Prescrição farmacêutica: é preciso abandonar a discussão classista

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Por Edson Perini.

A classe farmacêutica, sem dúvida, deu um grande passo: saiu a campo de peito aberto. Isso nós não podemos negar, para uma categoria profissional que se encontrava (e continua) muito distante do paciente. Declarar-se apto a prescrever é uma grande responsabilidade, e revela coragem para assumir algo que na prática já acontece nas farmácias de todo o país, sem contudo ter um documento comprobatório e responsabilizador da atitude profissional. A indicação de medicamentos isentos de prescrição é fato comum nas farmácias brasileiras (e mesmo alguns que necessitam de prescrição podem ser incluídos nesse rol), e pior, feita por profissional sem a formação que o farmacêutico tem. A guerra velada entre farmacêuticos e balconistas ou técnicos de farmácia é insana e o ato da prescrição poderia ser mais um passo na direção de trazer ao farmacêutico maior responsabilidade sobre a determinação do que se vende, quando e para quem.

Porém, olhando as farmácias que conheço em minha rota de vida, tenho grandes dúvidas sobre como e se isso vai acontecer. Motivos não me faltam: os donos de farmácias não vão querer; eles não vão contratar farmacêuticos para isso e não vão tirar os que têm contratados de seus afazeres burocráticos; os farmacêuticos estão acomodados em suas atividades administrativas; eles se sentem profissionais inferiorizados na equipe de saúde por serem de formação excessivamente tecnicista para esse exercício; enfim, poderíamos alongar a conversa… Mas vou fazer algumas perguntas: essas prescrições serão realizadas segundo a demanda do cliente pelo seu medicamento de preferência ou por meio de uma consulta? As consultas serão realizadas no balcão ou as farmácias adotarão consultórios farmacêuticos? As Faculdades de Farmácias desse país estão preparadas para mudar alguns detalhes importantes da formação hoje praticada para evoluir o trabalho do profissional para essa área?

Afinal, vejo farmacêuticos e alunos batendo no peito e bradar – sabemos muito mais farmacologia que os médicos, porque não podemos prescrever? Talvez eles tenham razão de dizer que sabem mais farmacologia, porém a prescrição é o exercício da farmacoterapia, que tem por base conhecimentos sobre as doenças. E o ensino farmacêutico nas últimas décadas se voltou demasiadamente para os aspectos tecnológicos do medicamento, deixando fragilidades no estudo do conhecimento e reconhecimento das patologias, ainda que ditas menores. O farmacêutico atual tem razões para dizer que conhece muito o medicamento, mas precisa se preparar para o exercício da prescrição – inicialmente se conscientizando de que a prescrição não é um simples pedaço de papel assinado. Ela é um documento legal por meio do qual um profissional se responsabiliza pelas intervenções que uma pessoa deve realizar sobre seu estado de saúde.

Essa responsabilidade é de mais fácil visualização em certas atividades que o farmacêutico tem aos poucos desenvolvido e que são de extrema importância para os pacientes. Os médicos brasileiros ainda não conheçam ou não estão seguros do potencial de responsabilidade compartilhada que tais atividades trazem, e não de disputa de mercado de pacientes, o que é ridículo. Falo sobre a atividade clínica em ambientes hospitalares ou outros, como Equipes de Saúde da Família, ambulatórios e espaços de atenção secundária especializada do SUS, como os centros de atenção ao paciente de doença mental. Nesses locais a prescrição farmacêutica, ou a renovação de prescrição de tratamentos crônicos, quando se reavalia a posologia, as associações, ou outros detalhes do tratamento prolongado pelo acompanhamento sistemático, pode ser um ganho para os pacientes (afinal, não é isso que interessa?). Falo sobre a filosofia de trabalho da Atenção Farmacêutica, segundo a qual nenhum tratamento é instituído sem a perspectiva de um objetivo bem determinado que algum profissional deve atuar no cuidado para alcança-lo, para saber se estão sendo atingidos ou não, e que atitudes devem ser tomadas nesse percurso.

Enfim, há coisas acontecendo na profissão farmacêutica e elas devem ser discutidas para serem revertidas em maior responsabilidade (e direitos, por suposto) para o profissional, e a prescrição pode ser uma delas. Não sei se a melhor, ou se a mais oportuna, dado que temos tantas questões para mudar em nossa relação com a sociedade e com as pessoas que utilizam medicamentos. Talvez coisas mais urgentes fossem necessárias, mas não adianta discutir isso agora, pois não as fizemos no tempo necessário. Agora a prescrição é um ato colocado para a sociedade e devemos discuti-lo, não com a baixeza da arrogância e dos interesses classistas, mas com a clarividência que a sociedade espera de profissionais a quem ela outorgou um diploma para cuidar de seus problemas de saúde, e não de suas possibilidades financeiras de custear os tratamentos.

Os farmacêuticos precisam urgentemente compreender um ponto crucial nessa questão para não sustentar o debate em terra fofa: para prescrever não basta ser bom em farmacologia. É preciso mais do que isso. É preciso transcender a relação direta entre fármaco e enfermidade. Se assim fosse, bastaria criar um manual escrito em tabela n por n: nas colunas os medicamentos e nas linhas as doenças. Não é assim que a coisa funciona, razão pela qual a clínica não é uma ciência exata. E os médicos necessitam compreender que não são deuses detentores de todo o conhecimento e direito, e que seus direitos terminam quando os interesses maiores dos pacientes entram em cena. É o que penso sobre o assunto, no momento! E é por isso que, na quarta-feira, dia 30 de outubro de 2013, às 17 horas, o Cemed promoverá um debate sobre o assunto com a Profa Angelita Cristine de Melo, assessora do Conselho Federal de Farmácia.

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Fonte: CEMED UFMG

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