Reflexões sobre o carnaval e vivas à Vai-vai. Por Sebastião Costa

No carnaval são destruídos os batentes que estratificam a nossa pirâmide social.

Foto reprodução.

Por Sebastião Costa. 

Há quem acredite que o carnaval tem haver com o ‘circo’ da política do ‘pão e circo’ da Roma antiga.

O exército romano engolindo territórios mundo afora, custos militares comprometendo o orçamento do império, com repercussões sociais numa plebe já sofrida, mas devidamente domesticada com os grandes espetáculos no ‘Gran Circus Coliseu’.

E se um dia perguntarem a um folião das ruas de Recife sobre o carnaval, ele pode simplesmente desabafar: Tanto riso, Quanta alegria tem o poder de soterrar as mágoas e amarguras de sua rotina sem graça.

Mas, talvez fosse racional pensar que o carnaval tem a capacidade de confrontar, desrespeitar essa lógica social perversa incrustrada em nosso país desde as eras pré princesa Isabel.


No carnaval são destruídos os batentes que estratificam a nossa pirâmide social.

Acrescente-se ainda a esse raciocínio a ideia de que ele, o carnaval, oferece um porre de lança perfume, que nos retira momentaneamente de um sistema que nos escraviza, exigindo uma rotina de trabalho para conquistar/manter um lugar privilegiado nos batentes da pirâmide.

Já o pesquisador e historiador Luiz Antônio Simas traduz o carnaval falando de um ‘Brasil que deu certo’. Aquele da ‘Lei da Terra’ que concentrou quase tudo nas mãos dos latifundiários, aquele da Lei da Princesa, que re-escravizou os escravos jogando-os na sarjeta das ruas.

Esse ‘Brasil que deu certo’ “desarticulou sentidos coletivos de vida e aniquilou as culturas não brancas”, concentrou muitas terras e jogou a renda no bolso de muitos poucos.

Mas, para inserir o carnaval nesse contexto ele, o historiador, fala do “Brasil que deu errado”. Aquele que no pós Lei da Princesa nasceu e se desenvolveu nas sarjetas das ruas, ‘na aniquilação das culturas não brancas’.

E é esse ‘Brasil que deu errado’ que aflora no carnaval com toda força para deleite do ‘Brasil que deu certo’. Um Brasil todo-poderoso que desfila por aí no carro alegórico da arrogância, montado na garupa da insensibilidade social e na certeza de nunca ser perturbado

Ocorre que essa história dos dois Brasis enfeitados e harmonizados, esqueceram de combinar com a Escola de Samba Vai-vai do carnaval paulista.

De repente ela, a Escola, joga na cara do ‘Brasil que deu certo’ a realidade nua e crua do ‘Brasil que deu errado’. Onde já se viu isso? Não pode!!!

Muitas folhas da ‘Folha’ e muitos outros porta-vozes do ‘Brasil que deu certo’ danaram-se a demonizar o desfile, que tinha como destaque um ministro afro, mostrava as agruras da periferia e exaltava a resistência negra.

A extrema direita na sua genética agressiva acusou a escola de “bandidólatra”.

E o poder constituído – pelo ‘Brasil que deu certo’, responsável pelos massacres recorrentes, repressões persistentes das populações vulneráveis, prometendo penalizar a Escola porque teve a ousadia de mostrar, sem alegorias, as entranhas do ‘Brasil que deu errado’.

Coisas do ‘Brasil que deu certo’!

Sebastião Costa – médico

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