Por Tatiana Dias, The Intercept.
No começo desta semana, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, falou com a maior naturalidade do mundo que era comum receber minutas de golpe de apoiadores de Bolsonaro. “Eu recebia e moía”, confirmou. Com Bolsonaro, o notório partido do Centrão migrou para a extrema-direita: questionou as urnas nas últimas eleições (com acusações “falsas e mentirosas”, segundo o Tribunal Superior Eleitoral) e elegeu uma bancada extremista, com expoentes como Nikolas Ferreira e Carla Zambelli.
Agora, é esse mesmo PL que pode abocanhar a presidência da Frente Digital, a bancada criada para discutir tecnologia e cidadania digital no Congresso (leia-se: fazer lobby representando grandes empresas do setor tecnológico).
O posto hoje é ocupado pela “nem de esquerda nem de direita” Luiza Canziani, do PSD, e o cotado para assumir pela legenda do ex-presidente é Zé Vitor, segundo a própria Frente Digital.
O deputado de 39 anos, eleito por Minas Gerais pelo PMN, é engenheiro agrônomo e empresário na área de alimentos e fertilizantes. Filiou-se ao PL ainda em 2019. No ano passado, alinhou-se à extrema direita a ponto de ser um dos signatários do pedido de abertura de uma CPI para investigar supostos abusos de poder do TSE e do STF e também da CPI das pesquisas.
Zé Vitor não atuava na área de inovação, tecnologia e direitos digitais, focos da Frente, até o ano passado, quando participou do tour pela Califórnia bajulando grandes empresas de tecnologia. O passeio — bancado com dinheiro público, como contamos aqui — foi compartilhado com entusiasmo pelo próprio perfil da Frente Digital.
Nesta legislatura, é Zé Vitor quem está encabeçando a reconstituição da Frente Digital. Segundo a assessoria do órgão, o deputado já apresentou o requerimento para recriação da bancada e “está articulando a composição de chapa para a mesa diretora”. “Até o momento, não temos notícias de interesse de formação de nenhuma outra chapa”, me disse a assessoria.
“O secretariado da Frente continua existente, no aguardo da composição de sua liderança”, me explicou o Instituto Cidadania Digital, que assessora e responde pela bancada parlamentar. O instituto, como também já explicamos, é mantido por associações e empresas como Google e iFood — que têm interesse direto nos temas e projetos de lei tratados pelo aglomerado de deputados e senadores.
Um deles, por exemplo, vai ser uma das grandes trincheiras deste ano: as discussões sobre regulação das plataformas. Com o trauma de 8 de janeiro, o ministro da Justiça Flávio Dino incluiu em seu pacote antigolpe uma medida provisória que deve tratar da responsabilidade das plataformas na propagação de conteúdo criminoso. O texto não foi divulgado, então não é possível saber exatamente seu teor. A previsão é que empresas serão obrigadas, em caso expresso de violação à lei, a removerem conteúdos mesmo sem ordem judicial.
A proposta despertou críticas de vários lados. Nos últimos anos, a Câmara discutiu calorosamente o PL 2630, das Fake News, que previa uma série de mecanismos para regular a área e responsabilizar as plataformas. Mas o texto acabou travado após muito lobby e pressão intensa do Facebook, Google e entidades ligadas a essas empresas. Críticos dizem que a MP do governo desconsidera o debate que já aconteceu nas discussões do PL das Fake News. O ministro defende que a MP versa apenas sobre crimes contra o Estado Democrático de Direito tipificados no Código Penal e na Lei Antiterrorismo, e não trata de fake news.
O ano legislativo ainda nem tinha começado, mas a Frente Digital também se manifestou contra a proposta de Dino. Zé Vitor, ele mesmo, deu uma entrevista ao Antagonista afirmando que “utilizar um instrumento unilateral sem nenhuma participação ativa de representantes do povo e da sociedade civil seria, para um tema desta complexidade, para além de atropelar o parlamento, um erro”. O parlamentar ainda disse que as plataformas não teriam “prazo hábil” para se adaptarem às novas regras.
Se a fala de Zé Vitor é razoável ao pedir mais discussão para um tema complexo, também é necessário mostrar a urgência da questão e o papel central das redes sociais na ameaça à democracia. Já mostramos no Intercept que, só em relação ao 8 de janeiro, golpistas transmitiram lives por horas durante os ataques e as big techs lucraram com isso. Assim como fizeram dinheiro com os atos golpistas de 7 de setembro e também com os ataques às urnas eletrônicas.
Qualquer semelhança com a agenda do PL nos últimos meses não é coincidência. Todos os cinco deputados que, por questionarem o resultado logo após as eleições, tiveram contas em redes sociais suspensas pelo TSE são colegas de partido de Zé Vitor.