel reformado Lázaro Sena, garante que no seu tempo, “nunca houve tortura, e muito menos contra a esposa de Saluzinho”.

Afirma que “o livro é apenas mais uma versão dos fatos, e longe está de ser a verdade”. Leonardo Campos, no entanto, de acordo com os estudos que fez, para além da obra, afirma categoricamente que seu personagem foi vítima de abuso de poder e de autoridade, e que se cometeu crimes, foi em legítima defesa e pagou por eles. Acredita na conversa de Saluzinho, registrada por ele. Nem heroi, nem bandido ou mesmo ambas as coisas, dependendo do interesse de quem vê os acontecimentos. Leia e faça você mesmo a sua avaliação.

O título do texto é referente à piada que corria pela cidade de Montes Claros naquela época. Alguém chega à frente da gruta e faz a pergunta. A resposta é uma saraivada de balas. Não tem graça nenhuma, mas era a imagem de Saluzinho, criada pela imprensa, que atravessava a cidade de canto a canto.

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