O Irã vai surpreendendo o mundo, graças aos seus elevados indicadores sociais, educacionais, pelo seu desenvolvimento cultural e científico.
Por Beto Almeida.
Imediatamente após a eclosão da Revolução Islâmica no Irã – um poderoso movimento de massas liderado pelo aiatolá Khomeini – o imperialismo congelou todas as reservas iranianas no sistema bancário internacional, estimadas em 100 bilhões de dólares. Isso foi em 11 de fevereiro de 1979, quando, ao preço de grande quantidade de vidas, esta rebelião popular se levantou corajosamente contra a ditadura monárquica do Xá Reza Pahlevi, que governava a nação persa mediante um brutal opressão praticada pela sanguinária polícia Savak, sem a menor sombra de eleições durante décadas, e com o total apoio das chamadas “democracias ocidentais”, especialmente os EUA e a Inglaterra.
Aliás, no momento em que foi derrubada, a monarquia do Xá estava justamente implementando, com o apoio de tecnologia inglesa, o seu programa nuclear. Era o cálculo cego do imperialismo sobre os movimentos da história, que, naquele ano de 1979, também daria ao mundo a Revolução Sandinista, na Nicarágua, em 19 de julho, inaugurando outra via histórica para a pátria de Sandino, que a faz hoje um país membro da Celac, tendo eliminado uma vez o analfabetismo, preparando-se para fazê-lo pela segunda vez, sempre com o apoio indispensável de Cuba.
Pretexto nuclear
A hipocrisia imperial se revela com toda intensidade por ser hoje o Programa Nuclear Iraniano o pretexto levantado pelos EUA e outros países imperiais, como a Inglaterra e a França, para justificar a colocação de sanções econômicas e políticas contra o Irã. Quando era a ditadura monárquica do Xá, tudo bem, era justo ter um programa nuclear, inclusive para intimidar o nacionalismo revolucionário árabe. Agora, o programa nuclear iraniano é uma “ameaça”.
As sanções contra o Irã são variadas e afetam a sua economia, dificultam o acesso dos persas ao sistema financeiro internacional, inibem o crescimento de sua indústria de turismo, criam problemas para a reposição de peças, por exemplo, para a aviação nacional. Além disso, há um bloqueio também no que se refere à comunicação iraniana, pois suas três emissoras internacionais (uma em inglês, outra em espanhol e outra em árabe), foram simplesmente desconectadas dos satélites europeus. Mesmo assim, alguns países membros da União Europeia, responsáveis por esta obscurantista censura informativa, ainda mantém o descaramento de se auto declararem democráticos. É o caso da França e da Inglaterra que, depois de terem ocupado militarmente a Líbia, agora admitem estarem envolvidos no apoio aos grupos terroristas fanáticos na Síria, em aliança com a monarquia da Arábia Saudita, onde as mulheres sequer podem votar.
No Irã, as mulheres votam regularmente desde o início da Revolução Iraniana, ocupam a maior parte das profissões mais qualificadas e, em 35 anos, os persas já escolheram, por nove vezes, pelo voto popular, de quatro em quatro anos, o seu presidente da república. No Brasil, isso só ocorreu a partir de 1989. O apoio dos persas à sua revolução é notável, de tal forma que até a mídia internacional vinculada aos países que organizam sanções e sabotagens contra o Irã é obrigada a reconhecer que, neste dia 11 de fevereiro, milhões de iranianos concentram-se nas ruas de Teerã para apoiar a chegada ao poder do Aiatolá Kohmeini.
Respaldo popular ao programa nuclear
Esses milhões de iranianos que comparecem às ruas de Teerã hoje manifestam igualmente o apoio à negociação sobre o Programa Nuclear Iraniano. O Irã tem respaldo popular para reivindicar o seu direito a desenvolver, com seus próprios cientistas, a sua tecnologia nuclear. Não raro, cientistas nucleares iranianos, altamente considerados em escala internacional, têm sido alvo de atentados e seqüestros, com o governo persa responsabilizando Israel por estes atos.
Interessante notar que os termos da negociação atual, iniciada em novembro, em torno do tema nuclear é similar ao conteúdo da Declaração de Teerã de junho de 2009, firmada por Lula e o ex-presidente Mahmud Ahmadinejad, com o apoio do mandatário da Turquia. Tal como o Irã, o Brasil também possui seu programa nuclear e, mais que isto, tem o direito ao desenvolvimento de sua própria tecnologia nesta área. Para quem possui o manancial de petróleo que tem – tal como o Irã – e também o vasto território, rico em nióbio, silício, água, biodiversidade, é prudente desenvolver suas próprias tecnologias, sobretudo sua indústria de defesa. Tarefa que o Irã fez nestes 35 anos de revolução. Alcançou um grau de soberania e autonomia tecnológicas nas áreas de petróleo, telecomunicações, exploração espacial – onde desenvolveu, fabricou e lançou seus próprios satélites – tem indústrias aeronáutica, ferroviária e automobilística próprias, e, em cada 5 dos mais sofisticados medicamentos produzidos no mundo hoje, um deles é iraniano.
Estes 35 anos de revolução persa não foram sem agressões: uma guerra de 8 anos contra o Iraque que, naquela época, tinha um Sadam Houssein como títere dos EUA, que lhe deram apoio para atacar o Irã. Os mártires iranianos são altamente cultuados, respeitados e reverenciados pelo povo iraniano, pela sua literatura, sua televisão e seu cinema.
Guerra e oportunidade
Mas, esta guerra – que não foi escolha iraniana – foi transformada em grande oportunidade para um desenvolvimento da indústria de defesa iraniana, já que não tinha com quem contar naquela altura. O resultado do salto tecnológico na indústria de defesa pode ser medido, emblematicamente, pela captação, em pleno voo, do drone dos EUA que espiava o território iraniano. Para surpresa dos ianques, o drone não foi abatido no ar: foi interceptado, tendo havido penetração da defesa eletrônica iraniana em seus comandos e a aeronave, já sob comando persa, pousou tranquilamente em uma base aérea militar do Irã. Por alguns dias, os comandantes militares dos EUA ficaram mudos. Não sabiam que explicação dar, pois tinham perdido o controle do drone. A soberba lhes impedia inclusive de mostrar irritação. Até que o Irã divulgou amplamente a foto da aeronave. Não bastasse este constrangimento para a arrogância norte-americana, Barack Obama, sem ter qualquer senso de ridículo, solicitou ao governo iraniano a devolução do drone. A resposta do governo persa foi de cristalina soberania: primeiro de tudo, peça desculpas públicas pela violação do espaço aéreo do Irã. Até hoje o drone continua em território iraniano, provando que, em 35 anos, enfrentando a sabotagem imperialista internacional, rompendo com a dependência financeira, tecnológica, política, é possível avançar muito em soluções próprias, como se revela no sofisticado desenvolvimento da indústria de defesa persa.
Se pudessem
Representativa desta evolução iraniana nestes 35 anos de conquista de soberania é a declaração recente do Líder Kamenei: “nós negociamos com os EUA, mas sabemos que na mente destes está o desejo de atacar e destruir o Irã e a nossa revolução”. E acrescentou: “Eles nos destruiriam, se pudessem”.
Enquanto o Irã vai surpreendendo o mundo, graças aos seus elevados indicadores sociais, educacionais (analfabetismo praticamente zero), pelo seu desenvolvimento cultural e científico (cinema, por exemplo), o governo do Presidente Hassan Rouhani vai apresentando aos países que o sancionam uma variante na maneira de defender os mesmos direitos nucleares do Irã, defendidos antes no estilo combativo e incisivo do ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad. Entretanto, a nova diplomacia da “flexibilidade heroica” empreendida pelo governo Rouhani, não tem conseguido, até o momento, uma mudança substancial na dose de agressividade imperialista em relação ao Irã.
Apesar de o Irã ter aceito adotar, voluntariamente, algumas medidas com a expressa finalidade de extirpar dúvidas sobre a natureza pacífica de seu programa nuclear, a Casa Branca, não apenas lançou novas sanções, mas foi ainda mais longe, passando a ameaçar com uma opção militar contra a nação persa caso Teerã não se comprometa com as exigências impostas pelo Ocidente em relação ao programa nuclear.
A frota iraniana e a flexibilidade heroica
Vale registrar que durante as negociações de novembro último, em Genebra, ficou acertado que durante 6 meses não seriam implementados novos embargos ao Irã, o que evidencia o caráter ilegítimo da novas sanções e uma atitude completamente dúbia por parte da Casa Branca. Por isso mesmo, compreende-se que também faça parte da “flexibilidade heróica” a manobra naval que, pela primeira vez na história do país, leva uma grande frota iraniana ao Oceano Atlântico, com o objetivo não só de comemorar os 35 anos da Revolução, como também de advertir sobre a capacidade de defesa ante a qualquer ameaça. Foi o que declarou o contra-almirante Habibolá Sayari, Comandante da Força Naval do Exército, argumentando que o Irã não vai invadir nenhum país, mas que “80 por cento das águas do planeta são águas livres e pertencem a todos os países do mundo, portanto, as diferentes nações têm direito de estar presentes nelas”.
Novo mapa geopolítico
A processo iraniano deveria ser objeto de refinada atenção do governo brasileiro e das forças de esquerda em especial, pois revela, em razão de um conjunto de fatores adversos lançados contra si, como a nação persa transformou-se hoje uma peça chave para a geopolítica do Oriente Médio – o apoio à Palestina é política de estado do Irã – mas também no novo mapa que está sendo desenhado na região. Basta mencionar que a aliança formada entre Irã, Rússia e China tem sido determinante para impedir, até agora, que a Síria seja alvo de uma intervenção direta da Otan, o que pode ser considerado, embora não admitido, uma reviravolta da postura de “lavar as mãos” que estes três países tiveram, há alguns anos, em relação a ocupação militar imperialista da Líbia, deixando-a à sua própria sorte.
Do ponto de vista energético, há muitas iniciativas do Irã em direção a países decisivos na cena mundial, como China e Índia, além de suas importantes parcerias com alguns países da América Latina, razão pela qual o país persa já montou uma televisão em língua espanhola, indicando como considera estratégica tal política. Só registrando, até hoje o Brasil não se associou à Telesur e sequer construiu uma comunicação própria para América Latina, num total descompasso com a política exterior, permitindo-se argumentar que a TV Brasil esteja hoje à direita do Itamaraty.
Tudo o que o Irã construiu, sob bloqueios e sanções imperiais, o Brasil também teria condições de alcançar, não fosse o período de desconstrução do estado levado a cabo pelo vendaval neoliberal. O Brasil já teve uma das indústrias navais de maior porte do mundo, posteriormente destruída e agora em fase de reconstrução. O programa espacial brasileiro, em comparação com o iraniano, está apenas engatinhando, a despeito das grandes vantagens objetivas que o Brasil possui nesta área e muito embora tenha sido iniciado muito antes. Enquanto a Embratel e a Telebrás foram privatizadas e desnacionalizadas, o Irã deu um salto enorme nesta área, sob o controle estatal, evidentemente.
Mas, apesar dos descompassos, há enormes potenciais para um relacionamento mais coordenado entre Brasil e Irã, especialmente pela presença crescente dos persas na América Latina, especialmente na Venezuela, Equador, Bolívia e Argentina.
Para o desenvolvimento destas relações, é indispensável que o Brasil possa conhecer mais objetivamente a nação iraniana, tratando de difundir informações verazes sobre as conquistas dos persas, única maneira capaz de desconstruir as sombras de grosseiras desinformações que se armaram em torno daquele país. Mas, como o Brasil e seu povo não dispõem sequer de um sistema de comunicação e informação objetivo e confiável sobre si próprios, voltamos sempre a ponto inicial: a urgente necessidade de democratização da comunicação no Brasil, pois seu povo sequer sabe, corretamente, até hoje, o que significa, por exemplo, a participação brasileira na construção do Porto de Mariel, em Cuba, e suas várias repercussões positivas para a economia brasileira e latino-americana.
Com o Irã, o Brasil possui vários fatores em comum e por eles também é alvo em potencial da hostilidades imperialistas, mesmo que não no grau que hoje é praticado contra os persas. Citemos apenas três destes fatores – ambos possuem programa espacial, programa nuclear e abundância petroleira – para demonstrar a necessidade de acompanharmos atentamente – e expressando a solidariedade brasileira – o processo em curso no Irã, após 35 anos de resistência e de avanços.
Foto: wikimedia commons
Fonte: Carta Maior