Projeto que impede casamento homoafetivo é retaliação, diz deputada LGBTQIA+

A deputada Daiana dos Santos (PCdoB-RS). Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Por Caio Luiz.

No começo deste mês, a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados tentou ressuscitar um Projeto de Lei com o intuito de impedir casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Para a deputada Daiana dos Santos (PCdoB-RS), a tentativa da bancada fundamentalista de retomar o projeto foi uma retaliação em decorrência da realização da primeira sessão solene da Visibilidade Lésbica, em 29 de agosto.

Além disso, segundo a deputada, a Câmara rompeu um paradigma ao contar com o mandato de quatro deputadas LGBT – além de Daiana dos Santos, há Duda Salabert (PDT-MG), Erika Hilton (Psol-SP) e Dandara (PT-MG) – na atual legislatura, atingindo assim o maior número no Congresso até o momento. Desse modo, Daiana classifica a investida do PL como uma devolutiva conservadora para frear avanços de pautas da comunidade LGBT no Congresso.

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“A partir do momento da nossa chegada [no Congresso] estabelece-se uma outra relação. Em todos os estados por onde nós atuamos, nas comissões de saúde, de educação, nas CPIs, enfim, todos esses espaços por onde nós passamos, uma norma na política é alterada porque hoje, quando nos atacam, estão atacando a representação que somos de um coletivo e isso não será naturalizado”, disse Daiana dos Santos.

Assumidamente lésbica, a deputada é sanitarista e disse que preferia discutir questões de uma construção direta de projetos voltados à área da saúde, como investimento, atenção básica e acesso e garantia à integralidade da saúde em vez de lutar contra retrocessos. “Mas se a gente não sustentar um debate aqui, esses discursos de ódio e violência tomam força e se materializam fora do Congresso.”

PL do Clodovil

O PL criado em 2007 por Clodovil (PTC-SP; falecido em 2009), em realidade, pede o reconhecimento do casamento homoafetivo, assim como a possibilidade de transmissão de bens para cônjuges do mesmo sexo. Entretanto, em 2011, o próprio Supremo Tribunal Federal tomou a dianteira e por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres. Com isso, a união homoafetiva passou a ser qualificada como um núcleo familiar.

Entretanto, a análise do relator do PL de Clodovil foi feita pelo deputado Pastor Eurico (PL-PE), que não votou a favor do parecer do relatório, alegando que o casamento homoafetivo não é natural e desrespeita costumes cristãos.

A base do governo que integra a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados tentou inserir uma audiência pública para debater o tema com a sociedade, mas foi derrotada na votação na terça. O recurso para adiar a votação em Plenário na Câmara encontrou um pedido de vista do PL, ou seja, haverá mais duas sessões sobre o tema antes da tramitação avançar.

“Toda mobilização nesse tempo vai ser justamente para a sociedade se somar e a gente quer que isso aconteça, quer que os movimentos participem, quer que tenha uma amplitude maior de opiniões para compreender que aquilo que nós estamos fazendo não é rebater, como se fossem pólos opostos discutindo, o que a gente quer é garantir principalmente a constitucionalidade que o STF já deu lá em 2011. ”

Confira trechos da conversa com a deputada Daiana dos Santos:

A sessão de Visibilidade Lésbica provocou reações negativas?

Fui ameaçada por e-mail de “estupro corretivo”. Eu recebi um e-mail e, assim como eu, outras. Agora já se somam o total de oito parlamentares lésbicas do Brasil inteiro que receberam o mesmo tipo de ameaça por conta da sessão. A gente já vinha se mobilizando para essa sessão solene há cerca de um mês ou mais porque é um momento histórico que demarca uma mudança inclusive nessa correlação de forças [dentro do Congresso]. Porque temos demandas políticas específicas para a comunidade LGBT e essa briga por avanços causa incômodo na ala fundamentalista. Há uma demanda histórica do movimento lésbico e bissexual pela avaliação do protocolo de atendimento na atenção básica e saúde. Isso é o que estamos construindo junto ao Ministério da Saúde. Logo a gente vai ter uma organização mais ampla para fazer esse debate com a sociedade civil, com os movimentos sociais, com as organizações de saúde, o ministério.

A presença do PL na pauta da Comissão foi uma surpresa ou estava prevista?

Foi uma surpresa. O pastor Henrique Vieira solicitou uma audiência pública porque isso é necessário. Não queremos unilateralizar o debate. Então, que chamem o conjunto da sociedade e vamos apresentar o que mudou porque o PL é de 2007 e, até 2023, tem um tempo considerável de mudança na construção social. As configurações familiares mudaram e a gente tem uma relação geracional, uma pandemia e um meio que muda muito a ponto de estabelecer outras relações.

A seu ver, por que há interesse em desenterrar o PL mesmo diante de uma decisão do STF que permite a união homoafetiva?

Porque nós entendemos algo importante: quanto maior a nossa movimentação, maior e mais reacionária e retrógrada é a ação contrária dos fundamentalistas. É uma relação desigual porque quando eles nos questionam e nos apontam sem reconhecer nossa humanidade ou direito de formar família ou demonizando nossos corpos só evidenciam que definitivamente não têm outra base de sustentação e de avanço se não for nos atacando.

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