Por Mayara Bergamo, para Desacato.info.
Meu companheiro acordou sobressaltado. Teve um pesadelo. Antes de sair da cama, ainda angustiado, me contou o que sonhou:
“Foi horrível! Sonhei que eu tinha sido contratado em uma agência muito boa, mas no momento da efetivação eles disseram que eu tinha que apresentar o título do meu TCC e um atestado de bom humor permanente dado por um psiquiatra. Disseram que era obrigatório. É claro que eu não tinha levado isso junto com os outros papéis! Sabia que ia perder a vaga, mas até aquele momento eu já tinha feito uma prova e cinco entrevistas. Já tinha sido aprovado em tudo! Então, eu falei que poderia ir para casa buscar o TCC, que passaria no psiquiatra para pegar esse atestado e que retornaria naquele mesmo dia, assim que estivesse liberado. A mulher que estava me atendendo disse que eu não poderia sair, porque já estava em horário de trabalho. Então perguntei se poderia levar o TCC e o atestado no outro dia, mas ela insistia que precisava de tudo naquele momento, porque eu já estava atrasado. Eu tentava argumentar, tentava achar uma solução. Enquanto isso, ela gritava: você não pode sair, isso aqui é o mercado de trabalho”!
Esse sonho me fez lembrar de todas as exigências esdrúxulas que já vimos em anúncios de vagas. Na área da Comunicação, para conseguir um emprego, não basta ter cursado a faculdade e saber usar os programas básicos de criação e edição. Não basta estudar, ter senso crítico, várias experiências legais no currículo, ser premiado e ser um excelente profissional.
Segundo os anúncios de vagas, você também precisa saber operar programas que não são da sua área, desempenhar funções para as quais não está sendo contratado, virar um híbrido de jornalista, apresentador, publicitário, social media, programador e marqueteiro, além de ser fluente em inglês, espanhol e de preferência, ter alguma experiência de intercâmbio. Se você trabalhar na área da criação, ainda vai precisar se tornar massagista de ego e intérprete de ideias inexistentes.
Tudo isso para ganhar um salário que não chega ao piso e ocupar o cargo de Assistente Disso ou Aquilo Júnior. Pouco importa se você já tem 10 anos de experiência na área.
Os anúncios são tão surreais que algumas pessoas se dedicam a compilar os mais ridículos. Um desses exemplos é o da página Vagas Arrombadas, no Facebook. Hoje, me deparei com uma tabela criada por eles de “termos arrombados para evitar no anúncio de vaga”. Segundo a descrição da imagem, essa ação é um contraponto a uma publicação da página Vagas.com, que criou uma tabela com “termos clichês para evitar no currículo”.
O engraçado (só que não!) é a quantidade de termos que se repetem nas duas tabelas: pelo menos sete. O mais engraçado (só que não MESMO!) são os benefícios arrombados – aqueles que não trazem nenhum benefício de fato para o empregado, mas que estão sempre presentes nos anúncios – tipo “salário à combinar”, como se isso não fosse um aviso de que a vaga será leiloada para quem aceitar receber menos, ou “Spotify e Netflix liberados” e “sala com Xbox/PS4”, como se os trabalhadores e trabalhadoras tivessem algum tempo, no horário de trabalho, para assistir filmes, séries, escutar playlists e jogar videogame. Pior ainda é o combo arrombado: contratamos Ninja/Jedi, que AMA o que faz, tem mentalidade de dono e quer montar um portfólio com clientes incríveis. Oferecemos horário flexível, frutas, ambiente descolado e cerveja liberada. Empresa confidencial, salário à combinar.
Esses e tantos outros absurdos fazem parte do mercado de trabalho da área que eu conheço e me dedico. Quais são os absurdos que fazem parte da sua área e do seu dia a dia no trabalho?
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Mayara Bergamo é fotógrafa e jornalista apaixonada pela cultura popular brasileira e pelo tripé literário formado por Gabriel García Márquez, Eduardo Galeano e Pablo Neruda.