Por Fábio Góis.
Depois de cerca de 20 dias de recesso parlamentar, senadores voltam ao trabalho com algumas polêmicas pela frente. Uma das principais, senão a principal, é o processo de privatização que o governo Michel Temer quer impôr à Eletrobras, estatal do setor elétrico que passa por dificuldades operacionais e de caixa. As votações de plenário devem ser reiniciadas já a partir da próxima quarta-feira (1º), quando chega ao fim a folga de meio de ano.
Trata-se do Projeto de Lei da Câmara (PLC) 77/2018, que abre caminho para a venda de seis distribuidoras da empresa. O texto já foi aprovado pelos deputados em 4 de julho, em meio a protestos oposicionistas. Uma delas – a Cepisa, que atua no Piauí – já foi comprada pela Equatorial Energia. A questão está judicializada, por iniciativa da Associação dos Empregados da Eletrobras, no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF).
O Palácio do Planalto tem dito que, caso o PLC 77 não seja aprovado, as subsidiárias terão que ser liquidadas, uma vez que os contratos de concessão já venceram. Em caso de liquidação, a estatal se verá obrigada a encerrar suas atividades com tudo o que isso representa, como a dispensa em massa dos funcionários. Todas as subsidiárias têm problemas operacionais e financeiros, mas o PLC 77 estabelece medidas para que elas se apresentem mais atrativas a potenciais investidores.
Para opositores do governo, trata-se de uma operação proposital de sucateamento e entrega da Eletrobras para o capital estrangeiro. Nesse sentido, pesa contra os governistas o fato de que a estatal traçou como estratégia a divulgação de um cenário de mazelas em sua estrutura, como o objetivo de mobilizar a opinião pública e formar um ambiente favorável para sua privatização.
O estratagema, denunciado pela Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo, foi noticiado por este site em 24 de abril. Segundo a reportagem, a gestão da Eletrobras pagou quase R$ 2 milhões para que falassem mal da própria empresa.
Força-tarefa
O processo de autodetratação começou em 20 de setembro de 2017, quando a estatal assinou, sem licitação, contrato com a RP Brasil Comunicações, do grupo FSB Comunicação, a maior assessoria de imprensa do país. Coube à agência acionar os chamados formadores de opinião, comentaristas econômicos, colunistas e repórteres em geral para mostrar um cenário que tornasse urgente a privatização, acelerada pela pressa do governo federal em concretizar o negócio.
“Diante da iminência de não poder privatizar imediatamente o sistema Eletrobras como um todo, o governo tenta mostrar serviço para o mercado, vendendo inicialmente seis distribuidoras. Acontece que no entorno dessa possível privatização há algo criminoso contra a população da região Norte e contra o país”, reclama a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).
O projeto permite que sejam leiloadas distribuidoras da estatal no Amazonas, em Rondônia, no Acre, no Piauí, em Roraima e em Alagoas. Senadores amazônidas como Vanessa já manifestaram objeção à matéria. Para Eduardo Braga (MDB-AM), a situação de cada uma das concessionárias precisa ser examinada separadamente, pois há aquelas prontas para serem entregues à iniciativa privada, ao passo que em outros casos a privatização significará aumentos exponenciais de reajuste de tarifa elétrica.
“Eu posso citar a Amazonas Energia, que tem dívida com a Petrobras de R$ 20 bilhões. Como privatizar uma empresa que deve R$ 20 bilhões sem que isso tenha impacto gigantesco na conta de luz paga pelos consumidores? Sem falar de outras questões regulatórias que precisam ser saneadas antes da privatização”, ponderou o senador.
Por outro lado, senadores como Romero Jucá (MDB-RR), líder do governo no Senado, já se movimentam para aprovar rapidamente a matéria. Principal fiador da política reformista de Temer, Jucá tem defendido a necessidade de privatização da Eletrobras e quer que seus pares aprovem o texto do jeito que ele foi recebido da Câmara, sem alterações. Os governistas tentaram, sem sucesso, aprovar o projeto no Senado antes do recesso, que teve início em 17 de julho.
Liminar
Em 27 de junho, o ministro do STF Ricardo Lewandoswski proibiu, em uma decisão provisória, que o governo privatize empresas estatais sem autorização prévia do Congresso. Na decisão, Lewandowski entendeu que para que uma estatal seja privatizada, o Congresso precisa primeiro aprovar uma lei específica que permita a venda de mais de 50% da empresa.
A decisão do ministro é monocrática (individual) e provisória, podendo ainda ser revertida pelo plenário do Supremo. Contudo, ainda não há previsão para que a questão seja julgada.
Entre as seis distribuidoras que estão no projeto, apenas a alagoana Boa Vista Energia é atingida pela decisão do ministro. A expectativa é que o assunto seja rapidamente pautado pelo Supremo na volta do recesso do Judiciário, a partir desta semana.