Assinada por Jacqueline Moraes Teixeira e por Simony dos Anjos, (fé)ministas é a mais nova coluna do Justificando. Foi o contato com uma ampla teoria feminista e a participação ativa em movimentos sociais em defesa da diversidade que colocou para ambas a necessidade de pensar a posição das mulheres (e, especialmente, das mulheres negras) no campo religioso nacional e na conjuntura política atual sob outro prisma.
Pensando, por exemplo, qual tem sido o papel das religiões na arena política, quais moralidades estão sendo defendidas, e sob quais interesses religiosos tais pautas se fundamentam, como é o caso da Bancada da Bíblia, que tem pautado questões importantes de Direitos Humanos de forma contestável – principalmente no que diz respeito ao corpo e direitos sexuais/reprodutivos das mulheres.
Pois bem, sendo as duas de origem cristã e críticas à postura conservadora e retrógrada da Igreja, o que deveriam fazer num momento de tamanha barbárie e de debates desonestos fomentados pela relação, criticável, da religião com o Estado? Denunciar, a partir da produção de uma análise da conjuntura atual, as relações sórdidas entre Igreja e Estado e como essas relações têm papel preponderante na ofensa aos Direitos Humanos e à própria natureza laica do Estado.
Assim, o objetivo desse espaço consiste em realizar dois exercícios, o primeiro deles trata-se de denunciar a estrutura machista das igrejas cristãs, na qual a maioria de suas denominações não contemplam mulheres em posições eclesiásticas de liderança (não há mulheres ordenadas na Igreja Católica e em muitas denominações evangélicas) e que oprimem milhares de mulheres cotidianamente através da leitura enviesada dos textos bíblicos. Um segundo exercício diz respeito ao enfrentamento da crença cristã a partir do reconhecimento de movimentos heterogêneos, abrindo um espaço importante de visibilidade aos inúmeros movimentos de resistência de pessoas cristãs comprometidas com a defesa dos direitos civis.
No esteio dessa discussão está o Feminismo Cristão, que é desconhecido por muitos e condenado pelos religiosos. Mesmo que invisibilizado, esse movimento que reúne mulheres de fé cristã é de longa data, seu surgimento está atrelado a trajetória de movimentos teológicos importantes como é o caso da da Teologia da Libertação (por volta dos anos 1980, no Brasil e, na Europa, por volta de 1960), e tem orientado a leitura do texto bíblico para a crítica do patriarcado.
O Feminismo Cristão é o braço militante da chamada Teologia Feminista Cristã que, essencialmente, luta contra o uso político das imagens de Deus.
(Que na tradição aparece representado exclusivamente pela figura de um homem) relacionando a autoridade, e qualquer tipo de exercício de poder, à figura masculina.
O feminismo traz uma nova epistemologia para todas as ciências, inclusive as sociais, a jurídica e a teológica (que serão as grandes parceiras desta coluna). De modo que, esse também será um espaço importante para se pensar qual é o princípio epistemológico, bem como os campos de ação da Teologia Feminista, que consiste fundamentalmente numa esfera que possibilita a construção de um discurso teológico elaborado por mulheres.
Para além da Teologia Feminista Cristã, existe um sem-número de Teologias Feministas, que passam pelo Islamismo, Judaísmo, Budismo, dentre outros. O que nos faz reconhecer os limites do nosso lugar de fala, uma vez que a religião cristã não é única forma de experienciar a fé. Esse reconhecimento plural da fé nos permite abrir esse espaço para o diálogo com mulheres de outras religiões, também empenhadas em pensar suas posições em seu próprio sistema de crenças.
Assim, (fé)ministas se propõe a ser um espaço de todas as mulheres e de todas as religiões; se dispondo a ser um espaço de acolhimento de denúncias, de diálogo e de análise crítica de variados sistemas de opressão de gênero no campo da fé, visando a promoção da igualdade de gênero em todos os espaços, inclusive os religiosos. Abrimos esse espaço para que as leitoras nos encaminhem relatos, críticas e denúncias.
Todas nós merecemos respeito, e o respeito passa por não sofrermos discriminação de gênero estruturada por religiões pensadas, fundamentadas e lideradas pela dominação masculina.
Jacqueline Moraes Teixeira é graduada em Ciências Sociais (USP) e em Teologia (Mackenzie), Mestre e Doutoranda em Antropologia Social (USP) onde tem estudado as questões de corpo, gênero e religião.
Simony dos Anjos é graduada em Ciências Sociais (Unifesp), mestranda em Educação (USP) e tem estudado a relação entre antropologia, educação e a diversidade.
Para além de cientistas sociais, ambas são oriundas de denominações cristãs de tradição protestante, o que as ambientou desde muito cedo a uma educação religiosa de princípios considerados conservadores e patriarcais , até o momento em que se descobriram feministas (ou melhor, (fé)ministas.
Fonte foto de Capa: Daiane Mendes.
Fonte: Justificando.