Risco, perigo, crise, copa e olimpíadas

Por Breno Pimentel Câmara*.

(Português/Español).

A segurança pública é desde o início dos anos 1990 a principal motivação dos conflitos urbanos na cidade do Rio de Janeiro. Impuseram-se desde então diversos níveis de planos para responder a diversos níveis de risco, acionando ainda com variada intensidade a retórica do perigo de uma espécie de crise epidêmica. ‘Epidemia’ do tráfico de drogas que seguiu durante o período se alastrando pelas favelas da cidade.

O combate à demonizada ‘epidemia’ social se serviu e serve de diversos tratamentos, muitos heterodoxos, que para além de sua utilização em termos de legitimação das ações governamentais, impactaram de maneira desigual parcelas distintas da população. Conformando-se em um mecanismo múltiplo de diferenciação social, econômica e política, no qual a segurança passa a configurar enquanto valorosa mercadoria, produzida por diferentes agentes, legais e ilegais, de acordo com o local a ser explorado. Mecanismo que instrumentaliza o Estado, através de forças repressivas diversas, e que no Rio vem fabricando crises, exaltando o perigo e naturalizando o risco para o avanço de seus modelos de controle dos espaços pobres. E adquire legitimação em velocidades olímpicas diante da urgência imposta pelos eventos esportivos que se avizinham.

Pretende-se aqui discutir a gestão das escalas do mecanismo de segurança que tem como substrato a desigualdade social e o estreitamento dos espaços de expressão política ao avanço de seu controle e utilização.

Os conflitos por segurança no Rio de Janeiro

Como na música de Gilberto Gil o Rio de Janeiro continua lindo, mas seu povo expressa coletiva e cotidianamente seus problemas e tensões. Através dos conflitos urbanos – confronto ou embate entre atores públicos coletivos que têm a cidade como espaço e objeto de suas manifestações – podemos acessar os conteúdos das lutas urbanas, sua espacialidade, sazonalidade e freqüência; os atores envolvidos, formas de manifestação e difusão das reivindicações que conformam um quadro conjuntural da cidade.

O Observatório dos Conflitos Urbanos (www.observaconflitos.ippur.ufrj.br) disponibiliza na rede mundial de computadores informação sistematizada e permite consultas livres, simples ou combinadas, sobre os conflitos urbanos na cidade do Rio de Janeiro de 1993 aos dias atuais. A construção deste sítio possibilitou a pesquisa e o registro de informações relacionadas com a conflituosidade urbana, oferecendo a possibilidade de projetar no mapa da cidade a diversidade conflituosa, mostrando como diferentes grupos e segmentos reivindicam e lutam por melhores condições de vida.

Atores, objetos e objetivos de conflitos, temporalidades, formas, geografias, retóricas e simbologias oferecem um quadro complexo e diferenciado da cidade. Como e onde se manifestam os conflitos? Que reivindicações, anseios e frustrações emergem? De que maneira a desigualdade sócio-espacial se expõe a partir de informações sistemáticas? Movimentos sociais organizados e manifestações de multidões, ações coletivas na justiça ou abaixo-assinados, inúmeras são as formas através das quais a cidade expõe sua desigualdade e, mais do que isso: elabora as formas de enfrentá-la.

O Rio de Janeiro aparece em seus conflitos como metrópole de destaque no que concerne à desigualdade e à violência. Os conflitos urbanos, em sua complexidade e diversidade, permitem uma leitura acerca das formas assumidas pela desigualdade e pela violência urbanas.

Agrupados sob o objeto ‘Segurança Pública’ os conflitos que expressam a luta por justiça e denunciam a violência apontam que se vive na cidade, há mais de dezoito anos, sob arriscado mecanismo produtor de insegurança. Ocorre na cidade do Rio de Janeiro uma divisão social do espaço ao menos no que diz respeito à administração da violência na cidade. De um lado temos os moradores das favelas, que são tomados como ilegais ou perigosos oficial ou extra-oficialmente. São os moradores das chamadas “habitações subnormais”, engajados em trabalho precário e condições de vida idem, submetidos a práticas territoriais que limitam seu direito de ir e vir, e dizima parcela expressiva da juventude pela morte violenta. De outro a chamada “cidade formal”, gradeada, quando pode blindada, desejosa de proteção, alarmada pela mídia e pela criminalidade concreta.

No período compreendido entre janeiro de 1993 e fevereiro de 2011 somaram-se 603 mortes denunciadas e motivadoras dos conflitos por segurança pública registrados pelo Observatório. Destas, 85,7 % (517 mortes) ocorreram nas favelas da cidade e 14,3% (86 mortes) ocorridas em todos os outros bairros em conjunto.

Das 603 mortes que causaram manifestações por segurança, a grande maioria é de jovens e adolescentes. Há um corte, se tomarmos a cidade como espaço das ações das polícias Militar (principalmente) e Civil (residualmente). Aqui a cidade é partida na cabeça de quem governa, de quem orienta o mecanismo ou as políticas de segurança pública.

Como a política de segurança pública é o alvo principal das manifestações coletivas constantes do Observatório (37%) e o Estado o principal agente reclamado (é reivindicado em 87% dos eventos do tipo segurança pública), temos que a política de segurança aplicada no Rio de Janeiro segue uma orientação de “Cidade Partida”, dividindo sua ação em duas frentes, uma claramente opressora, justificada pelo enfrentamento ao comércio de entorpecentes, outra protetora, da propriedade, pública e privada e da pública muitas vezes tornada privada.

As regiões mais pobres da cidade, sobretudo as favelas, concentram o maior número de conflitos por segurança, o maior número de assassinatos denunciados e se constituem no espaço privilegiado da ação repressora violenta da polícia. Ocorrem nas favelas mais de 60% destes conflitos em que a expressa maioria das reivindicações se dirige a um tratamento cidadão por parte da polícia em seus locais de moradia. Assassinatos de crianças e idosos; utilização de veículos blindados que surgem inesperadamente e entram atirando nas comunidades; utilização de armas e táticas de combate na direção das favelas e a proteção dos espaços de maior circulação e poder aquisitivo na cidade, essa a marca geral deixada pelos mais de 700 eventos conflituosos do objeto segurança no período recortado.1

Ações que pelo nível de envolvimento dos governos, da grande mídia, da “opinião pública”, pelo caráter modelar que adquiriram ao longo da primeira década do século XXI, pela perspectiva de disputar e ocupar os espaços concebidos como perigosos, se configuram enquanto políticas. E políticas que violam espaços pobres, que operam o alargamento das possibilidades de alteração, de avanço das ilegalidades em suas ações expandindo as fronteiras do que foi pactuado em leis e que reiteram a idéia de favela como algo passível de experimentações de ilegalidades.

Políticas que forçam através de suas práticas, em nome da ordem, uma permanente discussão, ainda que velada e à custa de vidas, sobre o que é permitido, o que fica legitimado fazer em tais espaços para diminuir o risco social e o perigo representado pela operação da delinqüência útil, o varejo do tráfico de drogas.

(…) o meio delinqüente era cúmplice de um puritanismo interessado: um agente fiscal ilícito sobre práticas ilegais. Os tráficos de armas, os de álcool nos países da lei seca, ou mais recentemente os de drogamostrariam da mesma maneira esse funcionamento da “delinqüência-útil”: a existência de uma proibição legal cria em torno dela um campo de práticas ilegais, sobre o qual se chega a exercer controle e a tirar um lucro ilícito por meio de elementos ilegais, mas tornados manejáveis por sua organização em delinqüência. Esta é um instrumento para gerir e explorar as ilegalidades.” (FOUCAULT, 1987, p. 232)

Políticas que assumem um caráter de combate que se dirige ao território das favelas e seus moradores e aos úteis delinqüentes. A utilidade da operação do tráfico de drogas nas favelas da cidade se caracteriza pela opressão aos moradores em seu cotidiano tornando seu local de moradia vulnerável a tiroteios, a ações inesperadas e violentas por parte da polícia ou de grupos de traficantes de facções rivais e mais recentemente ameaçados ainda pela instalação de milícias; cotidiano que praticamente impede a expressão política coletiva dos moradores; útil ainda a ação de controle territorial do varejo do tráfico de drogas à geração de receitas aos gestores do atacado do comércio de entorpecentes que não residem nas favelas, mas lucram muito com sua violação; receitas que servem ainda ao “arrego”, espécie de mesada paga pelos traficantes à polícia para que não crie maiores problemas ao comércio das drogas. Útil ainda e especialmente porque a ação do tráfico de drogas é a justificativa central de todas as políticas aplicadas em nome da segurança pública na cidade; elemento legitimador da suspensão de direitos interessada e aplicada a cada caso de intervenção nas favelas em que se aciona a retórica da guerra, do combate intenso à determinada localidade em razão da ‘necessidade’ de extermínio da ilegalidade maior representada pelo tráfico. E como em guerras há a suspensão das leis justificada pela ameaça às próprias leis por um inimigo externo, a utilização da retórica da guerra no caso do Rio de Janeiro funciona como legitimação de utilização de táticas excepcionais e, portanto fora do direito, liberando ilegalidades no combate ao inimigo interno, o tráfico de drogas.

Ocorre que tal processo livra a polícia de maiores esclarecimentos sociais sobre sua conduta e de investigações sobre suas conseqüências. Há inúmeras manifestações registradas no Observatório dos Conflitos que retratam a luta das mães e parentes de meninos mortos em operações policiais que seguem ritual de denúncia, manifestações públicas, instauração de processos, longas esperas e punições brandas, isso quando o crime tem natureza bárbara e por isso instaura um acompanhamento de setores da mídia, dos movimentos sociais e de partidos políticos de minoritária representação.

A polícia militar do Rio de Janeiro age com excessiva liberdade e os registros do Observatório mostram que em muitas ocasiões age em desacordo com as orientações gerais que partem do governo estadual, denotando preocupante independência dos mecanismos de controle social sobre sua gestão. Em sua história recente há inclusive períodos em que a secretaria de segurança pública premiava em dinheiro os policiais por bravura, quando matavam traficantes em suas incursões pelas favelas da cidade. A premiação, apelidada pela população de “premiação faroeste”, vigorou por mais de três anos durante a década de 1990 premiando o assassinato inconstitucional e sem o devido processo legal na apuração das ilegalidades cometidas.

Tal mecanismo de segurança se articula em resposta à realidade social desigual que é expressa pelos moradores também em outros tipos de conflitos. Moradia, transporte, saúde, educação, acesso e uso do espaço público, meio ambiente, legislação urbana, nossos Objetos de conflito revelam todos, o caráter desigual das condições de vida a que são submetidos os moradores da cidade. Mesmo um desatento leitor das fichas de conflitos em nosso sítio na internet perceberá logo as diferenças sociais entre grupos e seus anseios expressos nos conflitos.

Quando o assunto é ‘transporte, trânsito e circulação’, os estudantes, principalmente os matriculados em escolas públicas, em luta pelo transporte gratuito promoveram diversas manifestações no período recortado. Trabalhadores apareceram reivindicando melhorias, regularidade e tarifas menores no transporte público. Os trabalhadores desempregados buscando alternativa no transporte coletivo privado de pequeno porte através das vans.

Trabalhadores desempregados também os atores principais dos conflitos agrupados sob o objeto ‘Acesso e Uso do Espaço Público’. Em coletivo promovem protestos pela possibilidade do trabalho informal como vendedores ambulantes. Trabalhadores chamados de “camelôs” que por terem seus produtos confiscados pela guarda municipal entram em confronto e promovem a maior parte dos conflitos de Acesso e uso do espaço público e que por promoverem seu comércio nas áreas centrais e de maior circulação na cidade obtêm grande oposição das classes médias e altas.

Classes essas que se manifestam muitas vezes em conjunto com ONG´s pela paz na cidade2, pela despoluição de lagoas e praias ou quando o objeto de disputa é a Moradia contra empresas que não cumprem prazos na construção de edifícios, que por vezes caem.3 Moradia que é ainda reivindicada por comunidades inteiras ameaçadas de remoção por projetos dos governos que pretendem remodelar o espaço para atender exigências de mercado. Movimentos de sem-teto em ocupações a prédios públicos vazios também são casos comuns de conflitos de moradia do Rio.

Saúde e educação, temas recorrentes de conflitos que denunciam o esvaziamento de investimentos nos serviços públicos e a conseqüente precariedade na prestação destes serviços e que empurram a população na direção dos serviços privados de saúde e educação.

O espaço social reificado (isto é, fisicamente realizado ou objetivado) se apresenta, assim, como a distribuição no espaço físico de diferentes espécies de bens ou de serviços e também de agentes individuais e de grupos fisicamente localizados (enquanto corpos ligados a um lugar permanente) e dotados de oportunidades e apropriação desses bens e desses serviços mais ou menos importantes (em função de seu capital e também da distância física desses bens, que depende também de seu capital). É na relação entre a distribuição dos agentes e a distribuição dos bens no espaço que se define o valor das diferentes regiões do espaço social reificado.” (BOURDIEU, 1997, p. 161)4

O autor afirma que há uma sobreposição dos espaços sociais objetivados, resultando na concentração dos bens mais raros, se opondo, em todos os aspectos, aos lugares que agrupam os mais pobres. Diz ainda que a capacidade de dominar o espaço, através da apropriação, material ou simbólica, de bens raros, públicos ou privados, distribuídos, depende do capital que se possui. Capital que permite manter à distância pessoas e coisas indesejáveis ao mesmo tempo em que permite aproximar-se das desejáveis.

Os mais pobres lutam inclusive pelo direito de expressar suas reivindicações contra um Estado que além de marginalizá-los, ainda os reprime. Um estado que trabalha na direção de impossibilitar o conflito, de silenciar a crítica, de garantir a livre circulação de uns reprimindo violentamente os locais de moradia de outros.

Por outro lado, nas regiões mais ricas da cidade o poder público tende a atender rapidamente as reivindicações, todas com ampla repercussão nas mídias, permitindo sua livre organização e concentrando os investimentos em áreas suficientemente assistidas. Os conflitos do “asfalto”, ou seja de todos os outros bairros da cidade em conjunto, mostram em maioria, manifestações públicas contra a violência urbana de modo geral, e pela paz na cidade. Geralmente ocorrem logo após algum crime de repercussão ou chacinas. Articulam em seus protestos ONG’s, meios de comunicação de massa, parlamentares e outras autoridades e contam com ampla divulgação e organização manifestando-se nas áreas de maior visibilidade da cidade.

Organizar-se livremente em Associações de Moradores na atual conjuntura da cidade se constitui em privilégio para poucos, restando à maior parte da população a reunião revoltada e espontânea diante de ação imposta pela força e freqüentemente causadora de mortes. Ao longo dos dezoito anos de recorte temporal que o Observatório trabalha fica clara a tendência à burocratização e elitização das associações de moradores que vêm nesse período se distanciando do apoio às lutas populares e se aproximando do que se pode chamar de política institucional. Assim nos bairros em que a livre associação de moradores ainda é uma realidade, havendo diversas associações patrulhadas, vigiadas e controladas por forças que as controlam nas favelas da cidade.

As diferenças sociais marcadas nos conflitos urbanos têm na ação da polícia a principal diferença entre espaços, exatamente porque executa ações repressivas de intensa letalidade nas favelas combinadas com ocupações de outras que têm apontado para uma crescente tendência de controle permanente através da força nos espaços de moradia popular da cidade.

As políticas neoliberais, que no mundo desenvolvido e dominante causam aumento do número de prisões em larga escala, se configurando em processo de criminalização e punição dos pobres, no Rio de Janeiro, processo semelhante adquire conseqüências radicalizadas causando milhares de mortes violentas, principalmente de jovens e negros, e opressão permanente dos locais de moradia dos mais pobres. Mas os trabalhadores insistem em denunciar esta realidade de forma criativa, combativa e coletiva.

Forças complementares?

A relativa independência da polícia verificada na análise dos conflitos urbanos e sua legitimação baseada na retórica da guerra ao tráfico inauguraram nos anos 2000 uma novidade em termos operacionais. Novidade que vem pautando a segurança pública na cidade desde sua instauração: a invasão e posterior ocupação permanente e armada por um pequeno exército de policiais nos territórios de moradia popular, as favelas.

No dia 28 de dezembro de 2000 houve a inauguração da sede do Bope (Batalhão de Operações Espacias da Polícia Militar do Rio de Janeiro) na favela Tavares Bastos, no Catete, zona sul da cidade. A ocupação significava algo como a instalação de um laboratório experimental de afirmação desta nova tática, a da ocupação permanente das favelas. A partir da instalação de um edifício-batalhão do Bope no interior da favela com a conseqüente eliminação do tráfico que ali operava através de tiroteios, mortes, prisões e fugas, houve um processo de institucionalização de uma ocupação policial que perdura e que apresenta caráter exemplar de conduta para o comando da polícia.

Desde então, moradores, ainda que informalmente, narraram que a ocupação realizada pela tropa de elite da polícia militar acarretou uma tomada de poder por parte da polícia em relação aos traficantes, que foram sendo mortos e expulsos e que teria se consolidado uma ocupação policial permanente da favela. Narram ainda que o processo de eliminação do comércio ilegal de drogas, além da repressão violenta aos que abertamente o realizavam, incluía entrevistas com os moradores no sentido de se “averiguar as relações dos moradores com o esquema do tráfico local”. Nestas, os policiais utilizavam um grande fichário em que havia informações sobre os moradores e suas relações de trabalho, familiares e até pessoais, quando referidas a possíveis relações do morador com membros do tráfico local. Ao final da entrevista realizada pelos policias fardados do BOPE, se pactuava a nova “administração” da favela em termos de: “ou se está conosco ou contra nós”.

Em relação ao caráter exemplar que a instalação do batalhão do Bope na Tavares Bastos exerce, é interessante notar que dezenas de policiais vêm realizando desde 2001 treinamentos de combate urbano nas vielas da favela com a participação de policiais de todo o estado do Rio de Janeiro e de outros estados do Brasil. Há matérias de jornais de outros estados como o Maranhão, o Acre e o Paraná que dão conta de seminários e treinamentos interestaduais de oficiais de polícia na favela da Tavares Bastos5. A ocupação chegou ainda a despertar o interesse das produções de novelas e filmes a fazer filmagens no local, em razão da segurança garantida pelo Bope. A Força de Segurança Nacional também já obteve treinamento específico na Tavares Bastos6.

Laboratório de operações e treinamentos de efetivos com vistas ao combate aos traficantes de favelas, mas principalmente laboratório de experimentação da nova modalidade de ação: a ocupação permanente por forças policiais das territorialidades faveladas. A presença constante e a circulação de duzentos homens fortemente armados numa favela de população de cerca de dois mil habitantes à época apontava para a necessidade de um efetivo decuplicado (eram cerca de 30000 homens em 2000) dos membros da polícia para que tal política pudesse se estender a toda a cidade ou ao menos às favelas que representassem risco maior à circulação na cidade.

A localização da favela da Tavares Bastos, contígua ao palácio do Governo do Estado, emprestava mais argumentos legitimadores à ocupação o que ajudava a abafar a caracterização da nova realidade enquanto um continuum carcerário como formulava Foucault, para localidades em que se opera a punição radical social com elementos semelhantes aos utilizados pelo autor para definir a prisão no capitalismo:

Ela se constitui fora do aparelho judiciário, quando se elaboraram, por todo o corpo social, os processos para repartir os indivíduos, fixá-los e distribuí-los espacialmente, classificá-los, tirar deles o máximo de tempo, e o máximo de forças, treinar seus corpos, codificar seu comportamento contínuo, mantê-los numa visibilidade sem lacuna, formar em torno deles um aparelho completo de observação, registro e notações, constituir sobre eles um saber que se acumula e se centraliza.” (FOUCAULT, 1987, pág.:195)

Vigiam e punem favelas e seus moradores alterando limites constitucionais e que se pretendem de ocupação espacial e policial permanentes. Se política, logo pública e de impacto em todo o corpo social. Dirigida aos pobres, violando seus espaços, direitos e rotinas e por isso tornando as favelas locais da radicalidade punitiva; mas impactando e penetrando em todo o corpo social através de uma racionalidade penitenciária que elabora argumentos qualificadores das favelas enquanto locais de ilegalidades (ilegal inclusive e de início a própria ocupação), ocupadas pelas classes perigosas, de moral questionada e a que se atribui a desordem, a sujeira e a falta de educação. Valores que auxiliam na legitimação da nova forma de prática punitiva que ao longo da década se ampliou e refinou e multiplicou a gestão das ilegalidades na cidade:

“distingui-las, a distribui-las, a utilizá-las; (…) a penalidade seria então uma maneira de gerir as ilegalidades, de riscar limites de tolerância, de dar terreno a alguns, de fazer pressão sobre outros, de excluir uma parte, de tornar útil outra, de neutralizar estes, de tirar proveito daqueles. (…) E se podemos falar de uma justiça não é só porque a própria lei ou a maneira de aplicá-las servem aos interesses de uma classe, é porque toda a gestão diferencial das ilegalidades por intermédio da penalidade faz parte desses mecanismos de dominação. Os castigos legais devem ser recolocados numa estratégia global das ilegalidades. O “fracasso” da prisão pode sem dúvida ser compreendido a partir daí.” (FOUCAULT, 1987, p. 227)

Vainer (2000) discutiu a presença do ideário do planejamento estratégico na condução política da cidade desde o início dos anos 1990 em que o Rio passa a ser pensado enquanto mercadoria, a ser vendido como espaço de investimentos rentáveis, gerido como se empresa fosse através da racionalidade do lucro e vivido enquanto pátria; em que a ordem-unida passava a ser a preparação do ambiente para a recepção de negócios, turistas, eventos e se tudo desse certo Mega-eventos como os jogos Pan-Americanos de 2007.

A formação de um espaço de identidade em que o sentimento predominante passa a ser o patriotismo, a cidade como representante do país, cria um consenso em torno do objetivo, que silencia a crítica, suspende práticas e trâmites e facilita a aprovação de políticas excepcionais para a necessidade de se organizar o espaço em tempo exíguo.

O investimento político na segurança pública numa cidade como o Rio de Janeiro para poder concorrer no mercado de cidades dispensa justificativas. E direitos. E o debate político. Uma solução era necessária e para se atingir esse objetivo a ocupação do Bope na Tavares Bastos ensinava.

Os anos 2000 foram marcados pela ampliação de diferentes formas de dominação permanente de localidades consideradas arriscadas, perigosas e portadoras de potencialidade de promoção de crises, numa cidade que teve além da realização dos jogos de 2007 o fato de ser escolhida para sediar a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Tal escalada de acontecimentos motivou a criação de diferentes políticas que resultaram no avanço das milícias, no Projeto de Aceleração de Crescimento do governo federal, o PAC, que quando impacta as favelas, o faz com claros contornos de projeto de segurança, e as Unidades de Polícia Pacificadora, que se instalam nas favelas localizadas nas áreas mais nobres da cidade com efetivos de policiais militares que promovem o controle permanente.

Em 2004 houve declarações de políticos importantes da cidade na direção de incentivar a formação de “milícias comunitárias” nas favelas da cidade para se proteger do tráfico, como ocorria, diziam, nas cidades colombianas de Medellín e Bogotá. A invasão violenta e posterior ocupação permanente de favelas por pequeno exército começava a funcionar sob novo formato e direção. Era o nascimento do fenômeno das milícias que começava a se estabelecer e que poucos meses antes do início dos jogos Pan-americanos já ocupava mais de cem das cerca de mil favelas da cidade. Fenômeno complementar à política de extermínio realizada paulatinamente através das incursões policiais nas favelas da cidade que causou a morte de uma média de mais de mil civis a cada ano a partir de 20047.

As primeiras notícias sobre as milícias davam conta de que eram grupos de ex-policiais e bombeiros que, à semelhança da antiga “polícia mineira”, iniciaram ocupações recheadas de assassinatos de traficantes e expulsões de seus familiares para se constituírem enquanto grupos armados para-estatais com a funcionalidade dos grupos mafiosos: cobrando pela segurança que estaria ameaçada pela presença deles próprios, vendendo proteção. E cobrando taxas sobre serviços como o de internet, TV a cabo e distribuição de gás, além de sobretaxas aos comerciantes das localidades dominadas. Ignácio Cano estabeleceu eixos comuns nas denúncias sobre a atuação das milícias na cidade:

Passamos a propor a definição de milícia como o somatório dos seguintes eixos, que devem acontecer simultaneamente:

1. O controle de um território e da população que nele habita por parte de um grupo armado irregular; 2. O caráter em alguma medida coativo desse controle dos moradores do território; 3. O ânimo de lucro individual como motivação principal dos integrantes desses grupos; 4. Um discurso de legitimação referido à proteção dos habitantes e à instauração de uma ordem que, como toda ordem, garante certos direitos e exclui outros, mas permite gerar regras e expectativas de normatização da conduta; 5. A participação ativa e reconhecida de agentes do estado como integrantes dos grupos”. (CANO, 2008)

As milícias hoje ocupariam mais de quatrocentas favelas concentradas principalmente nas zonas oeste e norte da cidade. E mesmo tendo sido alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, proposta e presidida pelo único parlamentar do Partido Socialismo e Liberdade à época dentre os setenta deputados da casa legislativa, a CPI das Milícias comprovou a participação de 874 pessoas, civis, militares e autoridades envolvidas diretamente no rentável negócio, inclusive de vereadores, deputados estaduias e federais, delegados de polícia, chefe de polícia civil e de policiais militares e de bombeiros. Houve prisões e renúncias, cassações de mandatos e ameaças freqüentes e intensas ao deputado, mas raríssimas as notícias de repressão policial às favelas controladas pelas milícias.

São utilíssimas na direção da política de ordenamento da cidade, na diminuição da sensação de risco e perigo que o tráfico efetivamente representa. Gerenciam sua atividade através de controle territorial e obtenção de lucros ilícitos, mas sustentáveis, para sua manutenção e ampliação escalar. O estado não gasta tostão nem funcionários na empreitada e se não as promove se beneficia de sua operação em termos de controle social das favelas.

Controle complementado com o PAC e as UPP´s na direção da ocupação permanente de outras poucas, mas importantes favelas em termos de localização. Tanto o PAC, programa do governo federal em parceria com o estadual e o municipal, que no Rio de Janeiro tem significado urbanização de favelas com claros contornos de projeto de segurança pública, em que ‘arruma-se’ a área para depois ocupá-la; quanto as UPP`s, ocupações permanentes de não mais que vinte favelas feitas por novos batalhões da polícia militar. As favelas impactadas por tais políticas são escolhidas em função de sua localização nas zonas mais nobres da cidade e nas áreas próximas ao aeroporto internacional, com óbvias intenções de “pacificar” as áreas de maior e mais importante circulação para eventos como a Copa e as Olimpíadas.

Em outubro de 2007 o Rio de Janeiro foi escolhido como sede da Copa do Mundo de 2014 para logo em seguida, em março de 2008, dar início em Manguinhos com a presença e discurso do ex-presidente Lula e de sua ex-chefe da Casa Civil Dilma, prefeito e governador (todos da mesma coalizão política) às obras do PAC (Projeto de Aceleração do Crescimento). Com promessas de construção de milhares de moradias, obras de saneamento, urbanização, hospitais, escolas e áreas de lazer que pouco depois se traduziram em mais da metade do gasto destinado à elevação de uma linha férrea que corta a comunidade e que servia de proteção ao tráfico, duas mil moradias construídas para uma necessidade de abrigar ao menos as quase cinco mil famílias que foram e que ainda serão removidas de suas casas em função das obras. Uma grande escola e um posto de saúde, ambos insuficientes para o tamanho da população local de cerca de 30 mil moradores. Mas a miséria anterior em que vivia parte considerável dos moradores de Manguinhos fez com que o projeto, mesmo limitado, alcançasse respaldo dos moradores. O governador foi reeleito em primeiro turno nas eleições de 2010 e a Presidenta foi eleita em segundo, mas ambos obtiveram votações extraordinárias em Manguinhos, com a maioria absoluta dos votos da região.

Além de Manguinhos o PAC realiza obras em favelas de enorme densidade populacional e de alta complexidade em termos da história recente das organizações do tráfico, são as favelas do Alemão, Rocinha, Borel e Pavão-Pavãozinho. Nas favelas mais densas e complexas da rota pró-Copa e Olimpíadas, o governo federal apóia o município e o estado com exército e financiamento, nas que o governo estadual pode construir com seu próprio efetivo de policiais e com seus próprios recursos, UPP.

As Unidades de Polícia Pacificadora que ocupam hoje dezoito favelas seguindo aquela mesma lógica de distribuição interessada em relação aos jogos, teve início em dezembro de 2008, na favela Santa Marta, zona sul da cidade, em que prefeito, governador e secretário de segurança compareceram afirmando ser aquela uma política para a qual seria dedicada atenção estratégica e prometiam a reprodução daquele tipo de ocupação e controle para mais cem favelas até a Copa de 2014. E já não são raras as denúncias de violações e inclusive de assassinatos de jovens e uma criança de seis anos, cometidos por policiais contra moradores de comunidades “pacificadas” pelas UPP´s, sob a gestão da polícia militar.

A gestão das excepcionalidades

A policialização aciona a retórica da proteção dos espaços públicos a partir da garantia de circulação de pessoas e mercadorias nos espaços que se deve proteger. Com repressão e exploração dos locais que se quer ordenar, organizar, educar. Mas a realização de tais projetos esbarra sempre em realidades distintas, com pesos diversos em termos de densidade populacional, características econômicas, realidades políticas, organização e força da delinqüência útil, carências e necessidades de cada local, de cada favela. E apesar das formas de ação disponíveis, para cada avanço de tais políticas a retórica da necessidade elabora suspensões específicas de direitos, pratica excepcionalidades pontuais e alarga assim as possibilidades de gestão de ilegalidades dentro de um processo político classificado como democrático.

(…)Mas vai haver momentos em que a razão de Estado já não pode se servir dessas leis e em que ela é obrigada, por algum acontecimento premente e urgente, por causa de certa necessidade, a se livrar dessas leis. Em nome de quê? Da salvação do próprio Estado. Essa necessidade do Estado em relação a si mesmo é que vai, em certo momento, levar a razão de Estado a varrer as leis civis, morais, naturais e produzir algo que, de certo modo, não será mais que pôr o Estado em relação direta consigo mesmo sob o signo da necessidade e da salvação. O Estado vai agir de si sobre si, rápida, imediatamente, sem regra, na urgência e na necessidade, dramaticamente, e é isso o golpe de Estado. O golpe de Estado não é, portanto, confisco do Estado por uns em detrimento dos outros. O Golpe de Estado é a automanifestação do próprio Estado. É a afirmação da razão de Estado, que afirma que o Estado deve ser salvo de qualquer maneira, quaisquer que sejam as formas empregadas para salvá-lo.” (Foucault, 2008, pág. 350)

Vive-se na cidade do Rio sob perigoso mecanismo pelo qual se obtêm poderes excepcionais para a gestão aculpunturística, ou pontual de crises locais em que para cada necessidade única se formula uma forma também única de ação para a consolidação do controle total de determinado território. Controle que se caracteriza pela invasão e subseqüente ocupação permanente do território através de pequenos exércitos, que legitimados em primeira instância pelo aniquilamento das forças do tráfico de drogas e o conseqüente fim dos tiroteios (freqüentes nas favelas da cidade), permanecem sine die, armas em punho, a controlar o comércio de novas mercadorias e serviços.

Giorgio Agambem em seu “Estado de Exceção” discute como a contradição que consiste na suspensão de direitos pelo Estado em momento de algum “tumultos” em que a ordem e as leis estejam ameaçadas criando práticas excepcionais que ao fim garantam a restituição da normalidade legal que aquele evento fizera suspender. Contradição expressa na suspensão das leis e dos direitos para sua própria preservação.

“Mas a aporia máxima, contra a qual fracassa, em última instância, toda a teoria do estado de necessidade, diz respeito à própria natureza da necessidade, que os autores continuam, mais ou menos inconscientemente, a pensar como uma situação objetiva. (…) a necessidade, longe de apresentar-se como um dado objetivo, implica claramente um juízo subjetivo e que necessárias e excepcionais são, é evidente, apenas aquelas circunstâncias que são declaradas como tais.” (AGAMBEM, 2004)

Não são recentes as práticas de gestão excepcional de determinadas territorialidades, nem isolados os casos em que se elege um sem número de necessidades específicas para se legitimar tal gestão na direção de se garantir liberdade de ação extra-legal aos operadores de intervenções locais específicas. Podem significar incursões violentas da polícia à favelas, ocupações permanentes de espaços pobres por efetivos significativos das forças de repressão ou a instalação de milícias que dominam pela força comunidades inteiras de populações carentes cobrando por serviços diversos organizados em forma de monopólio, dentre os quais a segurança, mercadoria a cada dia mais valorizada nos grandes centros urbanos.

Medo e desordem elementos fundamentais para a gestão muitas vezes extralegal de variadas políticas. Elementos que garantem liberdade de ação à gestão interessada do Estado em restringir os espaços públicos, a esfera pública para garantir o avanço dos espaços privados. Espaços simbólicos ou concretos, que ao avanço do medo, da iminência de uma crise ou guerra ou catástrofe assistem retraídos o avanço frio do movimento de usurpação de anteriores conquistas. É a partir dessa ótica que Naomi Klein em seu livro “A Doutrina do Choque – A Ascensão do Capitalismo de Desastre” descreve acontecimentos como o desastre de Nova Orleans ou do 11 de setembro em Nova Iorque, em que após um desastre, natural ou político, há o aproveitamento da crise para o avanço do ambiente privado em detrimento do público.

A autora fala de superlucros em ambientes de megadesastres como síntese do pensamento de Milton Friedmam, importante teórico do capitalismo moderno que teve a singela idéia de o governo americano criar bônus educacionais para que fossem distribuídos entre as crianças que tiveram 119 de suas 123 escolas públicas absolutamente destruídas pelo ‘Katrina’; para que pudessem freqüentar as novas escolas licenciadas privadas através do carnê de bônus escolares distribuídos. As escolas privadas na cidade eram sete e dezenove meses depois da tragédia já eram trinta e uma. O sindicato dos professores de escolas públicas de Nova Orleans, considerado forte e organizado pela autora, reunia 4.700 professores antes do Katrina, dezenove meses depois, todos demitidos do sistema público, alguns poucos foram reempregados no sistema privado com salários muito mais baixos que os anteriores.

Esse “capitalismo do desastre” nas palavras de Klein fora empregado em Nova Orleans por sugestão expressa de Friedmam:

Aos 93 anos e com a saúde debilitada, ‘Tio Miltie’, como era conhecido por seus seguidores, ainda assim encontrou forças para escrever um editorial no Wall Street Journal três meses depois que os diques estouraram. “A maior parte das escolas de Nova Orleans está em ruínas.” Friedmam observou, “assim como os lares das crianças que estudavam ali. As crianças agora estão espalhadas pelo país, isso é uma tragédia. É também uma oportunidade para reformar radicalmente o sistema educacional”.” (Klein, 2008, pág.14)

A autora conta ainda que a velocidade em que se leiloou o sistema educacional da cidade contrastava com a morosidade do Estado em consertar os diques e reparar a rede elétrica. Com a guerra contra o Iraque casos semelhantes como o do ex-agente da CIA que no Iraque fundou uma empresa de segurança privada em meio à ocupação americana e fechou contratos da ordem da centena de milhões de dólares com o governo “iraquiano” e que teria declarado: “Para nós o medo e a desordem oferecem uma promessa real.” Donde a autora conclui que “o medo e a desordem seriam os catalisadores de cada novo salto para a frente” ao avanço do capital.(Klein, 2008, pág. 18)

Friedmam morreu menos de um ano depois do referido editorial aos 94 anos em 2006. Mas este aproveitamento de situações de crise para o avanço do ambiente privado se espalhou e abaixo da linha do Equador ganhou contornos ainda mais radicalizados como no caso de cidades como Rio ou Medellín.

Nestes casos a retórica da guerra contra o inimigo interno e as conseqüentes crises, criadas ou reais, vêm ao longo dos últimos anos mantendo um clima geral de medo e desordem que tem possibilitado o avanço de uma economia política repressora e privatista de espaços públicos.

O quadro atual do mecanismo de segurança que age na cidade do Rio de Janeiro e suas engrenagens permitem o forçar das fronteiras de legitimação das possibilidades de opressão estatal e para-estatal, mesmo que ilegais, a determinados setores sociais da cidade. Criam-se e forjam-se crises para e legitimação de excepcionalidades. E ainda se esboça a questão de se e em que medida este esgarçar de fronteiras da legalidade se relaciona com uma nova forma de economia política do mecanismo de segurança operante na cidade.

As valorizações imobiliárias do entorno das áreas “pacificadas” na zona sul chegaram à ordem dos 400% de aumento desde fins de 2008 aos dias atuais. Houve ainda enorme aumento nas arrecadações de empresas públicas prestadoras de serviços como a Light que vende energia elétrica e passou a cobrar pelo serviço em localidades onde antes as ligações elétricas eram clandestinas. Agências bancárias que se abrem nas favelas, comércios que antes não entravam, valorização dos imóveis dos próprios moradores das favelas, sem falar dos lucros obtidos pelas operações das milícias.

Por outro lado é de se destacar que entre o orçamento e a execução das obras para o Pan-Americano de 2007 houve um aumento de dez vezes dos valores planejados aos efetivamente gastos no evento. Experiências como a canadense, que dão conta de um gasto exorbitante para a realização das Olimpíadas de Montreal em 1976 em que o país levou trinta anos para quitar as dívidas também deveriam ser consideradas, mas são apagadas pela euforia dos jogos.

Esse aspecto legitimador de tais políticas, o econômico, pode estar no centro da aceitação social de tais medidas, posto que a valorização imobiliária dentro e fora das favelas e os últimos resultados eleitorais apontam para a legitimação de tais ações autoritárias e violadoras de direitos. Mas aqui, ao capitalismo de desastre desenvolvido pela autora e verificado nos tiroteios e assassinatos freqüentes nas favelas da cidade do Rio, que são aproveitados pela lógica repressora e exploradora das políticas de segurança, se une uma espécie de capitalismo da festa, ou do Mega-evento em que da mesma maneira há gestão diferenciada e excepcional para o aproveitamento e avanço do capital. E uma lógica não exclui a outra, ou seja, há um acúmulo numa espécie de edifício de práticas que se sobrepõem e são utilizadas de acordo com a especificidade da necessidade.

O Rio conta hoje com uma polícia que mata em média mais de três pessoas8 por dia na cidade desde o advento da eleição do atual governo, agora (2010) reeleito em primeiro turno com mais de sessenta por cento dos votos. O perfil dos assassinatos cumpre o exaustivo e naturalizado roteiro: os já famosos “autos de resistência” de negros, jovens e moradores de favelas em expressa maioria.

Mais de quatrocentas das cerca de mil favelas ocupadas pelas milícias, a recente modalidade de extorsão, opressão e violação regular dos moradores de favelas e que vem se tornando hegemônica na disputa entre as formas de delinqüência útil que atuam no Rio.

Outras mais de quatrocentas subordinadas ao poderio do decadente, mas também opressor e violador tráfico de drogas.

As políticas de ocupação permanente de favelas forçam através de suas práticas, em nome da ordem, uma permanente discussão, ainda que velada e à custa de vidas, sobre o que é permitido, o que fica legitimado fazer em tais espaços para diminuir o risco social e o perigo representado pela operação da delinqüência útil, o varejo do tráfico de drogas. Organizam apropriações de espaços físicos, simbólicos, discursivos e políticos.

As possibilidades de expressão política dos moradores das favelas ocupadas são limitadas ao ponto de se questionar se não está em construção o silêncio político forçado das populações que mais têm a reclamar. Conseqüência importante das políticas de violação e controle armado dos espaços pobres o não-conflito. O dificultar, senão o impedir da expressão coletiva das reivindicações políticas dos mais explorados.

Estas ações que em um primeiro olhar se configuram enquanto uma ofensiva articulada de substituição do controle pela força exercido pelo tráfico de drogas por um outro controle, também violento, estatal ou para-estatal, desarticulam a consolidação de conquistas políticas realizadas neste curto período histórico que vem desde o fim da ditadura militar brasileira em 1989, ano da primeira eleição direta para Presidente da República, até os dias atuais.

Conquistas expressas em direitos na Constituição de 1988, suspensos pontualmente em momentos em que a necessidade de se responder aos ditames da FIFA ou do COI supera em urgência e capacidade de formação de consenso as próprias crises, criadas ou não, em que excepcionais táticas são elaboradas e praticadas em nome do combate ao arriscado comércio de drogas e o perigo social que ele representa.

Esta hierarquia aqui pretendida em termos de capacidade de suspensão de direitos e de práticas excepcionais organiza de forma crescente as categorias risco, perigo, crise, Copa e Olimpíadas enquanto promotoras do avanço do Capital e legitimadoras de excepcionalidades na gestão neoliberal da cidade.

Corre-se aqui o risco de se estar criando perigosa crise política marcada para o período subseqüente aos Mega-eventos.

BIBLIOGRAFIA

AGAMBEM, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo, Boitempo, 2004.

CANO, Ignácio. Seis por meia dúzia?. In “Segurança, Tráfico e Milícias no rio de Janeiro” produzido pela ONG Justiça Global, Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2008.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro, Graal, 1979.

______ Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes, 1987.

FOUCAULT, Michel. Segurança, Território, População. São Paulo, Martins Fontes, 2008.

KLEIN, Naomi. A Doutrina do Choque – A Ascensão do Capitalismo de Desastre. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2008.

VAINER, Carlos B. Pátria, Empresa e Mercadoria: Notas sobre a estratégia

discursiva do Planejamento Estratégico Urbano. In ARANTES, Otília; VAINER,

Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único: Desmanchando

consensos. Rio de Janeiro, Ed. Vozes, Petrópolis, 2000.

1 Para maiores detalhes ver “Insegurança Pública e Conflitos Urbanos na cidade do Rio de Janeiro”, Câmara, Breno.

In: http://www.ippur.ufrj.br/download/pub/BrenoPimentelCamara.pdf

2 Como em: http://www.observaconflitos.ippur.ufrj.br/novo/detalhes_conflito.asp?idc… rio

3 Ver http://www.observaconflitos.ippur.ufrj.br/novo/detalhes_conflito.asp?idconflito=1136&obs=

4 BOURDIEU, Pierre – A Miséria do Mundo. Sob direção de Pierre Bourdieu; com contribuições de A. Accardo… | et. al. | – Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 1997.

5 (http://www2.uol.com.br/pagina20/10052005/poronga.htmhttp://www.gabmilitar.ma.gov.br/pagina.php?IdPagina=1323)

6 http://www.dimensaocr.com.br/index.php?a=port_acervo_temp.php&ID_MATERIA=1908

7 http://www.isp.rj.gov.br/NoticiaDetalhe.asp?ident=133 in Segurança, tráfico e milícia no Rio de Janeiro / organização, Justiça Global, 2008. – Rio de Janeiro : Fundação Heinrich Böll, 2008.

8 Segundo dados do relatório “Segurança, Tráfico e Milícias no Rio de Janeiro” produzido pela ONG Justiça Global, Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2008.

* Breno Pimentel Câmara es Doctorando del “Instituto de Pesquisa e Planejamiento Urbano” (IPPUR) de la Universidad Federal de Río de Janeiro. Investigador del Observatorio de los Conflictos Urbanos del “Laboratorio Estado, Trabalho, Territorio e Natureza” (ETTERN) de esa misma universidad. Contacto: [email protected].

Riesgo, peligro, crisis, Copa y olimpíadas

Por Breno Pimentel Câmara-Herramienta.

La seguridad pública es desde los inicios de los años noventa la principal motivación de los conflictos urbanos en la ciudad de Río de Janeiro. Se impusieron, desde entonces, diversos niveles de planes para responder a diversos niveles de riesgo, accionando, incluso con variada intensidad, la retórica del peligro, dándole el sentido de una especie de crisis epidémica. “Epidemia” del tráfico de drogas, que siguió durante el periodo esparciéndose por las favelas de la ciudad.

El combate a la demonizada “epidemia” social se sirvió y sirve de diversos tratamientos, muy heterodoxos, que más allá de su utilización en términos de legitimación de las acciones gubernamentales, impactaron de manera desigual porciones distintas de la población. Se conforma como un mecanismo múltiple de diferenciación social, económica y política, en el cual la seguridad pasa a configurarse como una valiosa mercancía, producida por diferentes agentes, legales e ilegales, de acuerdo con el lugar a ser explotado. Mecanismo que instrumentaliza el Estado, a través de fuerzas represivas diversas, que en el caso de Río viene fabricando crisis, exaltando el peligro y naturalizando el riesgo para el avance de sus modelos de control de los espacios pobres. Y adquiere legitimación en velocidades olímpicas frente a la urgencia impuesta por los eventos deportivos que se avecinan.

En este trabajo se pretende discutir la gestión de las escalas del mecanismo de seguridad, que tiene como sustrato la desigualdad social y el estrechamiento de los espacios de expresión política ante el avance de su control y utilización.

Los conflictos por la seguridad en Río de Janeiro 

Como en la música de Gilberto Gil, Río de Janeiro continúa lindo, pero su pueblo expresa colectiva y cotidianamente sus problemas y tensiones. A través de los conflictos urbanos –confrontación o embate entre actores públicos colectivos que tienen a la ciudad como espacio y objeto de sus manifestaciones– podemos acceder a los contenidos de las luchas urbanas, su espacialidad, maduración y frecuencia; los actores en ellos envueltos, formas de manifestación y difusión de las reivindicaciones que conforman un cuadro coyuntural de ciudad.

El Observatorio de los Conflictos Urbanos ( www.observaconflictos.ippur.ufrj.be ) pone a disposición en la red mundial de computadoras información sistematizada y permite consultas libres, simples y combinadas, sobre los conflictos urbanos en la ciudad de Río de Janeiro de 1993 a los días actuales. La construcción de este sitio posibilitó la investigación y el registro de informaciones relacionadas con la conflictibilidad urbana, ofreciendo la posibilidad de proyectar en el mapa de la ciudad la diversidad conflictiva, mostrando cómo diferentes grupos y segmentos reivindican y luchan por mejores condiciones de vida.

Actores, objetos y objetivos de conflictos, temporalidades, formas, geografías, retóricas y simbologías ofrecen un cuadro complejo y diferenciado de la ciudad. ¿Cómo y dónde se manifiestan los conflictos? ¿Qué reivindicaciones, anhelos y frustraciones emergen? ¿De qué manera la desigualdad socio-espacial se expone a partir de informaciones sistemáticas? Movimientos sociales organizados y manifestaciones de multitudes, acciones colectivas en la justicia o petitorios, innúmeras son las formas a través de las cuales la ciudad expone su desigualdad y, más que eso: elabora las formas de enfrentarla.

Río de Janeiro aparece en sus conflictos como una metrópolis destacada en los que concierne a la desigualdad y a la violencia. Los conflictos urbanos, en su complejidad y diversidad, permiten una lectura acerca de las formas asumidas por la desigualdad y por la violencia urbana.

Agrupados bajo el objeto de “Seguridad Pública”, los conflictos que expresan la lucha por la justicia y denuncian la violencia apuntan a que se vive en la ciudad, hace más de dieciocho años, bajo un arriesgado mecanismo productor de inseguridad. Se da en la ciudad de Río de Janeiro una división social del espacio al menos en lo referente a la administración de la violencia en la ciudad. De un lado tenemos a los pobladores de las favelas, que son considerados como ilegales o peligrosos oficial o extraoficialmente. Son los pobladores de las llamadas “habitaciones subnormales”, incorporados en trabajos precarios e iguales condiciones de vida, sometidos a prácticas territoriales que limitan su derecho de ir y de venir, y diezma a una parcela expresiva de la juventud por la muerte violenta. Del otro lado, la llamada “ciudad formal”, enrejada, cuando puede blindada, deseosa de protección, alarmada por los medios y por la criminalidad concreta.

En el periodo comprendido entre enero de 1993 y febrero de 2011 se sumaron 603 muertes denunciadas y motivadoras de conflictos por seguridad pública registrados por el Observatorio. De estas, el 85,7% (517 muertes) ocurrieron en las favelas de la ciudad y el 14,3% (86 muertes), en todos los otros barrios en conjunto.

De las 603 muertes que causaron manifestaciones por seguridad, la gran mayoría fueron de jóvenes y adolescentes. Hay un corte, si tomáramos la ciudad como espacio de las acciones de las policías Militar (principalmente) y Civil (residualmente). Aquí la ciudad está partida en la cabeza de quien gobierna, de quien orienta el mecanismo o las políticas de seguridad pública.

Como la política de seguridad pública es el blanco principal de las manifestaciones colectivas constantes del Observatorio (37%), y el Estado, el principal agente reclamado (es reivindicado en el 87% de los eventos del tipo de seguridad pública); tenemos que la política de seguridad aplicada en Río de Janeiro sigue una orientación de “Ciudad Partida”, dividiendo su acción en dos frentes, una claramente opresora, justificada por los enfrentamientos al comercio de estupefacientes, otra protectora, de la propiedad pública y privada y de la pública muchas veces convertida en privada.

Las regiones más pobres de la ciudad, sobre todo las favelas, concentran el mayor número de conflictos por seguridad, el mayor número de asesinatos denunciados y se constituyen en el espacio privilegiado de la acción represora violenta de la policía. En las favelas, se dan más del 60% de estos conflictos, en los cuales, la gran mayoría de las reivindicaciones exigen un tratamiento ciudadano por parte de la policía en sus lugares de vivienda. Asesinatos de niños y de ancianos; utilización de vehículos blindados que surgen inesperadamente y entran disparando en las comunidades; utilización de armas y tácticas de combate en la dirección de las favelas y la protección de los espacios de mayor circulación y poder adquisitivo en la ciudad, esta es la marca general dejada por los más de 700 eventos conflictivos del objeto seguridad en el periodo recortado. 1

Acciones que por el nivel de involucramiento de los gobiernos, de los grandes medios, de la “opinión pública”, por el carácter ejemplar que adquirieron a lo largo de la primera mitad del siglo XXI, por la perspectiva de disputar y ocupar los espacios concebidos como peligrosos, se configuran en cuanto políticas. Y políticas que violan espacios pobres, que operan el ensanchamiento de las posibilidades de alteración, de avance de las ilegalidades en sus acciones, expandiendo las fronteras de lo que fue pactado en leyes, y que reiteran la idea de la favela como algo pasible de experimentación de ilegalidades.

Políticas que fuerzan a través de sus prácticas, en nombre del orden, una permanente discusión, aunque velada y a costa de vidas, sobre lo que está permitido: lo que queda legitimado hacer en tales espacios para disminuir el riesgo social y el peligro representado por la operación de delincuencia útil, el comercio minorista del tráfico de drogas.

[…] el medio delincuente era cómplice de un puritanismo interesado: un agente fiscal ilícito sobre prácticas ilegales. Los tráficos de armas, los de alcohol en los países de ley seca, o más recientemente los de droga, mostrarían de la misma manera ese funcionamiento de “delincuencia útil”: la existencia de una prohibición legal crea en torno de ella un campo de prácticas ilegales, sobre el cual se llega a ejercer control y a extraer una ganancia ilícita por medio de elementos ilegales, pero convertidos en manejables por su organización en delincuencia. Esta es un instrumento para generar y explotar las ilegalidades (Foucault, 1987: 232).

Políticas que asumen un carácter de combate que se dirige al territorio de las favelas, a sus moradores y a los útiles delincuentes. La utilidad de la operación del tráfico de drogas en las favelas de la ciudad se caracteriza por la opresión a los pobladores en su cotidianeidad, convirtiendo sus viviendas en lugares vulnerables a los tiroteos, a acciones inesperadas y violentas por parte de la policía o de grupos de traficantes de fracciones rivales y, más recientemente, amenazados incluso por la instalación de milicias. Cotidianeidad que prácticamente impide la expresión política colectiva de los pobladores; útil incluso para la acción de control territorial del comercio minorista de tráfico de drogas, para la generación de ingresos a los gestores del comercio mayorista de estupefacientes que no residen en las favelas, pero lucran mucho con su violación; ingresos que sirven también al “arreglo”, especie de mesada paga por los traficantes a la policía para que no cree mayores problemas al comercio de drogas. Útil además, y especialmente, porque la acción del tráfico de drogas es la justificación central de todas las políticas aplicadas en nombre de la seguridad pública en la ciudad; elemento legitimador de la suspensión de derechos interesada y aplicada a cada caso de intervención en las favelas en que se acciona la retórica de guerra, del combate intenso a determinada localidad en razón de la “necesidad” de exterminio de la ilegalidad mayor representada por el tráfico. Y como en las guerras hay suspensión de las leyes, justificada por la amenaza a las propias leyes por un enemigo externo, la utilización de la retórica de la guerra, en el caso de Río de Janeiro, funciona como legitimación de la utilización de tácticas excepcionales, y por lo tanto, fuera del derecho, liberando ilegalidades en el combate al enemigo interno, el tráfico de drogas.

Sucede que tal proceso libra a la policía de mayores aclaraciones sociales sobre su conducta y de investigaciones sobre sus consecuencias. Hay numerosas manifestaciones registradas en el Observatorio de los Conflictos que retratan las luchas de las madres y parientes de niños muertos en operaciones policiales que siguen un ritual de denuncia, manifestaciones públicas, instauración de procesos, largas esperas y puniciones blandas, eso cuando el crimen tiene naturaleza bárbara y por eso instaura un acompañamiento de sectores de los medios, de los movimientos sociales y de partidos políticos de minoritaria representación.

La policía militar de Río de Janeiro actúa con excesiva libertad y los registros del Observatorio muestran que en muchas ocasiones actúa en desacuerdo con las orientaciones generales que parten del gobierno estadual, denotando una preocupante independencia de los mecanismos de control social sobre su gestión. En su historia reciente, hay inclusive periodos en que la secretaría de seguridad pública premiaba con dinero a los policías por su bravura, cuando mataban traficantes en sus incursiones por las favelas de la ciudad. La premiación, apodada por la población como “premio lejano oeste”, perduró por más de tres años durante la década de 1990, premiando el asesinato inconstitucional y sin el debido proceso legal en el trámite de las ilegalidades cometidas.

Tal mecanismo de seguridad se articula en respuesta a la realidad social desigual que es expresada por los pobladores también en otros tipos de conflictos. Vivienda, transporte, salud, educación, acceso y uso del espacio público, medio ambiente, legislación urbana; nuestros objetos de conflicto rebelan, todos, el carácter desigual de las condiciones de vida en que son sometidos los pobladores de la ciudad. Incluso un desatento lector de la fichas de conflicto en nuestro sitio de internet percibirá enseguida las desigualdades sociales entre grupos y sus anhelos expresados en los conflictos.

Cuando el asunto es “transporte, tránsito y circulación”, los estudiantes, principalmente los matriculados en escuelas públicas, en lucha por el transporte gratuito, promoverán diversas manifestaciones en el periodo recortado. Trabajadores aparecerán reivindicando mejoras, regularidad y tarifas menores en el transporte público. Los trabajadores desempleados buscando una alternativa en el transporte colectivo privado de pequeño porte a través de las combis.

Trabajadores desempleados son también los actores principales de los conflictos agrupados bajo el objeto “Acceso y uso del espacio público”. Colectivamente, promueven protestas por la posibilidad de trabajo informal como vendedores ambulantes. Trabajadores conocidos como “camellos”, que por tener sus productos confiscados por la guardia municipal entran en conflicto y promueven la mayor parte de los conflictos de “Acceso y uso del espacio público”, y que por promover su comercio en las áreas centrales y de mayor circulación en la ciudad obtienen una gran oposición de las clases medias y altas.

Clases estas que se manifiestan muchas veces en conjunto con ONG’s por la paz en la ciudad, por la descontaminación de lagos y playas, o cuando el objeto de disputa es la vivienda contra empresas que no cumplen plazos en la construcción de edificios, que a veces caen. Vivienda que es incluso reivindicada por comunidades enteras amenazadas de desalojo por proyectos de los gobiernos que pretenden remodelar el espacio para atender las exigencias del mercado. Movimientos de sin-techos en ocupaciones de predios públicos vacíos, también, son casos comunes de conflictos de vivienda en Río.

Salud y educación, temas recurrentes de conflictos que denuncian el vaciamiento de las inversiones en los servicios públicos, y la consecuente precariedad en la prestación de estos servicios, terminan empujando a la población en dirección de los servicios privados de salud y educación.

El espacio social cosificado (esto es, físicamente realizado u objetivado) se presenta, así, como la distribución en el espacio físico de diferentes especies de bienes o de servicios y también de agentes individuales y de grupos físicamente localizados (en cuanto cuerpos ligados a un lugar permanente) y dotados de oportunidades y apropiación de esos bienes y de esos servicios más o menos importantes (en función de su capital y también de la distancia física de esos bienes, que depende también de su capital). Es en la relación entre la distribución de los agentes y la distribución de los bienes en el espacio que se define el valor de las diferentes regiones del espacio social diferenciado (Bourdieu, 1997: 161).

El autor afirma que hay una superposición de espacios sociales objetivados, resultando en la concentración de los bienes más raros, oponiéndose en todos los aspectos, a los lugares que agrupan a los más pobres. Dice incluso que la capacidad de dominar el espacio a través de la apropiación, material o simbólica, de bienes raros, públicos o privados, distribuidos, depende del capital que se posee. Capital que permite mantener a distancia personas y cosas indeseables, al mismo tiempo que permite aproximarse a las deseables.

Los más pobres luchan inclusive por el derecho de expresar sus reivindicaciones contra un Estado que más allá de marginarlos, también los reprime. Un Estado que trabaja en la dirección de imposibilitar el conflicto, de silenciar la crítica, de garantizar la libre circulación de unos, reprimiendo violentamente los lugares de vivienda de otros.

Por otro lado, en las regiones más ricas de la ciudad, el poder público tiende a atender rápidamente las reivindicaciones, todas con amplia repercusión en los medios, permitiendo su libre organización y concentrando las inversiones en aéreas suficientemente asistidas. Los conflictos del “asfalto”, o sea de todos los otros barrios en la ciudad de conjunto, muestran en su mayoría, manifestaciones públicas contra la violencia urbana en general, y por la paz en la ciudad. Generalmente, ocurren luego de algún crimen de repercusión o matanzas. Articulan en sus protestas ONG’s, medios de comunicación de masas, parlamentarios y otras autoridades y cuentan con amplia divulgación y organización manifestándose en las áreas de mayor visibilidad de la ciudad.

Organizarse libremente en Asociaciones de Pobladores en la actual coyuntura de la ciudad se constituye en un privilegio para pocos, quedándole a la mayor parte de la población la reunión revoltosa y espontánea frente a la acción impuesta por la fuerza y, frecuentemente, provocadora de muertes. A lo largo de los dieciocho años de recorte temporal que el Observatorio trabaja, queda clara la tendencia a la burocratización y elitización de las asociaciones de pobladores, que vienen en ese periodo distanciándose del apoyo a las luchas populares y aproximándose a lo que puede llamarse como una política institucional. Así, en las favelas, en donde la libre asociación de pobladores todavía es una realidad, sigue habiendo diversas asociaciones, pero patrulladas, vigiladas y controladas por fuerzas que controlan las favelas de la ciudad.

Las diferencias sociales señaladas en los conflictos urbanos tienen en la acción de la policía la principal diferencia de acción estatal entre espacios. Exactamente porque esta ejecuta acciones represivas de intensa letalidad en las favelas, combinadas con ocupaciones de otras, que apuntan hacia una creciente tendencia de control permanente a través de las fuerzas en los espacios de vivienda popular de la ciudad.

Las políticas neoliberales, que en el mundo desarrollado y dominante causan el aumento del número de cárceles a gran escala, configurándose un proceso de criminalización y punición de los pobres, en Río de Janeiro, adquieren consecuencias radicalizadas, causando millares de muertes violentas, principalmente de jóvenes y negros, y opresión permanente en los lugares de vivienda de los más pobres. Pero los trabajadores insisten en denunciar esta realidad de forma creativa, combativa y colectiva.

¿Fuerzas complementarias?

La relativa independencia de la policía verificada en el análisis de los conflictos urbanos y su legitimación basada en la retórica de la guerra al tráfico inauguraron en los años 2000 una novedad en términos operacionales. Novedad que viene pautando la seguridad pública en la ciudad desde su instauración: la invasión y posterior ocupación permanente y armada con un pequeño ejército de policías en los territorios de vivienda popular, en las favelas.

El día 28 de diciembre de 2000 se hizo la inauguración de la sede del Bope (Batallón de Operaciones Especiales Policiales de la Policía Militar de Río de Janeiro) en la favela Tavares Bastos, en el Catete, zona sur de la ciudad. La ocupación significaba algo como la instalación de un laboratorio experimental de afirmación de esta nueva táctica, la de la ocupación permanente de las favelas. A partir de la instalación de un edificio-batallón del Bope en el interior de la favela, con la consecuente eliminación del tráfico que allí operaba a través de tiroteos, muertes, prisiones y fugas, hubo un proceso de institucionalización de una ocupación policial que perdura y que presenta un carácter ejemplar de conducta para el comando de la policía.

Desde entonces, pobladores, aunque informalmente, narrarán que la ocupación realizada por la tropa de elite de la policía militar acarreó una toma de poder por parte de la policía en relación a los traficantes, que fueron muertos y expulsados, y que se habría consolidado una ocupación policial permanente de la favela. Narran incluso que el proceso de eliminación del comercio ilegal de drogas, más allá de la represión violenta a los que abiertamente lo realizaban, incluía entrevistas con los pobladores en el sentido de “averiguar las relaciones de los pobladores con el esquema del tráfico local”. En estas, los policías utilizaban un gran fichero en el que había informaciones sobre los pobladores y sus relaciones de trabajo, familiares y hasta personales, referidas a posibles relaciones del poblador con miembros del tráfico local. Al final de la entrevista realizada por los policías uniformados del Bope, se pactaba una nueva “administración” de la favela en términos de: “o se está con nosotros o en contra nuestro”.

En relación al carácter ejemplar que la instalación del batallón del Bope en la Tavares Bastos ejerce, es interesante notar que decenas de policías vienen realizando desde 2001 entrenamientos de combate urbano en los callejones de las favelas con la participación de policías de todo el estado de Río de Janeiro y de otros estados del Brasil. Hay notas de periódicos de otros estados como Maranhão, Acre y Paraná, que toman cuenta de seminarios y entrenamientos interprovinciales de oficiales de policía en la favela de la Tavares Bastos. La ocupación llegó incluso a despertar el interés de las producciones de novelas y películas, llegando a rodar filmaciones en el lugar en razón de la “seguridad” garantizada por el Bope. La Fuerza de Seguridad Nacional también ya obtuvo entrenamiento específico en la Tavares Bastos. 6

Laboratorio de operaciones y entrenamientos de efectivos con vistas al combate de los traficantes de las favelas, pero principalmente laboratorio de experimentación de una nueva modalidad de acción: la ocupación permanente por fuerzas policiales de las territorialidades faveladas. La presencia constante y la circulación de 200 hombres fuertemente armados en una favela de población cercana a los 2.000 habitantes en la época apuntaba hacia la necesidad de un efectivo decuplicado (eran cerca de 30.000 hombres en el año 2.000) de los miembros de la policía para que tal política se pudiese extender a toda la ciudad o, al menos, a las favelas que representaban un riesgo mayor a la circulación en la ciudad.

La localización de la favela de Tavares Bastos, contigua al palacio de Gobierno del Estado, facilitaba más argumentos legitimadores a la ocupación, lo que ayudaba a encubrir la caracterización de la nueva realidad en cuanto un continuum carcelario, como formuló Foucault para localidades en que se opera la punición radical social con elementos semejantes a los utilizados por el autor para definir la prisión en el capitalismo:

Ella se constituyó fuera del aparato judicial, cuando se elaboraron, por todo el cuerpo social, los procesos para repartir a los individuos, fijarlos y distribuirlos espacialmente, clasificarlos, sacar de ellos el máximo de tiempo, y el máximo de fuerzas, adiestrar sus cuerpos, codificar su comportamiento continuo, mantenerlos en una visibilidad sin fallas, formar en torno a ellos un aparato completo de observación, registro y anotaciones, constituir sobre ellos un saber que se acumula y se centraliza (Foucault, 1987: 195).

Vigilan y castigan favelas y a sus pobladores, alterando límites constitucionales, con pretensiones de ocupación espacial y policial permanentes. Siendo política, luego pública y de impacto en todo el cuerpo social. Dirigida a los pobres, violando sus espacios, derechos y rutinas, y por esto, convirtiendo a las favelas en lugares de radicalidad punitiva; pero impactando y penetrando en todo el cuerpo social a través de una racionalidad penitenciaria que elabora argumentos calificadores de las favelas en cuanto lugares de ilegalidades (ilegal inclusive y de inicio a la propia ocupación), ocupadas por las clases peligrosas, de moral cuestionada y a las que se atribuye el desorden, la mugre y la falta de educación. Valores que favorecen a la legitimación de una nueva forma de práctica punitiva que a lo largo de la década se amplió, refinó y multiplicó la gestión de las ilegalidades en la ciudad:

distinguirlas, distribuirlas, utilizarlas; […] la penalidad sería entonces una manera de administrar las ilegalidades, de trazar límites de tolerancia, de dar terreno a algunos, de hacer presión sobre otros, de excluir una parte, de tornar útil otra, de neutralizar a éstos, de sacar provecho de aquellos. […] Y si podemos hablar de una justicia no es sólo porque la propia ley o la manera de explicarla sirven a los intereses de una clase, y porque toda la gestión diferencial de las ilegalidades por intermedio de la penalidad hace parte de esos mecanismos de dominación. Los castigos legales deben ser recolocados en una estrategia global de las ilegalidades. El “fracaso” de la prisión puede, sin dudas, ser comprendido a partir de ahí (ibíd.: 227). 7

Vainer (2000) discutió la presencia del ideario del planeamiento estratégico en la conducción política de la ciudad desde el inicio de los años noventa, en que Río pasa a ser pensado como mercancía, a ser vendida como espacio de inversiones rentables, administrado como si fuese una empresa a través de la racionalidad del lucro y vivido como patria; en que el orden-unido pasaba a ser la preparación del ambiente para la recepción de negocios, turistas, eventos y, si todo resultara, megaeventos como los Juegos Panamericanos de 2007.

La formación de un espacio de identidad en que el sentimiento predominante pasa a ser el patriotismo; la ciudad como representante del país crea un consenso en torno del objetivo, que silencia la crítica, suspende prácticas y trámites, y facilita la aprobación de políticas excepcionales para la necesidad de organizar el espacio en tiempo exiguo.

La inversión política en la seguridad pública en una ciudad como Río de Janeiro dispensa justificaciones para poder competir en el mercado de las ciudades. Y derechos. Y el debate político. Una solución era necesaria, y para llegar a ese objetivo, la ocupación del Bope en la Tavares Bastos enseñaba.

Los años 2000 fueron marcados por la ampliación de diferentes formas de dominación permanente de localidades consideradas riesgosas, peligrosas y portadoras de potencialidad de promoción de crisis, en una ciudad que tuvo, más allá de la realización de los juegos de 2007, el hecho de ser escogida anfitriona de la Copa del Mundo de 2014 y de las Olimpíadas de 2016.

Tal escalada de acontecimientos motivó la creación de diferentes políticas que resultaron en un avance de las milicias en el Proyecto de Aceleración de Crecimiento del gobierno federal, el PAC, que cuando impacta a las favelas, lo hace con claros contornos de proyecto de seguridad y las Unidades de Policía Pacificadora, que se instalan en las favelas localizadas en las áreas más nobles de la ciudad con efectivos de policías militares que promueven el control permanente.

En el 2004, hubo declaraciones de políticos importantes de la ciudad que apuntaban a incentivar la creación de “milicias comunitarias” en las favelas de la ciudad para protegerse del tráfico, como ocurría, decían, en las ciudades colombianas de Medellín y Bogotá. La invasión violenta y posterior ocupación permanente de las favelas por un pequeño ejército comenzaba a funcionar bajo un nuevo formato y dirección. Era el nacimiento del fenómeno de las milicias que comenzaban a establecerse y que pocos meses antes del inicio de los juegos Panamericanos ya ocupaban más de cien, de las cerca de mil favelas de la ciudad. Fenómeno complementario a la política de exterminio realizada paulatinamente a través de las incursiones policiales en las favelas de la ciudad, que comenzaron a provocar la muerte de aproximadamente más de 1.000 civiles cada año a partir de 2004. 8

Las primeras noticias sobre las milicias daban cuenta de que eran grupos de ex policías y bomberos que, a semejanza de la antigua “policía minera”, iniciaron ocupaciones llenas de asesinatos de traficantes y expulsiones de sus familiares para constituirse en grupos armados para-estatales con un funcionamiento semejante al de grupos mafiosos: cobrando por la seguridad que estaría amenazada por la presencia de ellos mismos, vendiendo protección. Además, cobraban tasas sobre servicios como el de internet, TV por cable y distribución de gas; incluso, sobretasas a los comerciantes de las localidades dominadas. Ignacio Cano estableció ejes comunes en las denuncias sobre la actuación de las milicias en la ciudad:

Comenzamos a proponer la definición de milicia como sumatoria de los siguientes ejes, que se deben dar simultáneamente: 1. El control de un territorio y de la población que en él habita por parte de un grupo armado irregular; 2. El carácter en alguna medida coactiva de ese control de los pobladores del territorio; 3. El ánimo de lucro individual como motivación principal de los integrantes de esos grupos; 4. Una discusión de legitimación referida a la protección de los habitantes y a la instalación de un orden que, como todo orden, garantiza ciertos derechos y excluye otros, pero permite generar reglas y expectativas de normatización de la conducta; 5. La participación activa y reconocida de agentes del estado como integrantes de los grupos (Cano, 2008).

Las milicias hoy ocuparían más de 400 favelas concentradas principalmente en las zonas oeste y norte de la ciudad. Y aun habiendo sido blanco de una Comisión Parlamentaria de Investigación en la Asamblea Legislativa del Estado de Río de Janeiro, propuesta y presidida por el único parlamentario del Partido Socialismo y Libertad de entre los setenta diputados de la casa legislativa, esta CPI de las Milicias comprobó la participación de 874 personas, civiles, militares y autoridades envueltas directamente en el rentable negocio, inclusive de concejales, diputados estaduales y federales, delegados de policía, jefe de la policía civil y de policías militares y de bomberos. Hubo arrestos y renuncias, cesaciones de mandatos y amenazas frecuentes e intensas al diputado, pero eran rarísimas las noticias de represión policial en la favelas controladas por las milicias.

La casi ausencia de estas noticias son utilísimas en la dirección de la política de ordenamiento de la ciudad, en la disminución de la sensación de riesgo y peligro que el tráfico efectivamente representa. Administran su actividad a través del control territorial y la obtención de ganancias ilícitas, pero sustentables para su manutención y ampliación a gran escala. El estado no gasta un centavo ni en funcionarios ni en la contratación, y si no las promueve, se beneficia de su operación en términos de control social de las favelas. Control complementado con el PAC y las UPP en dirección a la ocupación permanente de otras pocas, aunque importantes favelas en términos de localización. Tanto el PAC –programa del gobierno federal en asociación con el estadual y el municipal, que en Río de Janeiro ha significado urbanización de las favelas con claros contornos de proyecto de seguridad pública, en que “se arregla” el área para después ocuparla– como el UPP sostienen ocupaciones permanentes en no más de 20 favelas hechas por nuevos batallones de la policía militar. Las favelas impactadas por tales políticas son escogidas en función de su localización, en las zonas más nobles de la ciudad y en las áreas próximas al aeropuerto internacional, con obvias intenciones de “pacificar” las áreas de mayor y más importante circulación para eventos como la Copa del Mundo y las Olimpíadas.

En octubre de 2007, Río de Janeiro fue escogida como sede de la Copa del Mundo 2014. Poco tiempo después, en marzo de 2008 en Manguinhos, con la presencia y discurso del ex presidente Lula y de su ex jefa de la Casa Civil Dilma, y con la asistencia del prefecto y el gobernador (todos de la misma coalición política), se dieron inicio a las obras del PAC (Proyecto de Aceleración del Crecimiento). Con promesas de construcción de millares de viviendas, obras de saneamiento, urbanización, hospitales, escuelas y áreas de descanso, que, poco después, se traducirán en más de la mitad del gasto destinado a la elevación de una línea férrea que corta a la comunidad y que sirva de protección al tráfico.

Este emprendimiento consta de 2.000 viviendas construidas para una necesidad de abrigar al menos a casi 5.000 familias, que fueron y que todavía serán removidas de sus casas en función de las obras. También se construyó una gran escuela y un puesto de salud, ambos insuficientes para el tamaño de la población local de cerca de 30.000 pobladores. Pero la miseria anterior en que vivía una parte considerable de los pobladores de Manguinhos logra que el proyecto, aunque limitado, obtenga el respaldo de los pobladores. El gobernador fue reelecto en el primer turno en las elecciones de 2010 y la Presidenta fue electa en el segundo, pero ambos obtuvieron votaciones extraordinarias en Manguinhos, con la mayoría absoluta de los votos de la región.

Además de Manguinhos, el PAC realiza obras en favelas de enorme densidad poblacional y de alta complejidad en términos de la historia reciente de las organizaciones del tráfico; éstas son las favelas de Alemão, Rocinha, Borel, y Pavão-Pavãozinho. En las favelas más densas y complejas de la ruta pro-Copa y Olimpíadas, el gobierno federal apoya al municipio y al estado con ejército y financiamiento, en las que el gobierno estadual puede contribuir con su propio efectivo de policías y con sus propios recursos, UPP.

Las unidades de la Policía Pacificadora, que ocupan hoy 18 favelas, siguiendo aquella misma lógica de distribución interesada en relación a los juegos, tuvo inicio en diciembre de 2008 en la favela Santa Marta, zona sur de la ciudad. En esta, el prefecto, el gobernador y el secretario de seguridad comparecieron, afirmando ser aquella una política para la cual sería dedicada una atención estratégica, y prometieron la reproducción de aquel tipo de ocupación y control para más de cien favelas hasta la Copa de 2014. Y ya no son raras las denuncias de violaciones e inclusive de asesinatos de jóvenes, y hasta de un niño de seis años, cometidos por policías contra pobladores de comunidades “pacificadas” por las UPP, bajo la dirección de la policía militar.

La gestión de las excepcionalidades 

La policialización de la política, proceso a través del cual la policía adquiere centralidad en el planeamiento de la ciudad, acciona la retórica de la protección de los espacios públicos, a partir de la garantía de circulación de personas y mercancías en los espacios que se debe proteger, con represión y explotación de los lugares que se quiere ordenar, organizar y educar. Pero la realización de tales proyectos tropieza siempre con realidades distintas, con pesos diversos en términos de densidad poblacional, características económicas, realidades políticas, organización y fuerza de la delincuencia útil, carencias y necesidades de cada lugar, de cada favela. Y a pesar de las formas de acción disponibles para cada avance de tales políticas, la retórica de la necesidad elabora suspensiones específicas de derechos, practica excepcionalidades puntuales y amplía así las posibilidades de gestión de ilegalidades dentro de un proceso político clasificado como democrático.

[…] Pero va haber momentos en que la razón de Estado ya no puede servirse de esas leyes y en que ella es obligada por algún acontecimiento apremiante y urgente, por causa de cierta necesidad, a librarse de esas leyes ¿En nombre de qué? De la salvación del propio Estado. Esa necesidad del Estado en relación a sí mismo y que, en cierto momento, va a llevar, a razón de Estado, el barrer las leyes civiles, morales, naturales y producir algo que, de cierto modo, no será más que por el Estado en relación directa consigo mismo bajo el signo de la necesidad y de la salvación. El Estado va a obrar desde sí sobre sí, rápida, inmediatamente, sin regla, en la urgencia y en la necesidad, dramáticamente, y es eso el golpe de Estado. El golpe de Estado no es, por lo tanto, confiscación del Estado por unos en detrimento de otros. El golpe de Estado es la auto-manifestación del propio Estado. Es la afirmación de la razón de Estado, que afirma que el Estado deber ser salvado de cualquier manera, cualesquiera sean las forma empleadas para salvarlo (Foucault, 2008: 350).

Se vive en la ciudad de Río de Janeiro bajo el peligroso mecanismo por el cual se obtienen poderes excepcionales para la gestión acupunturística, o puntual de crisis locales, en que para cada necesidad única se formula una forma también única de acción para la consolidación del control total de determinado territorio. Control que se caracteriza por la invasión y subsecuente ocupación permanente del territorio a través de pequeños ejércitos que, legitimados en primera instancia por el aniquilamiento de las fuerzas del tráfico de drogas y el consecuente fin de los derechos (frecuentes en las favelas de la ciudad), permanecen sine die, armas en puño, para controlar el comercio de nuevas mercancías y servicios.

Giorgio Agamben, en su “Estado de excepción”, discute con la contradicción que consiste en la suspensión de derechos por el Estado en momentos de algunos “tumultos” en que el orden y las leyes estén amenazados creando prácticas excepcionales que al fin garantizan la restitución de la normalidad legal que aquel evento hiciera suspender. Contradicción expresada en la suspensión de las leyes y de los derechos para su propia preservación.

Pero la aporía máxima contra la cual fracasa, en última instancia, toda la teoría del estado de necesidad dice, respecto a la propia naturaleza de la necesidad, que los autores continúan, más o menos inconscientemente, pensándolo como una situación objetiva. […] la necesidad, lejos de presentarse como un dato objetivo, implica claramente un juicio subjetivo y que necesarias y excepcionales son, es evidente, apenas aquellas circunstancias que son declaradas como tales (Agamben, 2004).

No son recientes las prácticas de gestión excepcional de determinadas territorialidades, ni aislados los casos en que se elige un sinnúmero de necesidades específicas para legitimar tal gestión, en la dirección de garantizarse libertad de acción extra legal a los operadores de intervenciones locales específicas. Pueden significar incursiones violentas de la policía en las favelas, ocupaciones permanentes de espacios pobres por efectivos significativos de las fuerzas de represión o la instalación de milicias que dominan por la fuerza comunidades enteras de poblaciones carentes, cobrando por servicios diversos, organizados en forma de monopolio, de entre los cuales la seguridad es una mercancía cada día más valorizada en los grandes centros urbanos.

Miedo y desorden, elementos fundamentales para la gestión, muchas veces extra legal de variadas políticas. Elementos que garantizan libertad de acción a la gestión interesada del Estado en restringir los espacios públicos, la esfera pública, para garantizar el avance de los espacios privados. Espacios simbólicos o concretos, que al avance del miedo, de la inminencia de una crisis, guerra o catástrofe asisten retraídos al avance frío del movimiento de usurpación de anteriores conquistas. Es a partir de esta óptica que Naomi Klein, en su libro La doctrina del choque – El ascenso del capitalismo del desastre, describe acontecimientos como el desastre de Nueva Orleans o el del 11 de septiembre en Nueva York, en que después de un desastre, natural o político, hay un aprovechamiento de la crisis para el avance del ambiente privado en detrimento de lo público.

La autora habla de superganancias en ambientes de mega desastres como síntesis del pensamiento de Milton Friedman, importante teórico del capitalismo moderno que tuvo la sencilla idea de que el gobierno americano creara bonos educacionales para que fuesen distribuidos entre los niños que asistieron a alguna de las 119 de sus 123 escuelas públicas, ahora absolutamente destruidas por el “Katrina”, para que pudiesen frecuentar las nuevas escuelas licenciadas privadas a través del carnet de bonos escolares distribuidos por el Estado. Las escuelas privadas en la ciudad eran 7, y diecinueve meses después de la tragedia ya eran 31. El sindicato de los profesores de las escuelas públicas de Nueva Orleans, considerado fuerte y organizado por la autora, reunía 4.700 profesores antes del Katrina, diecinueve meses después, todos expulsados del sistema público, algunos pocos fueron reempleados en el sistema privado con salarios mucho más bajos que los anteriores. Este “capitalismo del desastre”, en las palabras de Klein, fue empleado en Nueva Orleans por sugerencia de Friedman:

A los 93 años y con la salud debilitada, “Tío Miltie”, como era conocido por sus seguidores, aún así encontró fuerzas para escribir una editorial en el Wall Street Journal tres meses después de que los diques estallaran. “La mayor parte de las escuelas de Nueva Orleans está en ruinas”. Friedman observó, “así como los hogares de los niños que estudiaban allí. Los niños ahora están esparcidos por el país, esto es una tragedia. Es también una oportunidad para reformar radicalmente el sistema educativo” (Klein, 2008: 18).

La autora cuenta, además, que la velocidad con que se subastó el sistema educativo de la ciudad contrastaba con la lentitud del Estado en arreglar los diques y reparar la red eléctrica. Durante la guerra contra Irak hubo un caso semejante, el del ex agente de la CIA que en Irak fundó una empresa de seguridad privada en medio de la ocupación americana y cerró contratos por cerca de la centena de millones de dólares con el gobierno “iraquí” y que habría declarado: “para nosotros el miedo y el desorden ofrecen una promesa real”. En este sentido, la autora concluye que “el miedo y el desorden serían los catalizadores de cada nuevo salto hacia el adelante” a los avances del capital (Klein, 2008: 18).

Friedman murió menos de un año después del referido editorial, a los 94 años en el 2006. Pero este aprovechamiento de situaciones de crisis para el avance del ambiente privado se esparció, y debajo de la línea del Ecuador ganó contornos todavía más radicalizados, como son los casos de las ciudades de Río y Medellín.

En estos casos, la retórica de la guerra contra el enemigo interno y las consecuentes crisis creadas o reales, viene a lo largo de los últimos años manteniendo un clima general de miedo y desorden que ha posibilitado el avance de una economía política represora y privatista de espacios públicos.

El cuadro actual del mecanismo de seguridad que hay en la ciudad de Río de Janeiro y sus engranajes permiten forzar las fronteras de legitimación de las posibilidades de opresión estatal y para-estatal, incluso ilegales, a determinados sectores sociales de la ciudad. Se crean y se forjan crisis para legitimar excepcionalidades e incluso se esboza la cuestión de qué y en qué medida este rasgar de fronteras de la ilegalidad se relaciona con una nueva forma de economía política del mecanismo de seguridad operante en la ciudad.

Los valores inmobiliarios que contornan las áreas “pacificadas” en la zona sur llegaron a un aumento del orden del 400% desde fines de 2008 a la actualidad. Hubo también un enorme aumento en las recaudaciones de empresas públicas prestadoras de servicios como la Light, que vende energía eléctrica y comenzó a cobrar por el servicio en localidades donde antes las conexiones eléctricas eran clandestinas. Agencias bancarias se abren en las favelas, también se abren comercios que antes no entraban a estos barrios, se valorizan los inmuebles de los propios pobladores de las favelas, sin mencionar las ganancias obtenidas por las operaciones de las milicias. Por otro lado, es oportuno destacar que entre el presupuesto y la ejecución de las obras para los Juegos Panamericanos de 2007 hubo un incremento en 10 veces a los valores planeados a los efectivamente gastados en el evento. Experiencias como la canadiense, que dan cuenta de un gasto exorbitante para la realización de las Olimpíadas de Montreal de 1976, en la que al país le llevó 30 años liquidar las deudas contraídas, deberían ser consideradas, pero son apagadas por la euforia de los juegos.

Ese aspecto legitimador de tales políticas, el económico, puede estar en el centro de la aceptación social de tales medidas, puesto que la valorización inmobiliaria dentro y fuera de las favelas y los últimos resultados electorales apuntan a la legitimación de tales acciones autoritarias y violadoras de derechos. Pero aquí, al capitalismo de desastre desarrollado por la autora y verificado en los tiroteos y asesinatos frecuentes en las favelas de la ciudad de Río, que son aprovechados por la lógica represora y explotadora de las políticas de seguridad, se unen a una especie de capitalismo de fiesta, o de Mega-evento, en que de la misma manera hay una gestión diferenciada y excepcional para el aprovechamiento y avance del capital. Y una lógica no excluye a la otra, o sea, hay una acumulación en una especie de edificio de prácticas que se sobreponen y son utilizadas de acuerdo con la especificidad de la necesidad.

Río cuenta hoy con una policía que mata en promedio más de 3 personas por día en la ciudad desde el momento de la elección del actual gobierno, ahora (2010) reelecto en primer turno con más del 60% de los votos. El perfil de los asesinatos cumple el exhaustivo y naturalizado plan: los ya famosos “actos de resistencia” de negros, jóvenes y pobladores de favelas en su gran mayoría.

Más de 400 de las cerca de 1.000 favelas están ocupadas por las milicias. Estas han implementado la reciente modalidad de extorsión, opresión y violación regular de los pobladores de las favelas; y, de esta manera, han convertido esta modalidad en la hegemónica dentro de la disputa entre las formas de delincuencia útil que actúan en Río. Otras 400 favelas están más subordinadas al poderío del decadente, pero también opresor y violador, tráfico de drogas.

Las políticas de ocupación permanente de las favelas fuerzan, a través de sus prácticas en nombre del orden, una permanente discusión, aunque velada y a costa de vidas, sobre lo que es permitido, o lo que queda legitimado a hacer en tales espacios para disminuir el riesgo social y el peligro representado por la operación de la delincuencia útil o el comercio del tráfico de drogas, ya que estas políticas llevan a cabo apropiaciones de espacios físicos, simbólicos, discursivos y políticos.

Las posibilidades de expresión política de los pobladores de las favelas ocupadas son limitadas, al punto que se cuestiona si no está en construcción el silencio político forzado de las poblaciones que más tienen para reclamar. Consecuencia importante de las políticas de violación y control armado de los espacios pobres, el no conflicto. Dificultar, si no impedir la expresión colectiva de las reivindicaciones políticas de los más explotados.

Estas acciones, que en una primera mirada se configuran como una ofensiva articulada de sustitución del control por la fuerza ejercido por el tráfico de drogas por otro control, también violento, estatal o para-estatal, desarticulan la consolidación de conquistas políticas realizadas en este corto período histórico que viene desde el fin de la dictadura militar brasileña en 1989, año de la primera elección directa para Presidente de la República, hasta los días actuales.

Conquistas expresadas en derechos en la Constitución de 1988, suspendidos puntualmente en momentos en que la necesidad de responder a los dictámenes de la FIFA 10 o del COI 11 superó en urgencia y capacidad de formación de consenso a las propias crisis, creadas o no, en que excepcionales tácticas fueron elaboradas y practicadas en nombre del combate al arriesgado comercio de drogas y al peligro social que este representa.

Esta jerarquía, aquí pretendida en términos de capacidad de suspensión de derechos y de prácticas excepcionales, organiza de forma creciente las categorías riesgo, peligro, crisis, Copa y Olimpíadas como promotoras del avance del capital y legitimadoras de excepcionalidades en la gestión neoliberal de la ciudad.

Se corre aquí el riesgo de estar creando una peligrosa crisis política marcada para el período subsiguiente a los Mega-eventos.

Y, durante el proceso, un sinnúmero de violencias serán desigualmente impuestas al cotidiano de los cariocas.

Bibliografía 

Agamben, Giorgio, Estado de Exceção. Boitempo: San Pablo, 2004.

Bourdieu, Pierre, A Miséria do Mundo. Bajo la dirección de Pierre Bourdieu y contribuciones de A. Accardo (et al ). Vozes: Petrópolis / Río de Janeiro, 1997.

Cano, Ignácio, “Seis por meia dúzia?”.En: Segurança, Tráfico e Milícias no Rio de Janeiro. Producido por la ONG Justiça Global. Fundação Heinrich Böll: Río de Janeiro, 2008.

Foucault, Michel, Microfísica do poder. Graal: Río de Janeiro, 1979.

—, Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Vozes: Petrópolis, 1987.

—, Segurança, Território, População. Martins Fontes: San Pablo, 2008.

Klein, Naomi, A Doutrina do Choque – A Ascensão do Capitalismo de Desastre. Nova Fronteira: Río de Janeiro, 2008.

ONG Justiça Global, Segurança, Tráfico e Milícias no Río de Janeiro. Producido por la ONG Justiça Global. Fundação Heinrich Böll: Río de Janeiro, 2008.

Vainer, Carlos B., “Pátria, Empresa e Mercadoria: Notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento Estratégico Urbano”. En: Arantes, Otília / Vainer, Carlos / Maricato, Ermínia, A cidade do pensamento único: Desmanchandoconsensos. Vozes: Petrópolis / Río de Janeiro, 2000.

 

Artículo enviado por el autor para ser publicado en este número de Herramienta.

Traducción de Raul Perea

 

Notas

. Para mayores detalles ver “Inseguridad Pública y Conflictos Urbanos en la ciudad de Río de Janeiro”, Cãmara, Breno. En: 

. Como en:

http://www.observaconflitos.ippur.ufrj.br/novo/detalhes_conflito.asp?idconflito=677&obs=viva rio

. Ver 

. Bourdieu describe el espacio social cosificado (esto es, físicamente realizado u objetivado) como distribución en el espacio físico de bienes y servicios, y de distintas oportunidades de apropiación de esos bienes y servicios más o menos importantes en función de su capital (concreto o simbólico), configurando espacios más valorizados que dependen de grandes cantidades de capital para acceder a ellos; son los bienes y servicios más raros.

Cf. ; 

Cf. 

El énfasis es nuestro.

Cf. En: Cano, 2008.

Según datos del informe Segurança, Tráfico e Milícias no Río de Janeiro.

10 . Federación Internacional de Fútbol Asociado.

11 . Comité Olímpico Internacional.

Breno Pimentel Câmara es Doctorando del “Instituto de Pesquisa e Planejamiento Urbano” (IPPUR) de la Universidad Federal de Río de Janeiro. Investigador del Observatorio de los Conflictos Urbanos del “Laboratorio Estado, Trabalho, Territorio e Natureza” (ETTERN) de esa misma universidad.

Traducción de Raúl Perea.

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