Por Daniel Giovanaz.
A Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados deve analisar nesta terça-feira (30) o Projeto de Lei (PL) nº 2636/2011, que altera os requisitos para trabalhadores de ambientes artificialmente frios acessarem o direito à “pausa térmica” de 20 minutos.
O PL nº 2636/2011 estabelece o teto de 4ºC para as atividades em câmara frigorífica, o que, segundo estimativa do Ministério Público do Trabalho (MPT), retiraria o direito à pausa térmica de 95% dos trabalhadores do setor.
Esse intervalo é previsto na legislação brasileira desde 1943, para assegurar que o organismo dos operários se recupere da exposição ao frio intenso, prevenindo doenças ocupacionais.
Conforme o artigo 253 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), esse direito é assegurado a profissionais que trabalham no interior das câmaras frigoríficas e àqueles que movimentam mercadorias “do ambiente quente ou normal para o frio e vice-versa”, depois de 1h40 de trabalho contínuo.
O projeto, de autoria do ex-deputado Silvio Costa (PTB-PE), é apoiado há oito anos por entidades empresariais como a União Brasileira de Avicultura (Ubabef), a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec) e a Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs).
A mudança proposta
O conceito de artificialmente frio, na CLT, varia conforme as zonas climáticas do extinto Ministério do Trabalho. Dependendo da região do país, temperaturas inferiores a 15ºC já se enquadram nessa categoria. Em outras zonas, o limite máximo para aplicação das regras é 10ºC.
O alerta sobre o PL nº 2636/2011 está presente em uma nota técnica assinada no último dia 22 pelos procuradores Priscila Dibi Schvarcz, Sandro Eduardo Sardá e Lincoln Roberto Nobrega Cordeiro, gerentes do Projeto Nacional de Frigoríficos do MPT, e por Márcia Kamei Lopez Aliaga e Luciano Lima Leivas, da Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente de Trabalho.
“Nos frigoríficos de aves, bovinos e suínos, dentre outros, somente os setores de expedição e paletização apresentam temperaturas iguais ou inferiores a 4ºC e contam com trabalhadores que movimentam mercadorias, setores que não chegam a empregar 5% do total de empregados em uma planta frigorífica”, diz o texto.
Os cinco procuradores lembram que a atividade frigorífica é a que mais gera acidente e adoecimentos ocupacionais na indústria brasileira, segundo o Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho da Previdência Social.
“Considerando que, sem contar com o elevado número de subnotificações, a atividade econômica em comento foi responsável por gerar mais de 22 mil acidentes de trabalho e doenças ocupacionais no Brasil, a alteração legislativa proposta configura um profundo retrocesso social, em violação aos artigos 6º, 7º e 196 da Constituição Federal que asseguram a saúde como direito fundamental das trabalhadores e trabalhadores”, completa a nota.
Mais reações
No último dia 26, a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e a Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (ABRAT) também divulgaram uma nota pública contra o PL.
“A organização do trabalho em frigoríficos caracteriza-se por ritmo intenso, baixas temperaturas, umidade, posturas inadequadas, riscos de acidentes e exposição a agentes biológicos, entre outros fatores e condições igualmente penosos e insalubres, razão pela qual a concessão das pausas de recuperação cumpre o fundamental intuito de proteção a saúde física e psíquica dos trabalhadores e trabalhadoras”, afirmam os presidentes e vices das duas organizações.
“O trabalho contínuo em ambiente frio deteriora componentes musculares e o funcionamento neural, sendo sugestivo do desenvolvimento de distúrbios musculoesqueléticos. A exposição ao ar frio, ademais, causa alterações inflamatórias das vias aéreas, compromete a função respiratória e precipita crises de asma em indivíduos predispostos” acrescenta o texto.
O setor tem mais de 500 mil trabalhadores, e a ANPT e a ABRAT alertam até para o risco de mais casos graves de covid-19 nessa atividade, caso o PL seja aprovado.
Nesta segunda-feira (29), após a publicação da primeira versão da reportagem, o Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e Ministério Público do Trabalho (Ipeatra) também subscreveu essa nota pública.
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), da mesma forma, tem posição contrária ao PL. A presidente da entidade, Noemia Porto, afirmou também no dia 29 que a proposta “em nada contribui para melhorar a condição social e de trabalho no setor, apenas agravando um quadro que já é dos mais desalentadores.”
Assim que o projeto entrou na pauta da comissão na Câmara, o presidente da Confederação Brasileira Democrática dos Trabalhadores na Indústria da Alimentação (Contac-CUT) solicitou uma reunião virtual com o deputado Marcelo Ramos (PL-AM). Vice-presidente da Casa e presidente da comissão, o parlamentar pode ter papel decisivo na tramitação, segundo interlocutores.
Estados que abrigam grande número de frigoríficos vêm debatendo os impactos das tentativas recentes de flexibilização das normas de saúde e segurança do trabalho. No próximo dia 29, às 14 horas, a Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) fará uma audiência pública sobre o tema. O evento será transmitido pela TV AL para Santa Catarina e pelo canal da Alesc no Youtube.
Além do PL nº 2636/2011, a Alesc debaterá o processo de revisão da Norma Regulamentadora (NR) 36, que pode colocar em xeque um conjunto de normas para prevenção de acidentes e adoecimentos no setor. O governo Jair Bolsonaro (sem partido) promete revisar a NR 36 em agosto, e entidades empresariais sugeriram uma série de mudanças, incluindo restrições no direito à pausa.
A revisão deve ocorrer em plena pandemia de covid-19, que fez disparar a lucratividade do setor e, em paralelo, os riscos de adoecimento.
O segmento registrou 2,8 mil afastamentos por covid-19 no terceiro trimestre de 2020. A única área com mais afastamentos por esse motivo no período foi a dos profissionais de saúde.
Edição: Rebeca Cavalcante.