Quem é responsável pelos crimes da PM?

É preciso que se compreenda que as polícias, sobretudo a militar, são estruturas formadas por cadeias de hierarquia muito rígidas, de estrita disciplina, nas quais a base da pirâmide é uma expressão final e concreta das ideias pensadas pelo comando das instituições.

Foto: Betinho Casas Novas/Futura Press/Folhapress

A explosão de casos de violência policial no Brasil tem sido realmente assustadora. Não que este seja um problema novo, mas os números recordes de letalidade que se espalham pelos estados brasileiros indicam que a situação está piorando de forma acelerada. A justificativa estatal aos abusos, porém, continua mais do mesmo: na boca de gestores e comandantes, cada caso de violência vira só “mais um caso isolado que será investigado e não representa a maioria dos policiais”.

Mas este problema está longe de ser apenas um caso de bons ou maus indivíduos. Na verdade, há todo um sistema completo por trás da violência policial que a legitima e a perpetua.

Claro que, primeiramente, devemos falar na conduta dos policiais militares de base que, cotidianamente nas ruas, protagonizam as cenas de truculência que agora povoam as redes sociais. Não se pode eximi-los da culpa pela atual situação, mas é preciso entender que estes são apenas a “ponta da lança” do sistema policial, a manifestação visível de um sistema ainda maior que opera sobre eles. A responsabilização destes policiais pelas violências que cometem é essencial, mas, sozinha, não resolverá o problema.

É preciso que se compreenda que as polícias, sobretudo a militar, são estruturas formadas por cadeias de hierarquia muito rígidas, de estrita disciplina, nas quais a base da pirâmide é uma expressão final e concreta das ideias pensadas pelo comando das instituições. E é aqui que chegamos aos segundos grandes atores da violência policial: os Comandantes das polícias, representados pelos Oficiais da PM, precisam ser responsabilizados pelos casos de violência que ocorrem sob suas ordens. Lembrem-se, por exemplo, que é o Comandante da ROTA quem determina, publicamente, que abordagens na periferia devem ser mais truculentas do que em bairros nobres.

Não podemos continuar admitindo que, em casos como a chacina de Paraisópolis, ocorrida na repressão a um baile funk, punam-se apenas praças da PM, como se aquela ação gigantesca que envolveu vários policiais não tivesse sido realizada sob o comando de oficiais da PM. Sabemos que as instituições militares são muito bem coordenadas para agirem sob um comando centralizado, esta é a essência do militarismo, e não se pode crer que estas ações sejam praticadas de forma quase espontânea, como a PM quer nos fazer acreditar.

Mas o problema da violência policial também não está apenas na PM. O que dizer, por exemplo, das centenas de Delegados de Polícia que todos os dias recebem pessoas presas por soldados nas ruas completamente espancadas e fazem vistas grossas para o ocorrido? Quantas vezes o rigor dos Delegados de Polícia para com pequenos traficantes não se repete quando diante de claros casos de violência cometida pela PM? A responsabilização pela violência policial também deve recair sobre estes, que claramente não têm cumprido seus deveres quando a criminalidade veste farda.

Vale dizer, aliás, que essa responsabilização não é tarefa apenas paras as Corregedorias internas das polícias. No Brasil, o controle externo das atividades policiais é exercido pelo Ministério Público, e a cobrança para que os abusos cometidos pelas forças de segurança pública sejam coibidos deve recair mais sobre os promotores. Vivemos num país, porém, em que parte massiva das condenações criminais que se veem pelos Tribunais é baseada única e exclusivamente na palavra dos policiais. Na realidade, o que se vê em julgamentos é uma verdadeira “dobradinha” entre as polícias e o Ministério Público que, num claro desvio de função, se tornaram órgãos de objetivos exclusivamente acusatórios, e não de justiça.

Por fim, cabe lembrar que tanto o Delegado quanto os oficiais da PM, é verdade, não estão sozinhos no topo desta hiperestrutura que se manifesta como violência de Estado. Afinal, vale dizer que os reais Comandantes das Polícias, no sistema brasileiro, são os Governadores. Não é à toa, por exemplo, que as eleições de um homem, no Rio de Janeiro, que já disse que era “só mirar na cabecinha”, ou a de outro homem, em São Paulo, que defende que a polícia leve bandido direto “para o cemitério”, estejam resultando em números recordes de violência policial. Mais uma vez, lembramos que a polícia das ruas é uma manifestação clara das ideias que se pensam a partir do topo destas instituições. Portanto, quando políticos como Doria e Witzel serão responsabilizados por cada morte resultante desta política de morte implantada no dia a dia do brasileiro?

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