Pra não dizer que não falei de Cuba; e de Consciência, sim. Por Flávio Carvalho

Havana, Cuba. Foto: Tali Feld Gleiser

Por Flávio Carvalho, para Desacato.info.

“Não confies nunca em nada que te digam. Sim, logo de entrada, coloque em dúvida o que te dizem. Não, não é muito radical. Não diremos que é tudo mentira. Mas o que propomos é que todos estejam ativos na construção da verdade. Mais da metade da informação que circula pelas redes sociais tem uma significativa dose de mentira. Porque a falsidade se difunde muito mais que a verdade”. (Jaume Funes, Pedagogo e Escritor catalão).

Ontem eu assisti o debate que mais me emocionou em tempos de confinamento: Jean Wyllys e Marcia Tiburi, conversando – novamente – no Instagram, sobre a política nas suas vidas. Seria “somente algo mais” se não fosse a perspectiva que costumam trazer nas suas conversas abertas: falam de sentimentos e de emoções. Quando quiser me seduzir em um debate político, ao contrário de fugir de falar disso, traga-me para esse campo. Tempos atrás, descobri que o meu melhor caminho é por aqui. Caminhos do Coração, como cantava Gonzaguinha.

A citação inicial, dos dois livros que andei lendo para tentar conviver melhor com a adolescência dos meus filhos (sim, foi por isso; e Funes é O Melhor), mencionou exatamente a violência das Fake News que trouxeram, à força, Jean e Márcia pra Europa.

A consciência crítica. De fato, quase uma redundância para alguns filósofos, os estoicos principalmente. Consciência Crítica seria um pleonasmo, portanto. Inexistem separadamente.

Assista Marcia Tiburi na Internet, num tal programa Café Filosófico, ainda mais jovem do que hoje, se quiser entrar melhor nesse meu texto. Márcia é pra mudar a vida de qualquer um.

Foi Paulo Freire quem primeiro mencionou, pelo menos para mim, a ideia de que ele podia ser capaz de fazer uma conferência de uma hora e logo depois dizer-se, ao seu próprio público: ser coerente é aconselhar que desconfiem de tudo que lhes falei. O nome de Paulo era Coerência.

Claro que ele não queria desdizer-se absolutamente de nada. Apenas praticava algo que transcendia sua mera comunicação com o público. Paulo adorava falar de Consciência. Crítica, mas principalmente de Consciência. Não foi esse o assunto principal na política dos anos 70?

Foi na Fenomenologia do Espírito, de Hegel, que me encontrei – na Universidade – com a importância da Consciência na construção do ser social: o conjunto de fenômenos que explicava o tal Espírito, que tanto provocou Marx e até hoje nos desafia. A base dO Capital.

É preciso estar atento e forte, cantou Gilberto Gil. Principalmente quando não tivermos tempo de temer nem a morte. Como hoje, infelizmente. A morte é o melhor aviso de melhor viver.

Todos os principais debates políticos da atualidade, já não são tão simples como estávamos acostumados “antigamente”. Pra facilitar, a gente chama de Temas Complexos – principalmente quando quer mudar de assunto. Quando para mim é exatamente o oposto.

Pra mim, nunca saiu de moda aquele “antigo” debate sobre a Consciência. Até porque a gente sempre foi orientado a buscá-la mais no outro, a partir do instigante desafio da alteridade.

De uns tempos pra cá, enveredei melhor no caminho (nunca Na Conclusão!) de que o exercício de tentar ser consciente é melhor que o exercício direto de “querer conscientizar” alguém.

Por ser Complexo, logo dirão que estou Desbundando dos clássicos debates – para mim, do Velho Maniqueísmo. Não, eu não nego a existência de algo permanente como Esquerda e Direita. Acabou a relação Capital Trabalho? Claro que não. Mas eu quero ir mais além. Quero Falar tanto com a Direita Sobre a Direita do que com a Esquerda sobre a Esquerda. Claro que há distinção. Mas o Falar Sobre não. Serve pra ambos. Serve pra mim.

O melhor é que, até mesmo como estratégia, pra ser ainda mais produtivo e conseguir melhores resultados (se é que posso chamar assim), essa reorientação no meu próprio debate comigo mesmo tem me ajudado a, por exemplo, lutar mais e melhor contra o fascismo novo, esse, que corre. Evidentemente pode ser que eu mesmo me esteja enganando. Mas é disso mesmo que eu quero falar. Até mesmo do Até Aonde eu sou capaz de enganar a mim mesmo.

Isso é o que eu chamo de Fenomenologia da minha própria Consciência.

Quer provar? Porque você não prova? Já tentou?

Depois me diga se não ajudará a falar de Cuba, da luta antirracista, dos machismos, e de todos aqueles assuntos Complexos. Mas que mais do que fugir deles, ir à base do que você pensou que já sabia sobre eles te ajudará até mesmo a reforçar aquilo que você já sabia. Sobretudo, quando você se permite estar absolutamente equivocado; e isso mesmo te reforça. Muito.

O que não nos mata, nos faz mais fortes (disse a Viúva Negra, no cinema, nesta semana).

Pronto, agora sim, pra não dizer que não falei de Cuba.

Eu não quero falar de Cuba porque a merda do Bloqueio Econômico, que andava esquecidinho no mundo (menos pros cubanos) piorou a vida na Ilha depois da Sindemia. Eu quero falar do bloqueio econômico assassino, do imperialismo dos Estados Unidos, porque ele existe antes mesmo de eu haver nascido. Eu quero falar do que Cuba poderia ter sido. E será, ainda. Sim.

Somente depois dessa premissa – a ordem matemática dos fatores importa sobre o produto; causa e consequência; autonomia e responsabilidade – quero fazer duas coisas: escutar a maioria do povo pobre cubano, mais do que qualquer coisa que eu, daqui de fora tenha a dizer. Lugar de Fala de fora é mais doce (amplia a perspectiva); mas é mais falso. Engana melhor, principalmente quem quer mentir pra si mesmo! É essa a pior mentira. Não esqueça.

E como eu sou brasileiro emigrado, fora do Brasil, aprendi a diferenciar minha visão privilegiada de “falar de fora” (privilégio sim, maior do que milhões de brasileiros que nunca nem saíram da sua cidadezinha para ver o mar), da Escuta Ativa minha sobre qualquer brasileiro pobre que vai falar muito melhor do Brasil do que eu, que li aquele livro difícil de Hegel, que fui aprendendo a usar melhor a escrita depois de tudo o que eu li e que desfruto do privilégio de estar “falando” pra vocês aqui, que estão escutando a mim. Admitir é mudar, já.

Nessa escala de valores, vale menos o que eu diga, e até vale um pouco mais o que diz o cubano em Miami (em comparação comigo, aqui); mas vale muito mais o cubano que Resiste, ALI. Por mais que resistir signifique denunciar TODA E QUALQUER opressão. Eis a questão. Né?

Flávio Carvalho é sociólogo, escritor e participante da FIBRA e do Coletivo Brasil Catalunya.

@1flaviocarvalho, @quixotemacunaima. Sociólogo e Escritor. Barcelona, 21 de julho de 2021.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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