Racismo e xenofobia faz parte da realidade da UFFS, em Chapecó

Por que eles colocam programas de Pró-Haiti para imigrantes acessar a universidade se eles não nos tratam com dignidade?

Por Jaine Fidler Rodrigues, para Desacato.Info.

O racismo inicia com o estranhamento dos imigrantes estrangeiros europeus no primeiro contato com os indígenas, os originários desta terra. Principalmente, a partir do período colonial, onde foram criadas as capitanias, houve exploração de terras e de recursos naturais em busca de lucros financeiros. Para tudo isto, necessitava-se mão de obra. Com pouca capacidade de entendimento da diversidade existente e o não reconhecimento da dignidade humana de pessoas com pele negra, a escravidão foi instaurada. Além dos indígenas, imigrantes afrodescendentes foram escravizados no Brasil por mais de três séculos.

Divulgação – UFFS

Porém, o pior é saber que o ciclo de racismo e xenofobia continua se repetindo. Em Chapecó, está realidade é visualizada na única Universidade Pública Federal – Fronteira Sul. É estranho pensar que numa universidade qual nasce de movimentos populares acontece racismo e xenofobia. Quanta hipocrisia e contradição. 

Conversei com duas estudantes do campus que optaram por não ser identificadas. Elas relataram sobre casos de racismo e xenofobia envolvendo estudantes e professores que acontecem desde o período que entraram na universidade. Diante destes acontecimentos, surge o questionamento: por que eles colocam programas de Pró-Haiti para imigrantes acessar a universidade se eles não nos tratam com dignidade? Por que eles nos recebem se não sabem como lidar com a presença de imigrantes? 

Uma das estudantes, relata observar situações onde estudantes imigrantes levantam a mão para perguntar ou expressar alguma ideia e o professor (a) simplesmente ignora. Ou mesmo, age como ser superior intelectual. Perguntam: “Se você está com dificuldade, o que você está fazendo aqui?”.

São diversas formas de racismo e a segurança é inexistente. Seja a segurança para expor suas reflexões durante as aulas ou se movimentar pela universidade. “Ali deveria existir pelo menos segurança, dentro da sala de aula”.

Uma das acadêmicas relata que o racismo acontece do transporte até dentro da universidade. Se ela encontra sua amiga no ônibus, ela tem companhia, mas se não, ninguém que a não conhece senta no seu lado. Às vezes, escolhem ficar de pé. Tudo isto é preconceito que afeta sua vida. Em silêncio, ela sofre e reflete: “eu nasci num país que existe só negros, não sabíamos o que era racismo. Não sabia que uma pessoa me olha devido à cor da minha pele, porque eu uso tranças porque eu adoro, e a pessoa me olha questionando o que ela está fazendo aqui? Ela não tem lugar aqui’. É como se olhassem que sou um bicho que entramos em lugar que não era para entrar. Nós sofremos assim”.

Para ela, se a universidade não queria estrangeiros, nem deveriam aceitar a entrada. Porque nós criamos expectativa que queremos uma vida nova, queremos entrar na sociedade. Aqui vira outra casa para nós. Nós estamos tentando entrar no mundo daqui, entendeu? Conseguir um emprego para a gente, tentar entender como funciona, mas muitos da população fecham as portas para nós. Por mais que a gente se esforce ao máximo. Se você não se esforçar tanto, você nunca vai conseguir. Isto me deixa para baixo, sim”.

Ela conta que poderia sair de casa com sentimento de alegria ao ir para a universidade. Com a expectativa de chegar no espaço e se sentir bem. Mas, pelo contrário, ela sente frustração e medo. A situação se agrava quando, principalmente, professores observam e até mesmo cometem racismo e acreditam ser brincadeira. 

 “Desde quando que racismo é

brincadeira ou piada?”

No primeiro semestre de 2022, a turma estava no último período de uma disciplina. Na programação da aula estava previsto apresentação de grupos sobre o conteúdo e ao final um momento de confraternização. Antes de iniciar a aula, considerando que haveria demora na apresentação dos trabalhos, as estudantes pediram para a professora se o café poderia ser antes. Porém, a resposta não foi somente negativa, como também refletiu o quanto pessoas carregam dentro de si o desrespeito. A professora, chamou estudantes cearenses de mortos de fome e afirmou que a estudante imigrante era igual, “morta de fome”, porque veio de país estrangeiro.

A estudante atacada saiu da sala de aula chorando. Posteriormente, elas ouviram que o foi dito e ouvido da professora era brincadeira, uma piada interna dos professores. “Isto é pesado para mim, muito pesado”. Mesmo que veio do Haiti, um país pobre, sua família sempre conseguiu garantir o alimento. “Eu não sei o que é passar fome, posso não comer churrasco todo domingo, mas comida a gente tem”.

“não tenho culpa de ser negra, nascer num país pobre, não tenho culpa de meu cabelo ser assim. Você nascer negra parece que é um castigo, é para sofrer,o mundo que me ensina isto.”

Por conta destas situações, estudantes imigrantes sentem a necessidade de se dedicar muito mais que estudantes brasileiros. Mesmo que se dedique 5 vezes mais, ainda assim, são desrespeitados. A imigrante, já chegou ouvir de colega de aula que ela era incapaz de realizar práticas de estágio. A colega me tratou como se eu fosse auxiliar dela. Não como uma estudante disposta a aprender”.

“às vezes eu penso será que eu estou no caminho certo? O que estou fazendo aqui? Isto mexe comigo. Eu tento ficar longe das pessoas que me machucam, pela minha saúde mental. Mas, se existe muito, existe muito”.

Numa outra oportunidade, uma das estudantes estava tomando café numa mesa, quando chegou uma colega que ao ser elogiada por pulseiras em seu braço, disse que teria que tomar banho, se benzer, e se limpar da energia que ela disse ser ruim, da negra Além disto, as discentes ressaltam: o preconceito não vem só por falas, vem por olhares. 

Ao pensar na possibilidade de denúncia, em primeiro lugar, a imigrante considera o sentimento de medo porque não pode pagar universidade aqui. Diante da orientação que a denúncia pode ser levada a instâncias superiores, falta confiança para que algo seja de fato feito. Porque junto desta orientação, o alerta: vai realizar denúncia mesmo? Você vai ter aulas com este professor. Além disso, para elas, como vai ser possível apresentar provas se nem ao menos se reconhece por parte de estudantes e professores que tais atitudes são racistas ou xenofóbicas?

“Que poder a gente tem? A gente não tem poder de nada. Sempre acima de nós temos os mais poderosos que não vão se abalar”.

Enquanto isto, não se sabe onde buscar ajuda dentro da universidade. Além de ser poucos os espaços, as soluções apresentadas são menores ainda. “Está acontecendo muito e eles estão só abafando. Por quê? Porque ninguém lá em cima é atingido!”.

Na universidade, não há espaços que oferecem atendimento psicológico específico a estes casos. Às vezes, a estudante conversa com o professor que possui conhecimento na área. Porém, ela não se sente confortável para contar destas situações para ele. “Porque eu não tenho voz, vontade de falar, eu tenho, mas eu estou com medo”. Quem sofre racismo ou está saindo da universidade, ou está com receio. Recentemente, um conhecido das estudantes trancou o curso por conta destas situações. Mas, nada é feito na universidade. Quem cometeu racismo, continua fingindo que nada fez.

Para elas, a solução para transformar está realidade é a aplicação de  punições. Como as coisas estão, seminário ou atividades do gênero não adiantam. Infelizmente, os responsáveis por este tipo de atitude podem mudar se perder posses. Ou seja, sentindo dor.

A estudante destaca a importância do respeito mútuo entre as pessoas: “se eu não faço para você, não deveria fazer para mim”. 

Pergunto, até quando? Os véus de ilusão e manipulação são tão grandes que não conseguem perceber a riqueza da diversidade entre raças e cores existentes no Brasil? Numa universidade pública ainda, não se sentem envergonhados? Ah, é. Estão levando tudo na brincadeira. Muito coerente a atitude diante de tantas problemáticas sociais-históricas para resolver (ironia). A seriedade, consciência e responsabilidade é indispensável. 

Minha solidariedade a todas as pessoas negras e imigrantes que ainda vivem estes tipos de situação. Desejo coragem.

 

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