Para potencializar a geração de novos postos de trabalho, a redução da jornada de trabalho deve vir acompanhada de medidas como o fim das horas extras e uma nova regulamentação do banco de horas, que não permitam as empresas compensarem os efeitos de uma jornada menor, com outras medidas, que não sejam a contratação de novos trabalhadores. Essas e outras ações são necessárias porque a contratação de novos trabalhadores tem sido, em geral, a última alternativa utilizada pelos empresários, que adotam outros métodos que acabam impedindo a geração de empregos. Como por exemplo, a introdução de novas tecnologias de automação ou organizacionais, utilização de horas extras, uso do banco de horas e a intensificação do ritmo de trabalho, para citar apenas alguns deles.
Existem várias formas de apropriação dos ganhos de produtividade que, embora gerados coletivamente, são distribuídos de acordo com a correlação de forças na sociedade. A produtividade pode ser incorporada aos lucros, beneficiando o capital; pode levar à queda dos preços, beneficiando a sociedade (o que de fato ocorre, especialmente em prazos mais longos); pode ser incorporada aos salários, beneficiando os trabalhadores.
Em algumas sociedades a distribuição da produtividade é objeto de negociação social e com isso se faz uma divisão entre empresários, trabalhadores e sociedade em geral, de acordo com a correlação de forças, mas também segundo os interesses conjunturais. Quando aumenta a produtividade por qualquer razão, torna-se necessário menos tempo de trabalho para produzir determinada mercadoria, o que possibilita uma opção, por parte das empresas entre transformar essa redução do tempo necessário para a produção em redução da jornada, ou simplesmente demitir trabalhadores (no caso de a demanda permanecer inalterada).
Para a maioria da sociedade não há dúvidas de que a melhor opção seria, em face de uma impossibilidade de aumento imediato da demanda, reduzir a jornada de trabalho. Porém a lógica da administração capitalista, nessa situação, é quase sempre demitir. A redução da jornada, sem redução dos salários, significaria o aumento do preço da força de trabalho, o que normalmente não é uma opção do dono do capital. Daí a necessidade de mobilização dos trabalhadores em torno do tema.
No que se refere ao argumento empresarial, que aponta para o risco de a redução da jornada elevar os custos de produção, é importante precisar melhor o assunto, para não ficar no senso comum. A reivindicação histórica das centrais sindicais, de uma redução das atuais 44 horas semanais de trabalho para 40 horas semanas, representa uma diminuição em 9,09% (4 sobre 44) na jornada de trabalho. Conforme dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) o custo da força de trabalho (no custo total industrial, segundo a Pesquisa Industrial Anual (PIA)) está em torno de 9,5%. Dessa forma, uma redução de 9,09% da jornada de trabalho, representaria um aumento no custo total de menos de 1%.
Claro, esse dado irá variar a depender do setor da economia, do tamanho da empresa, da região do país etc. Mas ele serve como uma referência importante quando se faz a reflexão sobre o custo econômico da redução da jornada. Uma medida de redução da jornada nacional de trabalho deve vir acompanhada de um conjunto de medidas essenciais e inadiáveis. Por exemplo, pode-se deduzir que com uma simples redução dos juros praticados no Brasil, que são os mais elevados do mundo em termos reais, o aumento do custo da força de trabalho, trazido pela redução da jornada, seria facilmente compensado.
Esse dado permite visualizar onde está o nó da questão, quando se trata do debate sobre a redução da jornada de trabalho sem redução de salários. Redução de juros significa diminuir os superlucros dos bancos, rentistas e outros especuladores, setores com muita força na sociedade, apesar de extremamente minoritários. Ou seja, há folgadas condições técnicas para reduzir a jornada de trabalho, porém tal conquista pressupõe mobilização da maioria. Como se sabe, há todo um sistema propagandístico, que esconde os superlucros dos rentistas, que compõem um verdadeiro sistema de drenagem de riqueza da sociedade em benefício do capital financeiro.
Além da necessária redução dos juros um conjunto de outras medidas deveriam ser encaminhadas. Por exemplo, como o impacto da redução da jornada é diferenciado por porte e setor econômico no qual atuam as empresas, são importante medidas que amparem as pequenas e médias empresas com crédito mais barato e medidas de política industrial, específicas. Ao contrário do que argumentam alguns setores empresariais, a redução da jornada não irá tornar a economia nacional menos competitiva internacionalmente. Quando se fala em perda de competividade está se considerando a redução da jornada como uma ação isolada, descolada de um conjunto de medidas fundamentais, como por exemplo, uma reforma tributária com caráter de cobrança progressiva de impostos. Os fatores que retiram ou dão competividade à indústria e à economia em geral estão ligados a estrutura tributária, juros, câmbio, política industrial, projeto de desenvolvimento etc.
Apesar da crise internacional da economia, é possível inferir que uma redução da jornada de trabalho, se acompanhada de um conjunto de medidas, seja um fator de disparo de uma retomada do crescimento. Há um número enorme de trabalhadores que estão fora do mercado de trabalho e do consumo, que são os desempregados. Estes totalizam 8,6 milhões de pessoas segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, divulgada pelo IBGE. A subutilização da força de trabalho no Brasil (taxa de desemprego somada à subocupação, ou seja, trabalhadores que estão operando menos horas do que poderiam e gostariam) alcançou, no seguindo trimestre, 20,4 milhões de brasileiros (44% da população da Argentina). Qual é o sentido de ter esse número de trabalhadores subutilizados e ao mesmo tempo manter cerca de 50 milhões de brasileiros dependendo do auxilio Bolsa Família para comer?
O fato de que uma redução de jornada leva a pessoa a trabalhar mais motivada, com mais atenção e concentração e sofrendo menor desgaste, permite se esperar, como resposta, um aumento da produtividade do trabalho. Assim, ao comparar o aumento de custo (%), que ocorrerá uma única vez, baseado no aumento da produtividade que já ocorreu no passado e continuará ocorrendo no futuro, vê-se que o diferencial no custo é irrisório. Quando se olha para a produtividade no futuro, em menos de seis meses ele já estará compensado. Esse argumento dá sustentação à afirmação de que a redução de jornada é uma forma de o conjunto dos trabalhadores participarem dos benefícios gerados pelas inovações tecnológicas e organizacionais e os ganhos de produtividade que proporcionam.
Com menos horas de trabalho, mantidas as demais condições, mais gente precisará ser incorporada no processo de trabalho, o que gera empregos. A redução da jornada de trabalho é um dos instrumentos que possibilita aos trabalhadores participarem da distribuição dos ganhos de produtividade produzidos pela sociedade. As inovações tecnológicas e organizacionais são consequências do acúmulo científico e do esforço contínuo de gerações. São, portanto, mérito de toda a sociedade. Assim, sua apropriação e utilização também devem ser feitas por todos.
José Álvaro Cardoso é economista, coordenador do DIEESE/SC e colunista no Portal Desacato.
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