Por Jessica Prois e Carolina Moren.
O movimento #MeToo e o misto de negação e remorso público que foi visto a seguir, vindo de homens poderosos acusados de assédio e agressão, criou um ambiente de responsabilização e transformação, levando as mulheres a ser ouvidas. Mas nem todas as mulheres se sentem incluídas. Muitas mulheres negras, asiáticas e latinas vêm manifestando que o #MeToo não tem representado suas histórias, apesar de o movimento ter sido fundado pela ativista Tarana Burke, que é negra.
As mulheres com quem conversamos falaram que recebem tratamento diferente de homens dentro e fora de sua raça ou etnia e que são influenciadas e afetadas pelos costumes e normas de suas próprias culturas. Elas descrevem a necessidade de enfrentar cantadas e piadas de teor sexual no trabalho, ao mesmo tempo em que enfrentam expectativas culturais de que elas devem ficar quietas e ser boazinhas, serem sexy mas também comportadas. Várias mulheres falaram que sentem uma falta de autonomia sobre seu próprio corpo, devido a tradições históricas de longa data. Uma contou ao HuffPost que deixou de seguir uma tradição cultural para não ser assediada.
Além de compartilhar suas histórias, as dez mulheres abaixo propuseram maneiras de mudar locais de trabalho, relacionamentos e cultura para que sejam mais inclusivos. Leia suas histórias abaixo, conforme foram narradas a Jessica Prois e Carolina Moreno.
Os relatos foram enxugados e editados para possibilitar mais clareza. Algumas das fontes optaram por citar apenas seu primeiro nome e preferiram não incluir uma foto.
Mai Nguyen, 30, Nova York, consultora
COURTESY OF MAI NGUYEN
Já me chamaram de “China doll”. … O que acelerou minha ascensão é que eu não aceito tudo isso.
Trabalho com desenvolvimento de negócios, algo que é interessante para uma mulher asiática e para mulheres em geral. Muitos homens sabem como formar grupos no trabalho e sair juntos para jogar golfe, então eles chegam ao topo. Esses são os tomadores de decisões seniores. Para mim, como mulher asiática exercendo um papel mais assertivo, é diferente. Cresci ouvindo que as mulheres não devem abrir a boca.
O mundo do trabalho gira em torno de brancos e homens e costuma hipersexualizar as mulheres, ainda mais as asiáticas. Já fui chamada de “China doll” (“boneca chinesa” – estereótipo ocidental da mulher asiática passiva, dócil, meiga e bonita – NT). Já ouvi muitos comentários politicamente incorretos sobre minha raça e os estereótipos e tradições ligadas a ela.
Anos atrás eu estava numa conferência e durante um jantar conheci um executivo de uma grande rede de TV. Pensei: “Uau, tirei a sorte grande”. E achei a história dele inspiradora. Trocamos cartões e decidimos nos encontrar para um drinque. Começamos falando de minha empresa e do que me motiva. Depois ele me contou alguma coisa da história dele e falou que a mulher dele é asiática. Em seguida, disse que ele e a mulher estão numa relação aberta. E então ele me convidou a ir ao quarto dele no hotel.
Não fui. Mas ele foi muito persistente e continuou a me mandar torpedos. Como desenvolvedora de negócios, um lado meu queria levar a discussão adiante. Ao mesmo tempo, eu não queria que ele pensasse que eu estava interessada. Entreguei o contato dele e o negócio potencial para um colega homem. Ele não levou a discussão adiante.
É interessante porque você é emocionalmente vulnerável, mas não fala sobre isso. Talvez seja uma coisa asiática isso de varrer as coisas debaixo do tapete – não colocar a boca no trombone, para não causar confusão. E também pode ser que haja uma expectativa maior de que mulheres asiáticas sejam bem comportadas, tímidas e não expressem uma opinião.
O que acelerou minha ascensão é que eu não aceito tudo isso.
Shanita Hubbard, 38, Pensilvânia, professora e escritora
COURTESY OF SHANITA HUBBARD
Quando uma garota negra desaparece no gueto, a notícia não sai no HuffPost. Façam a denúncia, não denunciem apenas quando são meninas loiras. Isso transmitirá uma mensagem maior e ajudará a combater parte de um problema maior.
Para mulheres negras é mais complicado reconhecer que você sofreu agressão sexual e fazer a denúncia. Há tantas variáveis em jogo. Temos essa ideia sempre presente na cabeça de que devemos proteger nossos homens negros. Eles próprios sofrem pela ação descontrolada da polícia. Mas nós mulheres negras priorizamos, como se não sofrêssemos a mesma violência, e o nosso sofrimento não é priorizado.
Quando vítima e agressor são negros, pode ser bem mais complicado. E, se o agressor é um homem branco e tem o poder evidente, quem vai nos dar ouvidos?
As pessoas muitas vezes não dão crédito às denúncias feitas por mulheres negras, então poucas negras denunciam. Veja o que aconteceu quando Lupita Nyong’o, que é privilegiada, rica, linda e famosa, escreveu sobre Harvey Weinstein – ela foi uma das poucas mulheres cuja denúncia Harvey questionou. As pessoas não acreditam em nós. A sociedade faz pouco-caso das mulheres negras em muitos níveis. As pessoas minimizam nossa dor e não ouvem nossa dor.
Quando você é adolescente e está crescendo com caras mais velhos do gueto, eles passam a mão na sua bunda ou a agridem fisicamente de alguma maneira. Eu não falava sobre isso. Não via ninguém fazendo nada a esse respeito. Vi isso acontecer com muitas meninas. Mas, se eu falasse, ia parecer que eu estava tentando competir nas Olimpíadas da opressão. Quando digo que é difícil para meninas negras erguerem a voz e denunciarem o que acontece com elas, a resposta às vezes é “você acha que por acaso é fácil para rapazes negros do gueto?” Entendo. Mas não é isso que estou dizendo.
Se pensarmos no programa My Brother’s Keeper, do presidente Obama, para homens negros, ele é necessário. Mas precisa haver alguma coisa para as garotas do gueto. Tudo isso acaba se interligando quando a gente fala de agressão sexual.
Precisamos ouvir mais histórias negras. Podemos ser mais inclusivos, criando espaço para relatos que geralmente acabam sendo ignorados. Quando uma garota negra desaparece no gueto, a notícia não sai no Huffington Post. Façam a denúncia. Não denunciem apenas quando são meninas loiras. Isso transmitirá uma mensagem maior e ajudará a combater parte de um problema maior.
Tenho fé que a discussão está avançando no rumo certo em 2018. O fato de estarmos tendo essa conversa me dá confiança.
Cindy Rodriguez, 34, Nova Jersey, jornalista
MARISSA PINA
Quando saio com alguém ou estou na companhia de pessoas que não conheço muito bem, geralmente me dizem alguma coisa tipo: “Ah, você é latina, é mesmo? Quer dizer que…”, e você já sabe que depois disso o cara vai soltar alguma baixaria.
A primeira coisa que me vem à cabeça é como nós, latinas, somos sexualizadas desde a infância. Crescendo numa família peruana, e nas viagens que eu fazia ao Peru todo ano, sempre me mandavam cobrir o corpo se um homem vinha para nossa casa. Era algo tipo “vista seu sutiã, esconda seu corpo”, porque você é uma mocinha bem comportada e se ficar se exibindo, então estará se oferecendo para ser assediada. Não será mais a culpa do homem, será sua culpa. É o que as pessoas me diziam, sem dizer abertamente. Me diziam isso quando eu tinha 10 ou 11 anos de idade.
Por sorte, nunca fui assediada ou sexualizada na minha vida profissional. Mas já fui assediada fora do trabalho, simplesmente por ser mulher, quando estou fazendo qualquer coisa. Quando saio em encontros ou estou na companhia de pessoas que não conheço muito bem, geralmente me dizem alguma coisa tipo: “Ah, você é latina, é mesmo? Quer dizer que…”, e você já sabe que depois disso o cara vai soltar alguma baixaria, algum estereótipo sexual. Basicamente, querem me perguntar se sou muito doidona na cama, como se as latinas fossem todas umas máquinas de sexo que estivessem andando por aí esperando alguém chegar para nos arrastar para a cama. Como se estivéssemos só esperando um homem branco chegar para nos salvar. Isso acontece comigo o tempo todo.
No ano passado eu estava saindo com um homem branco, uma coisa casual, estávamos só começando a nos conhecer. A gente estava se beijando e ele me falou: “Diga alguma coisa em espanhol”. E eu falei: “Este encontrou acabou. Não foi legal.” E ele: “O que aconteceu?” Eu disse a ele: “A gente estava se dando superbem até você me fazer sentir que sou um fetiche. Isso é totalmente brochante.” Isso já me aconteceu duas vezes.
Acho que uma razão por que as pessoas sexualizam tanto as latinas é o jeito como somos retratadas na mídia. Faz pouco tempo eu fiz uma viagem de carro para o interior dos Estados Unidos e percebi que algumas pessoas lá nunca tinham visto uma latina cara a cara. A primeira ideia que elas têm de como somos e como agimos é o que elas recebem da mídia. Geralmente somos retratadas como mulheres super esquentadas ou hipersexualizadas, umas gatas de vestido vermelho. Quando as pessoas veem uma coisa sempre na mídia, começam a achar que é verdade.
Acho que também dentro da comunidade latina, nossos padrões de beleza são hipersexualizados. Nós mesmas nos encaramos assim. As pessoas estão apenas começando a ter abertura para diferentes tipos de beleza, não apenas a latina de pele morena, popuzuda, cabelão preto comprido, cinturinha de pilão e seios grandes.
Sandy Hong, 29, Nova York, diretora de uma ONG
COURTESY OF SANDY HONG
É lamentável dizer que existe uma fetichização das mulheres asiático-americanas por parte dos homens héteros brancos. … Os empregadores e todo o mundo precisam reconhecer as desvantagens que você enfrenta pelo fato de ser uma voz subrepresentada.
É lamentável dizer que existe uma fetichização das mulheres asiático-americanas por parte dos homens héteros brancos. Bom, há uma fetichização dos asiáticos em geral. Pensando no setor da tecnologia ou no setor da publicidade, quando eu trabalhava nele, havia muitos comportamentos bem evidentes que eu achava tóxicos. Vejo muita gente, especialmente mulheres asiático-americanas, que estão entrando no campo do marketing ou relações-públicas e buscando um papel de liderança, e tanta coisa nessas áreas gira em torno de relacionamentos com clientes, cortejar clientes e ser esse tipo de personalidade fácil de abordar e com quem é fácil trabalhar.
Para as mulheres asiáticas, não há diálogo suficiente no trabalho. Para o pessoal da primeira geração, filhos de pais imigrantes, muito do nosso sucesso está ligado à educação e às profissões que escolhemos. Somos submetidos a uma pressão enorme para darmos certo. Às vezes escolhemos trabalhar em áreas xis devido à pressão que recebemos de nossos pais. Essas áreas são as mesmas que são dominadas por indivíduos homens cisgêneros. Então não me surpreende nada que haja atritos ali.
Os empregadores e todo o mundo precisam reconhecer: que desvantagens você enfrenta pelo fato de ser uma voz subrepresentada? Como o fato de ser uma mulher asiática também coloca você em desvantagem? Como você está em desvantagem devido a estereótipos ou nuances preexistentes dos quais seu empregador ainda não tomou consciência?
A verdade é que essas são indústrias criadas e dominadas por homens brancos, héteros e cis. Boa parte do sucesso do profissional tem a ver com sua proximidade e relação com essa identidade. Para mim, sendo uma pessoa asiática, queer, trans e não binária, uma parte muito grande de minha existência é uma resistência a essa identidade.
Encontrei minha salvação quando abri meu próprio negócio. Falo em nome de inúmeras pessoas que abriram seu próprio negócio ou atividade. Algumas das empresas estão demorando demais para mudar. Muitas pessoas não têm consciência de estar sofrendo ou estar sendo fetichizadas. Isso não acontece sempre, mas sempre é a mulher que precisa combater essas coisas. Há muito trauma que passa batido.
Emerald-Jane Hunter, 37, Illinois, fundadora de uma empresa de relações públicas
COURTESY OF EMERALD JANE HUNTER
Somos condicionadas a achar que o poder nunca chegará a nós. É por isso que outros movimentos ou conceitos como Black Girl Magic são importantes.
Sendo negra e também nascida na África, eu sempre era alvo de muitos comentários tipo “quero um pedacinho desse chocolate para mim” ou “chocolate escuro”. Não é elogioso porque estão objetificando você. Esses comentários saem da boca de um homem branco que é curioso porque nunca transou com uma negra. E há ainda uma nuance de querer subordinar a mulher negra.
Ser mulher no trabalho tem seus desafios. Quando você é mulher negra, esses desafios dobram. E se você ainda por cima é cheinha ou cheia de curvas, suas curvas lhe parecem uma maldição. Quando homens negros veem você, isso é a primeira coisa que eles enxergam. Você é objetificada, você é redondinha, é cheia de curvas, você tem aquele bundão, é popozuda. Eles acham isso um elogio. Você acha que não é enxergada de nenhuma outra maneira.
O assédio de brancos contra negras e de negros contra negras tem nuances diferentes em cada caso, mas tudo é assédio. Trabalhando na mídia, eu muitas vezes era tratada como símbolo da negra. Você dá risada e finge que não liga. É um setor no qual não é fácil trabalhar. Quando comecei a trabalhar como produtora, havia um diretor que assediou a mim e minha colega de trabalho. Ele nos apalpava e nos assediava frequentemente. Imagine se o #MeToo tivesse acontecido quando estávamos trabalhando ali?
Mesmo assim, a gente vê muito mais mulheres brancas pondo a boca no trombone sobre isso. Acho que as negras ainda não estamos igualmente empoderadas. Acho que as mulheres negras não estão andando por aí dizendo “Eu também”, apesar de o movimento ter sido lançado por uma negra. Há toda uma questão cultural diferente que nos afeta.
Acho que as mulheres negras não nos sentimos ouvidas há tanto tempo. Não temos o empoderamento necessário para sairmos de um lugar mais profundo. É mais do que apenas ser mulher, e mais do que a vergonha. É não ter sido criada aprendendo que abrir a boca para denunciar as injustiças que sofremos nos dará poder. Somos condicionadas a achar que o poder nunca chegará a nós.
Homem, homem branco, homem diferente, mulher branca, mulheres hispânicas. As mulheres negras estão no último lugar, no fundo do barril. É por isso que outros movimentos ou conceitos como Black Girl Magic são importantes. Isso me ajudou e ajudou minhas amigas a termos alguma coisa que pudéssemos usar como fonte de orgulho, para que não tivéssemos que alcançar o nível de uma Oprah para sentir orgulho de nós mesmas. Posso estar dançando ou posso estar criando três ou quatro filhos, e isso é Black Girl Magic (a magia das mulheres negras). É uma ideia à qual nos apegarmos, uma ideia que reconhece nosso poder, porque ele nunca foi reconhecido e todo o mundo deveria reconhecê-lo.
Zahira Kelly-Cabrera, 34, Massachusetts, artista plástica
COURTESY OF ZAHIRA KELLY-CABRERA
As mulheres à frente do movimento “Me Too” são mulheres brancas e cis de Hollywood. Esse fato meio que ignora o fato de que as pessoas mais assediadas e atacadas são as mulheres negras, e não temos a quem recorrer.
Nós, mulheres dominicanas, somos hiperssexualizadas. A indústria do turismo sexual na ilha é enorme. Quer dizer que, quando vamos a outros países, assim que dizemos que somos dominicanas as pessoas presumem que somos trabalhadoras do sexo. Sou totalmente a favor dos direitos das trabalhadoras do sexo, por falar nisso. Mas acontece que, quando você é estereotipada desse jeito, as pessoas acham que têm o direito de lhe tratar com mais violência ou têm o direito de usar seu corpo. É o que você merece, para elas.
É também por causa dos fatores históricos. Alguns dos primeiros navios negreiros que chegaram às Américas aportaram na República Dominicana, que foi também o palco de alguns dos primeiros massacres de indígenas. Os colonizadores pensavam: “Vocês usam menos roupa que as mulheres do lugar de onde nós viemos, então vocês merecem ser sexualmente agredidas”. E isso se aplicava tanto às mulheres indígenas quanto às africanas.
Foi assim que acabamos virando mestiças. Não foi uma linda história de amor entre brancos e indígenas. Não foi “Pocahontas”. Foi o estupro em massa de mulheres indígenas e das mulheres africanas escravizadas que eles trouxeram para a América Latina e todo lugar. Os latino-americanos não negros também têm uma visão hipersexualizada das afro-latinas. Eles simplesmente supõem que eu esteja à venda ou alguma coisa assim: “Eu te ofereço tanto para ser minha amante”.
Alguns corpos não são tão protegidos quanto outros, e esse é um problema histórico que data da escravidão. No momento, as mulheres que estão na dianteira do movimento “Me Too” são mulheres brancas e cis de Hollywood. Esse fato meio que ignora o fato de que as pessoas mais assediadas e atacadas são mulheres negras, e não temos a quem recorrer. Mesmo Tarana Burke, que iniciou o movimento, ela acabou sendo uma das pessoas do ano da revista “Time”, mas não a puseram na capa. Colocaram mulheres brancas ali.
Acho que de maneira geral somos vistas como hiperssexualizadas e como mulheres que estão aqui para serem agredidas. Já houve gente que tomou muitas liberdades demais comigo, me bolinando e coisas do tipo. As pessoas se chocam com isso, mas eu respondo: “É mesmo? Porque isso acontece comigo diariamente.”
Essa é a razão porque deixei de ir a bares ou clubes, porque as pessoas chegam em mim e começam a passar a mão quando estou passando ao lado delas. Ou homens que não têm o menor precedente ou razão para ter intimidade começam a querer me tocar e bolinar, sem motivo algum. As pessoas meio que supõem que eu estou naquele lugar por causa de quem eu sou. Há também uma diferença no modo que sou tratada, comparada com latinas de pele mais clara e também comparada com negras de pele mais escura. Há níveis em tudo isso.
Tina, 28, New York, Produtora
Meu apelido no set era “Hello Kitty”. … existem sindicatos, mas mesmo os sindicatos são dominados por brancos. Não há Recursos Humanos, são apenas amigos que contratam amigos. Então o que é preciso é mudar essa estrutura.
Meu apelido no set era “Hello Kitty”. Quando eu era garota, sabe, eu gostava de Hello Kitty. Mas acho que hoje não gosto mais. Quando trabalhei em outro set, alguém falou: “Eu queria que ela brincasse com meus pauzinhos”. Nem sequer faz sentido. Sempre sinto um pouco de medo do que é dito.
Acho que a questão é que as pessoas querem contato com outras pessoas e às vezes não sabem como fazer. A cultura moldou a nós, mulheres asiáticas, como estereótipos. O pessoal técnico que me chamava de Hello Kitty queria puxar papo comigo de alguma maneira, mas esses caras só sabiam me enxergar sob uma ótica – o modo como a cultura e a mídia me retratam. Por isso a representação é importante.
Colocar a boca no trombone leva a gente a ter problemas. Existem sindicatos, mas mesmo os sindicatos são dominados por brancos. Não existe Recursos Humanos. São simplesmente amigos que contratam amigos. Então o que é preciso, para começar, é mudar essa estrutura.
Sydoni Ellwood, 27, New York, administradora
COURTESY OF SYDONI ELLWOOD
Descobri ainda muito nova que o corpo da mulher negra geralmente é procurado apenas para o prazer, não para o amor. Então, quando um homem reage de uma maneira xis, está reforçando o que eu já sei: que, para ele, meu corpo negro não passa de um mero objeto sexual.
Houve casos em que me xingaram de “vagabunda negra!” quando rejeitei uma investida. Em casos como esses, eu sempre penso “bola para frente” – não porque isso não me incomode, mas porque, sendo mulher negra, descobri ainda muito nova que o corpo da mulher negra geralmente é procurado apenas para o prazer, não para o amor. Então, quando um homem reage de uma maneira xis, está reforçando o que eu já sei: que, para ele, meu corpo negro não passa de um mero objeto sexual.
Isso não deixa de ter uma origem histórica: Sarah Baartman, o estereótipo da Jezebel no tempo da escravidão, o livro Incidents in the Life of a Slave Girl (O relato de uma escrava, em tradução para o português), todos são exemplos de como, historicamente, as mulheres negras foram privadas de autonomia sexual e seus corpos foram usados exclusivamente para o prazer dos homens brancos que eram seus donos. Mesmo hoje, Beyoncé é uma mulher de talento imenso, mas a única coisa que algumas pessoas conseguem enxergar nela é seu corpo. Lembra aquela onda de “será que ela tem um ‘thigh gap’?” (espaço entre as coxas).
O fato de qualquer uma de nós passar por isso é lamentável, mas fico grata porque as mulheres não estão hesitando em dizer ao mundo que essas coisas acontecem e o que as pessoas podem fazer para não deixar que aconteçam tanto.
Sirisha Suri, 39, Califórnia, especialista em inteligência artificial
COURTESY OF SIRISHA SURI
Eu usava bindi todos os dias no trabalho, mas em pouco tempo abandonei esse ritual por medo de ser tratada diferente. … O problema é em parte a falta de mulheres asiáticas que defendam nossos direitos ou sirvam de exemplos para nós.
No início de minha vida profissional, eu usava bindi (maquiagem ou acessório usado no centro da testa, entre as sobrancelhas) todos os dias no trabalho. Em pouco tempo abandonei esse ritual, por medo de ser tratada diferente e dos olhares e perguntas incômodos que eu receberia de meus colegas. Ser a única mulher indiana em reuniões cheias de homens brancos era uma sensação incômoda, e pelo fato de você se diferenciar culturalmente era ainda mais difícil você abrir a boca e fazer uma participação.
A raça é um fator, sem dúvida alguma, além do sexismo. Por causa de diferenças culturais, você muitas vezes é excluída de conversas, porque não consegue se identificar com o que está sendo discutido. Eu não tinha sentido isso muito quando era colaboradora individual, mas quando passei para uma posição de liderança tive que fazer um esforço grande para aprender a falar como todo o mundo, para me enquadrar no grupo.
O problema é em parte a ausência de mulheres asiáticas que defendam nossos direitos ou sirvam de exemplos para nós. Das 1.500 pessoas que trabalham em minha organização, conheci apenas uma mulher asiática que chegou a um nível executivo comparável ao meu, então eu me sinto mais ou menos sozinha. Outra coisa é que as mulheres não se manifestam muito por medo de serem vistas como agressivas demais. E, com o inglês às vezes sendo a segunda língua da pessoa, essa é uma barreira difícil de superar.
Tendo encarado discriminação na minha vida profissional, tanto no ambiente no trabalho quanto fora dele, me lancei em um esforço para ajudar a criar uma força de trabalho mais diversa, moldando a tecnologia para ser mais inclusiva.
Carolina, 32, Nova York, relações públicas
É como se essa fosse a regra cultural, é uma coisa que é aceita e pronto. E você sente medo de verdade quando anda na rua, especialmente quando é garotinha.
Este movimento é realmente importante e eu me pergunto como as pessoas em nossas comunidades, a comunidade hispânica e a comunidade negra, vão aumentar nossa conscientização. Porque o assédio e a agressão sexual é tão prevalente, é uma coisa tão arraigada em nossa cultura, que a gente nem enxerga como algo fora do comum. É como se fosse quase imperceptível.
Desde que eu me conheço como gente, especialmente quando eu era criança e adolescente em Washington Heights, eu andava na rua e os homens falavam besteira tipo “Ei, Mami”. É como se essa fosse a regra cultural, é uma coisa que é aceita e pronto. E você sente medo de verdade quando anda na rua, especialmente quando é garotinha.
Me lembro de uma das vezes em que assobiaram para mim e me passaram cantadas. Eu estava na sexta série, tinha 11 anos de idade, estava usando boné de beisebol e brinco de argola grandão de 99 cents. Me lembro que foi tipo um caos total. Eu caminhando pela rua e homens mais velhos me passando cantada. E eu não estava entendendo nada.
Hoje tenho 32 anos, mas cara de 12. Então imagine quando eu tinha 11 anos – estava evidente que eu era uma garotinha.
Trabalhei na indústria musical – foi a partir de lá que comecei na área de relações públicas. Havia uma ousadia evidente dos homens em relação a uma mulher mais jovem e mais fácil de impressionar. Flertes agressivos e sexualização das pessoas eram comuns na indústria, mais abertamente por parte de homens brancos. Por parte de pessoas respeitadas naquele meio. Mas isso não me alarmou, na época, porque eu já estava calejada pelo fato de ter sido criada numa comunidade hispânica, onde somos alvos de cantadas e assobios e desse tipo de sexualização, todos os dias.
Fonte: Geledes.