Por Marcel Fürstenau
O partido Alternativa para a Alemanha (AfD), classificado como extremista de direita pelo serviço de inteligência interna da Alemanha, o Departamento Federal de Proteção da Constituição, atinge popularidade recorde nas sondagens. Ao mesmo tempo, centenas de milhares saem às ruas para se manifestar contra a legenda, numa série de protestos em várias cidades alemãs.
Também no Parlamento alemão, deputados debateram sobre como lidar com a AfD. As três bancadas parlamentares dos partidos da coalizão de governo – socialdemocratas, verdes e liberais – apresentaram moção com o título: “Democracia resiliente em país diverso – uma posição clara contra os inimigos da democracia e os planos de expulsão”.
Planos para expulsar milhões de imigrantes
O motivo do debate foi a publicação de uma reportagem revelando uma reunião sigilosa de extremistas de direita nos arredores de Berlim. O evento teve a presença de membros da AfD e da ala mais à direita da União Democrata Cristã (CDU) – partido conservador da ex-chanceler Angela Merkel. Nele, foi debatido um plano para a chamada “remigração” de milhões que imigraram para a Alemanha.
Bernd Baumann, secretário parlamentar da AfD, minimizou, descrevendo a reunião, durante o debate no Bundestag, como um “clube de debates pequeno e privado” que, segundo ele, foi transformado pela mídia numa “reunião secreta perigosa para o público”. A ministra alemã do Interior, Nancy Faeser, respondeu: “Vemos esforços ativos para ultrapassar os limites e trazer para o centro da sociedade a misantropia e o desprezo pela democracia.”
“Esta democracia sabe como se defender”
No governo alemão, Faeser é responsável pela segurança nacional e, portanto, também pela proteção da Constituição. “Esta democracia sabe como se defender” – com essas palavras, ela se dirigiu à bancada da AfD no plenário do Parlamento, sem citar nomes.
A ministra também poderia considerar a possibilidade de banir o partido – mas apenas como último recurso. A última tentativa de proibição de um partido, o ultranacionalista e racista Partido Nacional Democrático da Alemanha (NPD), fracassou em 2017. Desde então, a legenda mudou seu nome para Die Heimat (A Pátria) e era na época tão irrelevante que o Tribunal Constitucional Federal derrubou sua proibição por considerar a sigla de pouca significância política.
Em parte, “comprovadamente extremista de direita”
Ao contrário do antigo NPD, a AfD está aproveitando uma onda de sucesso. Entretanto, a legenda só é classificada como “comprovadamente extremista de direita” em três dos 16 estados alemães. Por isso, provavelmente Faeser deve se mostrar cética sobre a viabilidade de um processo de proibição.
O Tribunal Constitucional Federal estabeleceu altos obstáculos para uma proibição. Deve haver uma certa probabilidade de que o partido já tenha o peso necessário para realizar seus objetivos em algum momento, como explica o especialista em direito constitucional de Berlim, Christian Pestalozza, em entrevista à DW.
Entretanto, ele acredita que, ao invés disso, seria mais fácil excluir um partido anticonstitucional do financiamento estatal. Na Alemanha, os partidos são financiados por taxas de filiação, doações e dinheiro de impostos. Quanto maior a parcela de votos nas eleições, maior o direito a subsídios dos cofres estatais. A AfD recebe mais de 10 milhões de euros.
Pestalozza acredita ser mais fácil excluir um partido como a AfD desse tipo de financiamento por causa de seus supostos objetivos anticonstitucionais do que bani-lo: “Basta que eles busquem os objetivos em questão. Não é necessário provar que eles também têm o potencial para colocar em prática tais objetivos.”
Segundo Pestalozza, mesmo que o programa da AfD pareça relativamente inofensivo, mas a realidade seja diferente, isso já poderia ser suficiente. “Mas se essas condições já existem, é uma especulação. Quem deve saber melhor são as autoridades de proteção constitucional, que mantêm, em parte, o partido e suas sucursais regionais sob observação.”
Onde a AfD está sob monitoramento
Nos estados do leste alemão Turíngia, Saxônia e Saxônia-Anhalt, a AfD pode ser monitorada como um “caso de observação”, com utilização de métodos como escutas telefônicas, por exemplo. O especialista em direito constitucional de Berlim acredita que, pelo menos nesses estados, o partido possa seja excluído do financiamento estatal.
O pré-requisito para tal seria uma moção do governo ou do parlamento. Mas nesse caso o Tribunal Constitucional Federal ainda poderia chegar a conclusões completamente diferentes das autoridades, derrubando a proibição, o que Pestalozza não acredita que vá ocorrer.
O que distingue a AfD do antigo NPD
Já o especialista em direito constitucional Azim Semizoglu, da Universidade de Leipzig, é mais cético quanto às chances de sucesso de uma exclusão da AfD do financiamento estatal. “Com relação ao comportamento anticonstitucional, provavelmente se diria que o chamado potencial para atingir seus objetivos é mais provável do que com o antigo NPD.”
Entretanto, o Tribunal Constitucional Federal também teria que classificar o programa da AfD como anticonstitucional. E isso pode ser um problema, aponta Semizoglu: “Ao avaliar se um partido é anticonstitucional ou não, não há desconto no procedimento de exclusão de financiamento, em comparação com o procedimento de proibição.”
Quão forte é a democracia alemã?
Outra forma de combater os suspeitos de serem inimigos da Constituição seria revogar os direitos fundamentais de indivíduos. Assim, eles não poderiam mais se candidatar a cargos públicos. Por isso, uma petição online visa impedir que o ultradireitista Björn Höcke, da AfD da Turíngia, se candidate a governador do estado nas eleições de setembro próximo. Seu partido lidera as sondagens, com mais de 30%. Mas o especialista em direito constitucional Semizoglu duvida que os direitos básicos de Höcke possam ser revogados. Segundo ele, tentativas semelhantes nunca tiveram sucesso, e os obstáculos para tais procedimentos também são bastante altos.
No entanto, ele não considera a tentativa completamente inútil porque as investigações sobre suspeitas de comportamento anticonstitucional seriam menos extensas para um indivíduo do que para todo um partido.
Independentemente dos debates sobre a proibição da AfD e outras possíveis sanções contra o partido ou indivíduos, Semizoglu acredita que a democracia da Alemanha é forte o suficiente para se defender contra seus inimigos. “Quando vejo que tanta gente está indo às ruas contra posições racistas, esse é um momento encorajador.”