Policiais ameaçam de prisão deficiente visual acompanhada do seu cão-guia em praia de Santa Catarina

Por Viegas Fernandes da Costa.

O inacreditável episódio envolvendo a Polícia Militar de Santa Catarina, uma banhista cujo exercício da empatia ainda não foi desenvolvido e uma mulher cega com seu cão-guia na praia de Balneário Camboriú, além de despertar indignação nas pessoas de bom senso e de ferir o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei federal nº 13146), também suscita reflexões a respeito do preparo dos policiais, dos direitos de cidadania e de como a sociedade se relaciona com as pessoas com deficiência.

Em primeiro lugar é preciso apontar a ignorância da banhista que, mesmo sabendo tratar-se de um cão-guia acompanhando sua proprietária na praia, insistiu para que o cão fosse retirado da faixa de areia. Ainda que não houvesse uma lei assegurando o direito do animal estar junto ao seu proprietário, um breve exercício de bom senso e de compreensão para com a condição do outro (neste caso, uma pessoa com deficiência visual) deveria ser o suficiente para que a banhista se desculpasse da solicitação e tudo acabasse por resolvido. Infelizmente bom senso e compreensão não foram ingredientes presentes no episódio, e a polícia militar foi chamada.

A situação por si só já era grotesca até então. Com a presença dos policiais militares, além de grotesca, alcançou o estatus de criminosa.

Segundo a reportagem assinada pela jornalista Dagmara Spautz e publicada no jornal “O Sol Diário” (28/02/2017), um dos policiais disse “que o cão-guia não deveria ser usado em situações de lazer”. A afirmação, além de demonstrar a completa ignorância do policial a respeito daquilo que determina a Lei 13146 (cuja obrigação, como agente do Estado, é conhecer e garantir para que se cumpra), representou escancarado ato de discriminação contra a pessoa com deficiência visual na medida em que a impede à atividade de lazer, outro direito assegurado pela Constituição a todos os cidadãos. Por trás da fala do policial está a ideia, tão comum ao século 19, de que as pessoas com deficiência devem permanecer enclausuradas em seus espaços privados e distantes da vista das pessoas “normais”. Porque se o cão-guia não deve ser utilizado em situações de lazer, segundo o policial, para quais situações deve ser utilizado?

Toda esta situação, além de grave e grotesca, tornou-se ainda mais inadmissível na medida em que os policiais militares ameaçaram de prisão a pessoa com deficiência visual. Além do crime de discriminação e de desconhecerem a lei, os policiais incorreram em abuso de autoridade. A obrigação dos agentes do Estado era a de orientar a banhista incomodada e, caso esta insistisse no constrangimento à pessoa com deficiência, dar voz de prisão a ela por impedir o direito de ir e vir de uma cidadã que tem no cão os meios de se deslocar de forma autônoma. A situação só foi resolvida após a intervenção dos profissionais do Instituto Federal Catarinense, responsáveis pelo treinamento do cão, e de um oficial da Polícia Militar. Inadmissível!

O que se espera agora é que os policiais militares envolvidos no caso sejam punidos administrativamente e que a Polícia Militar de Santa Catarina invista urgentemente na qualificação e preparo dos seus servidores.

Viegas Fernandes da Costa é professor do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC).

Foto: IFC Camboriú

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