Por Luis I. Prádanos.
Tradução: Elissandro Santana, para Desacato.info.
Não podemos permitir-nos nem social, nem economicamente e tampouco ecologicamente.
Não convém confundir quem é o inimigo: o que resulta socialmente corrosivo e perigoso é a desigualdade e a assimetria de poder, não suas vítimas. O dinheiro público e a riqueza gerada pelas pessoas trabalhadoras não estão subsidiando aos pobres, mas aos ricos.
O sistema legal, econômico, político e cultural dominante, que sofremos, possibilita a existência de comportamentos egoístas e predatórios. Admira-se a quem com mais eficácia e de maneira não recíproca vampiriza e monopoliza a riqueza gerada por ecossistemas ou pelo trabalho de comunidades humanas. Em um planeta finito e ecologicamente degradado, a acumulação da riqueza de poucos é sempre à custa da desapropriação da maioria.
Uma sociedade sustentável e saudável deveria, em troca, cercar-se de instrumentos que punam o abuso do bem comum e incentive aqueles comportamentos que melhorem a vida de toda a comunidade e recuperem o meio ambiente do qual depende todo ser vivo (humano e não humano). Até que não compreendamos que a prosperidade, a segurança e a felicidade somente são conseguidas mediante colaboração, confiança e reciprocidade, seguiremos atribuindo a causa da enfermidade a seus sintomas. Pensaremos, equivocadamente, que as vítimas de um sistema perverso – e não o sistema em si que funciona esmagando cada vez mais a muitas pessoas em benefício de poucos privilegiados – são nosso problema.
Não convém confundir o inimigo: o que resulta socialmente corrosivo e perigoso é a desigualdade e a assimetria de poder, não suas vítimas (as pessoas mais vulneráveis). Os que se apropriam do bem comum são os ricos e poderosos, não os pobres e imigrantes. Somente há que se lembrar do seguinte: que um punhado de pessoas que cabe em um bar pequeno de bairro monopoliza mais riqueza que 50% da população mundial ou que 1% dos humanos dispõe de tanta riqueza em detrimento dos 99% restantes. Com estas cifras em mente, ninguém pode argumentar que para a sociedade sai caro manter as pessoas em risco de exclusão social sem que soe a distorção mal intencionada da realidade.
O dinheiro público e a riqueza gerada pelas pessoas trabalhadoras não está subsidiando os pobres, mas as ricos. Os ricos são subsidiados devorando o público e o comum (o gerado pela sociedade e pelos ecossistemas) e reproduzem seu capital sem necessidade de trabalhar (interesses, rendas, heranças, especulação). O trabalho e a riqueza, em troca, são criados pela sociedade, não pelas grandes corporações ou pela dependência estrutural ao crescimento econômico (muito menos pela especulação financeira); ditos atores, de fato, geram dinâmicas que tornam precários ou destroem tanto o emprego de qualidade como o meio ambiente do qual depende todo ser vivo que habite nosso planeta (incluídos os seres humanos milionários).
As pessoas vulneráveis não tiram o trabalho de ninguém. Realmente, além da crescente automatização que substitui o trabalho humano, é a dinâmica do capitalismo neoliberal a que condiciona que não surjam os empregos de qualidade necessários para a reprodução e manutenção de uma vida humana próspera (em agroecologia, desenho sustentável e biometria, economia ecológica, construção de casas sustentáveis, energias renováveis, ecologia urbana e outros pontos etc).
Os ricos são subsidiados devorando o público e o comum.
Em vez de dar mais poder às corporações e aos donos do capital (a mentira de que desregulando e privatizando o público e facilitando a vida às grandes corporações se cria emprego) deveríamos, pelo contrário, taxar imensamente os bens imóveis e o capital a partir de um determinado limiar (pois se trata da riqueza que se reproduz rapidamente não somente sem necessidade de contribuir para o bem comum, mas acumulando e destruindo), não o trabalho (a contribuição, monetária ou não, ao bem comum e à sustentabilidade socioeconômica) para, deste modo, reduzir a desigualdade e subsidiar com os rendimentos uma diminuição geral das horas semanais de trabalho com salários mínimos maiores para acabar com o desemprego, o estresse e a exploração laboral e o meio ambiental.
Agora, a discussão sobre quais trabalhos são necessários para a reprodução social e quais são social e ecologicamente indesejáveis deveria ser decidido pela sociedade em conjunto, não pela dinâmica, facilitada pelo poder estatal, de crescimento econômico a todo custo ou pelas corporações transnacionais cujo objetivo não coincide, na maioria dos casos, com o bem comum.
Obviamente, se se gerassem debates abertos entre o conjunto dos habitantes de uma cidade para decidir que empregos deveriam ser fomentados e como desenhar o espaço urbano, pouca gente defenderia a necessidade de endividar massivamente a cidade e buscar investimentos estrangeiros multimilionários para a construção de estradas ou aeroportos desnecessários e obras faraônicas sem função que deixam infraestruturas monstruosas caríssimas impossíveis de se manter, dívidas eternas, corrupção urbana e degradação ambiental (estádios olímpicos, cassinos gigantes e arranha-céus). Estes projetos sempre são subsidiados com dinheiro público, uma dinâmica de acumulação que beneficia aos que já são ricos e geram um espaço urbano deplorável para os demais.
A maioria das pessoas prefere, sem dúvida, espaços públicos humanizados para a utilização comunitária e cotidiana, muito mais acessíveis e de fácil manutenção, e que melhorem a qualidade do ar e da água, reduzam o barulho e o estresse, favoreçam as relações sociais, e não deixem um rombo nos cofres públicos: parques, hortas urbanas, zonas verdes e vias para as pessoas, bibliotecas e centros sociais, etc. Espaços nos quais a comunidade possa se encontrar, sem necessidade de gastar e consumir, para brincar, namorar, conversar, fazer exercício ou aprender e ensinar tai chi, yoga, permacultura, carpintaria e conserto de eletrodomésticos, etc. Quantas crianças e idosos precisam ou utilizarão um estádio olímpico que custa milhões? De que maneira uma construção do tipo melhorará o dia a dia da cidade para as pessoas que se locomovem a pé? Um parque agradável é bem melhor para a vida cotidiana, para a saúde e para o bem-estar, custa muito pouco se se planeja bem, é positivo para o meio ambiente e aproxima a comunidade.
Não podemos permitir que os ricos alimentem excentricidades, megalomanias, carteiras financeiras em detrimento do bem-estar social e ecológico. Que não nos enganem, pois os que sofrem as consequências mais dolorosas deste sistema perverso não são a causa do problema, mas vítimas. Equivocar-nos ao identificar as causas de nosso mal-estar tem o efeito contraproducente de atacar os oprimidos e, em consequência, fortalecer o opressor. Centrar-nos nas causas do problema e não somente nos sintomas é o primeiro passo para tentar criar um sistema socialmente desejável, economicamente estável e ecologicamente viável.
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Fonte: El Salmón Contracorriente.