Polônia acaba com oito anos de governo ultranacionalista com volta do pró-europeu Tusk ao poder

As reformas do Judiciário, consideradas uma ameaça ao Estado de direito, eram um ponto de atrito entre a União Europeia e a Polônia nos últimos anos

Imagem: Donald Tusk em foto de Alik K?plicz/AP

Por Márcio Damasceno, correspondente da RFI em Berlim.

Os ultraconservadores do partido Lei e Justiça (PiS) conseguiram o maior número de votos nas eleições de outubro, mas não obtiveram uma maioria do parlamento nem tinham parceiros para formar uma coalizão. Mesmo assim, o presidente polonês Andrzej Duda, que é originário do PiS, deu o mandato para formação de governo ao partido alegando que, segundo a Constituição, esse privilégio cabe à sigla com mais votos na eleição.

Com isso, o PiS conseguiu uma sobrevida importante para se fortalecer financeiramente e fazer alguns ajustes antes de deixar o poder. Foram dois meses que, segundo os críticos, o partido usou para assegurar novos postos a colaboradores e aliados que agora perdem seu emprego na máquina pública e também plantar aliados em instituições importantes, algumas vezes com cargos vitalícios.

O partido também usou esse período para mexer algumas engrenagens institucionais, como o sistema judiciário, de forma que fique mais difícil desfazer as polêmicas reformas realizadas pelo PiS no setor e que, na prática, aumentavam o controle do Executivo sobre os juízes.

As reformas do Judiciário, consideradas uma ameaça ao Estado de direito, eram um ponto de atrito entre a União Europeia e a Polônia nos últimos anos.

Reaproximação com Bruxelas

Essas reformas que afetaram a independência do sistema judiciário levaram a União Europeia a punir a Polônia, retendo bilhões de euros em fundos. Agora caberá a Tusk o trabalho de reaproximação com Bruxelas.

Esse é um dos desafios a serem enfrentados pelo novo governo, se bem que aparentemente o menor deles. Afinal, a Polônia passa a ser liderada por um primeiro-ministro pró-europeu que já foi presidente da Comissão Europeia. O tom do diálogo entre Varsóvia e Bruxelas vai ser outro. Tusk planeja viajar já no fim dessa semana para uma cúpula da União Europeia que discutirá o futuro da ajuda à Ucrânia.

A guerra no país vizinho, aliás, também um ponto espinhoso a ser enfrentado. O premiê húngaro Viktor Orbán, maior aliado da Rússia na União Europeia, exige que a adesão da Ucrânia ao bloco e bilhões de euros em verbas para Kiev sejam retirados da agenda.

O governo polonês era inicialmente um dos maiores aliados da Ucrânia, mas os laços foram abalados com a competição econômica de produtores ucranianos de grãos, acusados pelos agricultores poloneses de serem uma ameaça ao mercado de alimentos do país.

Desafios na política interna

Um outro desafio da nova gestão Tusk tende a ser a política interna, já que o PiS continua um partido com apoio popular forte e pode dificultar o trabalho do novo governo em tarefas como um retorno a políticas mais condizentes com as regras do Estado de direito; a liberalização da imprensa estatal, desfigurada como uma mera máquina de propaganda do governo ultraconservador, ou a flexibilização da restritiva política de aborto do país, por exemplo.

O PiS ainda dispõe de uma bancada parlamentar grande, a mais forte do parlamento polonês, com 194 dos 460 assentos, tem forte apoio na população, principalmente entre as mais católicos, no leste da Polônia e nas áreas rurais. Além disso, controla várias instituições estatais, tem a seu favor um poder judiciário que foi remodelado de acordo com seu viés ultraconservador durante esses oito anos de governo.

E não se pode esquecer que o presidente polonês continua sendo Andrzej Duda, que tem poder de veto sobre projetos de lei aprovados no Parlamento. Esses vetos só podem ser derrubados com uma maioria parlamentar de dois terços, e a coalizão de Tusk, formada por três partidos, não dispõe dessa maioria.

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