Por Catarina Barbosa.
Um relatório apresentado na quinta-feira (25), pela comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor, da Assembleia Legislativa do Pará (CDHDC-Alepa), apontou contradições e inconsistências na versão apresentada pela Polícia Militar para o caso do assassinato do indígena Isac Tembé, ocorrido no dia 12 de fevereiro, no município de Capitão Poço, no nordeste do estado.
Liderança do povo Tembé Theneteraha, Isac, de 24 anos, foi alvejado com vários tiros no peito. Segundo a versão oficial, o jovem morreu após confronto com policiais militares, que o teriam flagrado roubando uma carcaça de boi. Os indígenas negam esta versão e afirmam que Isac estava desarmado e não praticava o furto. O jovem vivia na região do Alto Rio Guamá, foco de disputa por terras.
“A versão apresentada pelos policiais militares é sucinta e carece de detalhes que deveriam ser informados no relatório de letalidade, peça que não consta nos autos do Inquérito Policial (IPL)”, diz um trecho do documento.
Entre os pontos abordados no relatório, estão: a divergência entre o horário relatado pelos policiais no inquérito e a apresentação do cadáver de Isac, pelos próprios policiais, no hospital, o que teria levado 3 horas quando o hospital fica a 20 minutos do local do crime; e a retirada da arma supostamente pertencente a Isac do local do crime antes dos devidos procedimentos prévios de perícia.
O deputado Carlos Bordalo (PT), presidente da CDHDC, disse, em entrevista coletiva durante a apresentação do relatório, que há lacunas de informação a respeito da conduta dos policiais no episódio.
“Em toda arma disparada fica a prova. Não adianta alguém pegar o dedo de alguém e atirar que não é a mesma coisa. Foi feita essa parte da perícia que é fundamental para elucidar se o Isac estava ou não com esse revólver? Caso negativo, por que não procedeu dessa forma? Esses questionamentos são fundamentais para a elucidação da conduta dos policiais envolvidos na operação e poderão lançar luz sobre fatos, uma vez que não é aceitável que qualquer policial, civil ou militar, desconhecesse os procedimentos, o que os envolve em suspeitas e os torna definitivamente implicados criminalmente com o resultado da operação”.
Segundo a liderança do Alto Rio Guamá, Wender Tembé, também presente na apresentação do documento, há anos o seu povo luta para poder continuar em suas terras e que o poder público não tem dado respostas.
“A gente vem lutando por justiça não somente por esse caso recente que aconteceu, mas pela desocupação do nosso território. Isso há 40 anos, na justiça, e a gente nunca teve uma resposta. Durante esses 40 anos a integridade dos Tembé está sendo negada. Desde a enorme ferida que um fazendeiro abriu dentro da reserva, que gerou fluxo de mais de 400 famílias na Terra Indígena, eles se estabeleceram nessa terra fazendo campo para pastagens. Jogam agrotóxicos no entorno da Terra Indígena e dentro da Terra Indígena, roubando madeira, alimento, açaí, caça e a gente sempre recorrendo à justiça”, afirmou.
Durante a entrevista coletiva, o deputado Carlos Bordalo (PT) reforçou a necessidade de se avaliar a questão territorial, assim como pedir o afastamento dos policiais envolvidos no caso.
O corregedor geral da Polícia Civil, Raimundo Benassuly Maués Júnior, também presente na reunião, afirmou que a responsabilidade por avaliar a conduta e o afastamento dos policiais é de regimento interno da Polícia Militar. “Essa matéria é de disciplina militar, ela é baseada no estatuto deles, a nossa competência é da apuração do crime contra a vida. A parte militar tem um estatuto próprio, uma legislação própria. Nesse caso, seria com a Corregedoria da Polícia Militar, que vai tomar providências com relação a isso”, disse.
Procurada pela reportagem do Brasil de Fato, a Secretaria de Segurança do Pará enviou a seguinte nota:
A Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) informa que não foi notificada sobre o relatório da Comissão de Direitos Humanos da Alepa. Sobre as investigações, a Polícia Civil do Pará informa que deslocou equipes até a região da ocorrência para realização de perícia no local do crime. Testemunhas foram ouvidas, assim como os policiais militares envolvidos. As armas utilizadas na ação foram encaminhadas à perícia, incluindo o revólver utilizado pelo indígena durante o confronto. Um inquérito policial foi instaurado para apurar a situação. O prazo legal para conclusão é de 30 dias, podendo ser prorrogado.
Em relação aos policiais militares envolvidos no caso, a Polícia Militar informa que a Corregedoria instaurou Inquérito Policial Militar no dia 15 fevereiro de 2021 e que prossegue investigando. Os três policiais envolvidos na ocorrência serão submetidos à avaliação psicológica, conforme determinam os protocolos internacionais para agentes de segurança envolvidos em intervenção policial que culminem em morte. Após avaliação, serão designados para atividades internas em outras unidades até a conclusão do inquérito Policial Militar.
Edição: Rogério Jordão.