Lei “contra o terrorismo”: por que é possível evitar

Mobilizações seriam “ato de terror”? Cresce consciência de que projeto é desnecessário — e pode restringir liberdades e mobilizações sociais. Debate será retomado no Senado semana que vem.

Por Antonio Martins.

Ceará, junho de 2013. Aposentado encara tropa de choque.
Ceará, junho de 2013. Aposentado encara tropa de choque.

A enorme pressão dos setores mais conservadores da sociedade para a aprovação de uma “lei antiterror” (leia texto rancoroso do jornalista Reynaldo Azevedo) encontrou ontem um obstáculo. Repercutiram no Senado, onde tramita a proposta relativa ao tema (PLS 449 / 2013), as críticas que, originárias de juristas preocupados em garantir a liberdade de manifestação, foram difundidas pelas redes sociais. A votação, que estava prevista para ontem, foi adiada para a próxima semana. Ficaram mais claras as diversas posições existentes no Congresso.

Os senadores mais claramente favoráveis à votação da nova lei são Aloysio Nunes (PSDB-SP) e Romero Jucá (PMDB-RR). Eles ecoam uma tese apelativa formulada por Reynaldo Azevedo, para quem o país precisa da nova norma, “ou a Copa do Mundo corre o risco de se encontrar com o caos”. Já os dois senadores do PT — Paulo Paim (RS) e Jorge Viana (AC) –, que atraíram os holofotes da mídia na véspera, ao defenderem votação imediata do projeto, recuaram parcialmente. Continuam defendendo a suposta importância da lei, mas afirmam que ela precisa garantir de forma explícita, em seu texto, que não haverá restrições à liberdade da manifestação. Viana chegou a declarar, ontem, que “se houver este risco, é melhor não ter lei”. Uma posição ainda mais clara, contra o projeto, foi manifestada pelos líderes do PT, Humberto Costa, e PSOL, Randolfe Rodrigues. O petista postou, em seu twitter: “Acabo de sair da reunião de líderes. No PT, cremos que esse projeto contra terrorismo é muito amplo e pode criminalizar movimentos sociais”. Randolfe foi ainda diretíssimo. ”Eu não sei o que pode vir de uma lei que quer, claramente, tipificar movimento sociais como terroristas”, disse este último.

Sua posição coincide com o que pensam advogados que atuam com os movimentos sociais. Juliana Brito, que assessora os Comitês Populares contra a Copa, é uma delas. Ela lembrou que já há na legislação atual, dispositivos que permitem punir os autores de crimes previstos no PL 449 — como homicídio, destruição de patrimônio, emprego de explosivo e muitos outros. Mas advertiu: o projeto de “lei antiterror” está redigido de forma especialmente genérica e vaga, de modo a permitir amplo enquadramento — inclusive de manifestantes. Por exemplo: segundo o texto, “terrorismo”, punível com penas de 15 a 30 anos de prisão, é “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade da pessoa”. Juliana questiona: “É muito abstrato. Podemos compreender então que uma matéria [jornalística] distorcendo a realidade pode espalhar o terror ou o pânico, e aí a empresa responsável também seria enquadrada?”

Apoiando-se nos mesmos argumentos de Juliana, o jurista Pedro Abramovay escreveu ontem uma carta ao senador Jorge Viana (PT-AC), de quem se diz “um grande admirador”. Abramovay analisa o tema a partir do cenário internacional e das inúmeras legislações “antiterror” adotadas após o 11 de setembro. Ele lembra: “O mundo viveu uma onda de legislação antiterrorista após os atentados de 11 de setembro. Penas altíssimas. Países que não tinham nenhum problema com terrorismo passaram a aprovar legislações duras, flexibilizando direitos, criando noções bastante amplas do que vem a ser terrorismo. O resultado foi trágico. De Guantánamo aos centros de tortura espalhados pelo mundo. De grampos generalizados a perseguições a adversários políticos. A justificativa da luta contra o terrorismo deixou o mundo hoje um lugar menos livre. Os valores democráticos estão mais frágeis. E o mundo não está necessariamente mais seguro.”

O adiamento da votação no Senado, e as hesitações dos parlamentares que se mostraram mais afoitos em defender a nova lei são um ótimo sinal. Parece claro que há uma brecha para evitar o retrocesso. Dependerá, é provável, de repercutir mais amplamente argumentos como os de Juliana Brito e Pedro Abramovay — e de produzir mobilização em torno deles.

Fonte: Outras Palavras

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