Claudia Weinman segue registrando a realidade do povo indígena em São Miguel do Oeste/SC. Em sua coluna n’A Outra Reflexão, o tema voltou com tudo. Agora parece que existe um olhar de esperança na construção da casa de passagem indígena. Qualquer ataque, ameaça, não cumprimento de promessa sobre esse tema será registrado, certamente.
Por Claudia Weinman, para Desacato. info.
Estava escrevendo a partir de um texto de Jacyntho Lins Brandão, intitulado: “Nós e os gregos”, para um trabalho, no final de semana. Uma leitura bastante interessante, especialmente quando se refere ao sentido de palavras como: “origem”. Em particular, essa leitura está sendo mencionada nessa coluna por uma razão: O de “pensar com e pensar contra”, um subsídio do autor para reflexão que desejo fazer. A pergunta é de como nos relacionamos com as diferenças e o que aprendemos sobre a origem das coisas, das pessoas, da vida em geral.
Foram muitas as matérias sobre a realidade dos povos indígenas em São Miguel do Oeste já postadas aqui. Existe um Jornal, de Web TV, chamado: JTT Indigenista que vai ao ar em Desacato.info e redes, é o primeiro jornal semanal com pautas indigenistas do Brasil. Também, uma grande reportagem mensal intitulada: Vida em Resistência, que narra à vida a partir dos povos em diversos estados brasileiros, editado e produzido desde a linha de fronteira com a qual nos encontramos, a poucos quilômetros da Argentina, nosso país irmão.
Desde aqui, já narramos situações diversas. Indígenas colocados em caminhão da prefeitura e jogados em área afastada da cidade. “Intercessão” de vereadores, apelando ao Ministério Público Federal e à Fundação Nacional do Índio (Funai) para que “resolvam” a situação das crianças indígenas que culturalmente vivem nas cidades e para além disso, tem direito à terra urbana. Indígenas que “invadiram” o cemitério municipal para tomar água e incomodaram a comunidade. Indígenas que andam pelas ruas e, andam pelas ruas e, ocupam o espaço urbano e, andam pelas ruas novamente, e, preconceito e ponto final.
Mas qual relação disso com o texto do Brandão?
A educação bancária e a roda da história econômica do Brasil na circunferência da América Latina nos conduziram a pensar que o Brasil nasceu de uma descoberta. Que os índios eram seres extraordinários no sentido de: esquisitos mesmo, como o dicionário Caudas Aulete aponta. Mas, na verdade, tudo se reiniciou em Pindorama com a invasão de portugueses e espanhóis, mulheres foram estupradas, a mestiçagem fora forçada, um cenário que se encontrou com os povos ricos em sabedoria e cura, vistos como mão de obra escrava e que poderiam fornecer acesso ao conhecimento de certas coisas que se tornaram mercadoria na história.
Não é tão simples pensar esse passado, assim como, descrever o presente não tem sido tão diferente. Um contexto de sangue, ainda dolorido. A tentativa de branqueamento sempre permeou as principais discussões na disputa de espaço e quando nos deparamos com pichações como essa, da nossa foto de capa, percebemos que falta demasiadamente muito para a humanidade superar seu medo da alteridade, o respeito às diferenças culturais que deveriam, no mais, ser elemento de avanço, de conhecimento, de enriquecimento dos povos e não de segregação e matança.
A casa de passagem
No dia 25 de junho de 2019, às 16h35, uma matéria foi publicada no site do Ministério Público Federal com informações a respeito do “Inquérito Civil 1.33.012.000857/2015-89, que tramita na Procuradoria da República em São Miguel do Oeste” e trata da situação das famílias indígenas que se deslocam até a cidade para comercializar seus artesanatos.
Segundo consta no texto, “a previsão para conclusão do projeto arquitetônico e orçamento da obra é o mês de agosto. Na sequência, começará a fase de obtenção das verbas e execução da obra, com previsão para a construção ser iniciada ainda no segundo semestre deste ano”.
A casa de passagem é uma luta de anos dos povos indígenas, em todos os espaços urbanos. As cidades foram construídas para afastar sistematicamente os povos da terra. É claro que a leitura não é tão simplista, mas negar o fato de que foram afastados de maneira brutal seria um grande erro. O que se faz com a luta por uma casa de passagem é possibilitar a garantia de dignidade e acolhimento, não é benevolência, delicadeza, favor ou coisa do tipo. Chama-se: Justiça.
Que a casa de passagem seja a primeira insígnia de que as coisas podem ser diferentes. De que a humanidade pode ser humana. Um sinal de acerto, um olhar de esperança.
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Claudia Weinman é jornalista, diretora regional da Cooperativa Comunicacional Sul no Extremo Oeste de Santa Catarina. Militante do coletivo da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e Pastoral da Juventude Rural (PJR).
A opinião do autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.
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