Rádio França Internacional – RFI
A associação Survie revela um episódio desconhecido do genocídio em Ruanda. Em um relatório publicado nesta quinta-feira (24), a organização divulga o conteúdo de documentos inéditos da DGSE (Direção Geral da Segurança Externa da França), nos quais era detalhado o envolvimento dos mercenários franceses Paul Barril e Bob Denard junto ao governo genocida hutu.
Os dois mercenários teriam assinado contratos com o governo provisório de Ruanda, fornecido treinamento e armas para as forças genocidas. Eles também participaram de ações, como a que atingiu o aeroporto de Kigali. Conforme a Survie, a DGSE estava a par de tudo e informou o Palácio do Eliseu, o gabinete do primeiro-ministro francês e vários ministérios, em tempo real.
“O executivo francês estava ciente que mercenários franceses estavam indo para Ruanda: eles são Bob Denard e seus homens, e Paul Barril”, afirma François Crétollier, coautor do relatório.
Bob Denard (direita), em foto de 4 de outubro de 1995. AFP / ALEXANDER JOE
Denard, morto em 2007, era um militar que se tornou um conhecido mercenário francês, tendo participado de diversos golpes de Estado na África após o fim das colonizações francesas no continente. Já Barril, hoje com 75 anos, trabalhou brevemente na polícia francesa e fundou agências de segurança privada, com atuação controversa na África.
“O executivo francês fingiu, durante anos, que não sabia de nada. Isso é uma mentira. E a família Habyarimana estava no centro das tentativas de rearmamento de Ruanda e de furo do embargo [internacional de armas ao país, imposto pela ONU]”, complementa.
Paul Barril é ex-capitão da polícia francesa e participou da criação do esquadrão de elite do país, em 1974. AFP PHOTO JACK GUEZ
Acordo tácito
Segundo a Survie, houve “um acordo tácito” entre as mais altas autoridades francesas e esses mercenários, como parte de uma “estratégia indireta de apoio ao governo interino ruandês”. Denard, Barril e os demais não eram, portanto, “elétrons livres” no país, ironizou a ONG.
A Survie questiona sobre a “invisibilidade” desses mercenários nos diversos relatórios já produzidos sobre o papel da França durante o genocídio, em particular o da Comissão Duclert, entregue há um ano, que apontava para uma “esmagadora responsabilidade” de Paris. A comissão teve acesso às mesmas notas da inteligência francesa, mas Survie diz que a comissão preferiu “abandoná-las”.
Historiador reage a acusação de omissão
Em seu relatório final, o historiador Vincent Duclert e sua equipe, segundo Survie, “silenciaram” o papel dos mercenários. A organização denuncia uma “disposição para ocultar elementos incriminadores”.
Diante dessas acusações, o historiador reagiu rapidamente, negando ter ocultado a participação dos mercenários. “A comissão não escondeu as notas da DGSE. Refiro-me a elas nas páginas 501, 1099, 1102, 1196 do relatório”, disse. “A comissão de pesquisa também mediu toda a importância dessas notas, e quaisquer ligações entre as autoridades e esses mercenários foram analisadas pela comissão. Conduzir um dossiê de pesquisa como fazem os pesquisadores implica não estar satisfeito com uma única fonte, mesmo da DGSE, portanto questionar outros acervos, cruzar os documentos”, explicou.
Duclert alega, no entanto, que o grupo não teve tempo para realizar esse trabalho. “A comissão não conseguiu obter outros arquivos a tempo de fazer o trabalho de um historiador atestando um conhecimento verificado”, argumentou.
Segundo ele, o relatório da Survie não é suficientemente rigoroso e aponta o fato de o relatório em questão conter apenas 17 páginas. “Não basta exibir alguns documentos, denunciar os delitos da comissão Duclert e negligenciar os desenvolvimentos metodológicos para fazer história”, defende Vincent Duclert. “Eles realmente trabalharam muito pouco tempo e muito rápido, o que é muito embaraçoso para os autores da publicação.”