Por Marcelo Gomes, do Brasil de Fato Minas Gerais.
Desde julho deste ano, as autorizações para atividades minerárias em Brumadinho (MG) são competência da Prefeitura da cidade. O governo de Minas transferiu parte de suas competências de licenças a Brumadinho por meio do convênio 05/2021, assinado em 15 de julho. Pelo acordo, empreendimentos de grande impacto ambiental e social deverão ser autorizados pelo departamento de meio ambiente do município.
O placar não parece equilibrado: 16 x 12. São 16 trabalhadores da prefeitura para verificar todo o processo, versus 12 empresas de mineração atuantes na cidade. Os desejos das mineradoras podem ter ficado mais fáceis de serem alcançados.
Segundo a legislação, os projetos de grande impacto ambiental e social devem ser avaliados pelos Estados. O motivo é a capacidade técnica que muitas vezes apenas eles têm.
Por outro lado, também é legalmente permitido o repasse de parte das competências de licença às cidades. A justificativa seria a maior rapidez nas avaliações. Hoje, uma avaliação de licença pode demorar anos na Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad).
Em âmbito nacional, a transferência de incumbências é autorizada pela Lei Complementar 140 de 2011. Na esfera estadual, pela lei 21.972 de 2016.
Segundo o convênio, passa a competir a Brumadinho o licenciamento de empreendimentos de classes 1 a 6 que estão na deliberação normativa 217 de 2017 do Conselho Estadual de Política Ambiental, o Copam. Essas classes são os níveis de impacto ambiental das atividades. Sendo o de maior impacto a classe 6.
Conforme o anexo único da norma, estão nessas classes, entre outras, atividades minerárias, metalurgia, indústrias de eletroeletrônico, de papel e papelão, de couro, borracha, de produtos químicos, de alimentos e bebidas.
A mais degradante é a minerária e a avaliação para a autorizar esta atividade requer estrutura e técnicos bem instruídos. Deslizes ou interferências na análise podem acarretar em tragédias como a ocorrida no próprio município de Brumadinho, em 2019, após o estouro da barragem da Vale. Foram 270 mortos, afora o dano social e ambiental.
Passa a ser atribuição da prefeitura ainda: licenças para atividades que irão suprimir vegetação nativa; a fiscalização das atividades, que poderá ter o auxílio dos governos estadual e federal; divulgação em local de fácil acesso das autorizações concedidas.
Posição da prefeitura: “Um sonho realizado”
O prefeito de Brumadinho, Avimar de Melo Barcelos (PV), comemorou em vídeo o convênio. Na avaliação dele, a medida irá trazer bons frutos à cidade.
“Estou aqui hoje para falar sobre uma coisa muito importante que aconteceu: Brumadinho passa a ser classe 6. O que é classe 6? É poder liberar todas as licenças sem depender mais do Estado; aquela burocracia total. Inclusive, gente, uma coisa boa: o descomissionamento de barragens passa a ser responsabilidade do município. Isso vai desburocratizar toda a questão ambiental dentro do município. Para nós é um sonho realizado”, afirmou o prefeito em vídeo.
16 trabalhadores para todo o processo
A principal crítica a esse convênio é a brecha às pressões econômicas e políticas. A prefeitura, por estar próxima ao empreendedor, estaria mais suscetível a isso.
“Todo prefeito quer licenciar no município. Eu não acho que deve ser assim para empreendimentos com alto e médio potencial de dano”, afirma Julio Grilo, ex-superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama). “O Estado normalmente está mais distante de pressões políticas e tem um corpo técnico que é mais bem capacitado”.
A reportagem solicitou à prefeitura de Brumadinho a quantidade de servidores de sua Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, bem como a qualificação dos profissionais. Por lá existem: uma bióloga, uma gestora ambiental, um engenheiro ambiental, um especialista em engenharia ambiental e florestal.
Já no departamento de regularização: dois biólogos, dois gestores ambientais e um advogado. Na fiscalização: quatro fiscais. No departamento jurídico são 3 advogados e colaboradores administrativos. São, portanto, 16 trabalhadores.
Em Nova Lima, outra grande cidade minerária da região metropolitana de Belo Horizonte, há no momento 58 funcionários no setor ambiental, de acordo com o portal da transparência da cidade. E o município não possui autorização para licenciamento classe 6.
“O que digo é que eles [a prefeitura de Brumadinho] não teriam equipe capaz ou suficiente, por exemplo, para analisar a segurança de uma barragem, verificar os impactos cumulativos e sinérgicos de novos rebaixamentos de lençol freático, entre outras coisas”, completou Júlio Grilo. Ele foi o único técnico que alertou para o risco de a estrutura da Vale desabar em 2019.
Falta profissional, sobra pressão
No caso da prefeitura de Brumadinho, as chances de interferência política também não são poucas. O município abriga grandes mineradoras. Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), são 12 empresas minerais atuantes.
Uma curiosidade chama atenção. O secretário de meio ambiente da cidade, Alcimar Barcelos, além de ser irmão do prefeito, é próximo do setor mineral.
Conforme informações da Receita Federal, Alcimar Barcelos é um dos seis donos da Ouro Preto Empreendimentos e Participações Ltda, que presta consultoria em gestão empresarial. Integra o quadro de sócios Aluizio Alfredo Alves Dutra. Segundo a Receita, Aluizio é também um dos dois proprietários da Tejucana Mineração S.A, uma das mineradoras operantes em Brumadinho.
As pressões políticas do setor minerário, até mesmo no terreno estadual, são conhecidas e geram resultados. Conforme já revelou o Brasil de Fato, parques estaduais foram alvo de propostas legislativas para serem reduzidos. A intenção, fracassada, buscou dar espaço à mineração. Entre esses parques está o de Arêdes, em Itabirito, e o do Rola Moça, na região da capital.
A reportagem de 2019 da Repórter Brasil mostra a face oculta do lobby da mineração. Isto é, a pressão política do setor.
Alguns dos políticos mais poderosos de Minas possuem fortes laços de amizades com o nome mais importante do segmento mineral do estado, Fernando Coura, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). Entre esses políticos estão os ex-governadores Alberto Pinto Coelho (PP), Fernando Pimentel (PT), o atual senador Carlos Viana (PSD) e Mauri Torres, conselheiro do Tribunal de Contas de Minas.
Apenas duas cidades de MG tem esse aval
O ex-prefeito de uma grande cidade minerária do país aceitou comentar anonimamente sobre o convênio. “Pode até não haver uma facilitação às mineradoras. Mas esse tipo de licenciamento é muita, muita responsabilidade. Eu jamais pegaria uma responsabilidade dessa. Nem os municípios mais longevos na mineração no país, como Itabira, tem esse tipo de licenciamento. Não puxaria um peso desses de jeito nenhum para as minhas costas”, comentou o ex-prefeito.
Em Minas Gerais, apenas duas cidades, contando com Brumadinho, são autorizadas a conceder o aval de classe 6.
A 1° Promotoria de Justiça de Brumadinho, do Ministério Público de Minas Gerais, afirmou que tem a expectativa de realizar, na próxima semana, uma reunião entre promotores e o secretário de meio ambiente de Brumadinho para discutir o convênio, entre outros temas.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Rafaella Dotta