Pessimismo da razão, otimismo da vontade

Cia-do-latão_divulgação

Por Paulo Bio Toledo. A Cia. do Latão realiza desde o final de julho uma mostra de repertório na Oficina Cultural Oswald de Andrade, em São Paulo, com apresentações de suas três últimas peças, além de um seminário que pretende unir pesquisadores e artistas do país todo interessados nos debates sobre arte e sociedade.

Apesar da permanente resistência conservadora à sua produção artística, o grupo acumula uma trajetória político-teatral substantiva na contramão da maré ideológica e segue inventando formas de criação e de atuação anticapitalistas.

O Latão surgiu na década de 1990, quando o teatro nacional vinha reestabelecendo uma tradição de produção coletiva com renovado espírito crítico e inconformista, essencialmente na cidade de São Paulo (vários dos grupos fundados no período encabeçariam mais tarde o movimento Arte Contra a Barbárie).

Desde o início, a Companhia fundamenta seu trabalho nas lições dialéticas de Bertolt Brecht e foi o interesse pelo autor alemão que, segundo o diretor e fundador, Sérgio de Carvalho, “obrigou o grupo a pensar o que significa fazer teatro nas condições de um país periférico como o Brasil” .

Em quase 18 anos de atividades, a Cia. do Latão se destaca por uma vigorosa reflexão histórica e atuação artística no campo da luta social. Talvez seja hoje o principal herdeiro das tradições modernas de engajamento em arte dos anos 1960, que foram suprimidas pelos militares no poder.

O interesse artístico pelas contradições do país é central na trajetória da Cia. e pode ser observado em suas três últimas peças, que compõem a mostra de repertório em cartaz na Oficina Cultural Oswald de Andrade até setembro.

Repertório

A montagem do Latão da obra clássica de Brecht, O Círculo de Giz Caucasiano, de 2006, tem início com um prólogo em vídeo produzido com lavradores e lavradoras do assentamento Carlos Lamarca do MST, trazendo a dialética da peça brechtiana para o centro da luta pela terra no Brasil, além de mostrar formas experimentais de criação junto aos movimentos sociais.

Depois da montagem clássica, o grupo passou vários anos mergulhado num processo de pesquisa sobre o trabalho da cultura no país desde a década de 1960. O resultado foi o espetáculo Ópera dos Vivos. A obra monumental em quatro atos é uma contribuição avançada para o debate histórico sobre o desenvolvimento conservador da cultura por aqui.

A peça contrapõe a formação do aparelho ideológico em arte, no qual “as estruturas produtivas se fetichizaram e operam no automático”, com um momento único na histórica do país, nos anos anteriores à inflexão militar de 1964, quando “os ideais tinham ainda um grau de conexão com uma prática”. Para Sérgio de Carvalho, o sentimento negativo que ronda a peça é um dado realista “diante dessa disseminação da ideia de que o capitalismo não é mais problema, de que ele é um dado do real”.

Completando o repertório em cartaz, a comédia O Patrão Cordial, última criação da Cia., é uma leitura livre do texto O Senhor Puntila e Seu Criado Matti, de Brecht, visto à luz da obra seminal de Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil. O espetáculo lida com um tema clássico de interpretação do país. Segundo o diretor, fala-se sobre a “sociabilidade marcada pela anulação do outro” e sobre como “essa violência se torna tanto mais perversa quanto mais açucarada, quanto mais aparenta ser afetiva”.

Diálogo com a fronteira

A peça foi desenvolvida com estrutura material simples, pelo desejo de circular por ambientes populares, para além do circuito teatral urbano. E este diálogo produtivo com “a fronteira, com a margem do aparelho cultural, com o lugar onde o teatro pode sair do teatro” é um interesse essencial para o trabalho do Latão.

“A força histórica do grupo é justamente a percepção de que interessa mais conversar com gente que não entende arte da perspectiva do consumo cultural e que vê ali a chance de uma emancipação”, afirma Sérgio de Carvalho.

O que chama a atenção é que o interesse por circular fora do mercado cultural não diminui a elaboração estética do trabalho. Ao contrário, para o diretor do Latão, contestando o senso comum sobre a questão, “quanto mais popular é uma plateia, mais sofisticação estética real ela tem condições de ter, ela está sempre mais preparada para o novo”.

Contra-hegemonia

Como se pode imaginar, a posição engajada do Latão destoa do discurso que se torna hegemônico no campo estético-teatral do país: de um lado, uma tendência que privilegia “uma espécie de imaginário difuso, o elogio à desconexão com o mundo”, observa o diretor; de outro, tendências abertamente conservadoras e dualistas cada vez mais presentes no cenário cultural.

Para Sérgio de Carvalho, conforme os tempos ficam mais sombrios, também o cerco se fecha e “a situação do Latão fica cada vez mais difícil”. “Maior resistência, maior oposição, mais gente querendo desqualificar o trabalho, dificuldade de ganhar editais, de conquistar o mínimo de estrutura de trabalho”.

Mesmo sabendo que a realização plena de um projeto moderno de intenções populares irá sempre depender “de um mundo melhor fora do teatro”, o grupo segue produzindo e tentando desestabilizar, pouco que seja, a barbárie em marcha.

Para Sérgio de Carvalho, a beleza e a dificuldade do teatro “é que ele depende do tempo presente”, assim, “no teatro, mensagem na garrafa não existe, a garrafa precisa ser um pouco de coquetel molotov”.

Serviço

Mostra de repertório do Latão

http://www.companhiadolatao.com.br/blog/?p=919

O CÍRCULO DE GIZ CAUCASIANO

De 14 de agosto a 30 de setembro, às 18 horas.

Sessão especial no dia 26 de agosto.

ÓPERA DOS VIVOS

De 03 a 06 de setembro, às 18 horas.

O PATRÃO CORDIAL.

Novas apresentações nos dias 12 e 13 de setembro.

I SEMINÁRIO TEATRO E SOCIEDADE

http://www.companhiadolatao.com.br/blog/?p=924

9, 10 e 11 de setembro 2014

Oficina Cultural Oswald Andrade

Rua Três Rios, 363 – Bom Retiro – São Paulo/SP

3221-5558 ou 3221-4704.

OFICINA

Oficina de direção teatral a partir de princípios do teatro dialético, com Sérgio de Carvalho (Companhia do Latão). Serão selecionados 20 oficinandos. A oficina será realizada de 10h às 13h nos dias 09, 10 e 11.

A seleção será feita através de carta de intenção (ficha de inscrição).

PROGRAMAÇÃO

09.09.2014

10:00-13:00 – Oficina

Sessões de Comunicação

14:00 – 15:30 – Primeira Sessão de Comunicação: 3 grupos

16:00– 17:30 – Segunda Sessão de Comunicação: 3 grupos

18:00 – 19:00 – Intervalo para Lanche

19:00 – 21:00 – Palestrante convidada Profa. Maria Helena Serôdio (Universidade de Lisboa).

10.09.2014

10:00-13:00 – Oficina

Sessões de Comunicação

14:00 – 15:30 – Primeira Sessão de Comunicação: 3 grupos

16:00 – 17:30 – Segunda Sessão de Comunicação: 3 grupos

18:00 – 19:00 – Intervalo para Lanche

19:00 – 21:00 – Palestrante Convidado (em breve será divulgado).

11.09.2014

10:00 – 13:00 – Oficina

14:00 – 16:00 – Plenária conduzida pela Comissão Organizadora apenas com os participantes selecionados para as Comunicações ou representantes de grupos convidados

17:00 – 19:00 – Palestra Convidado (em breve será divulgado)

19:00 – Encontro de Encerramento

COMISSÃO ORGANIZADORA

Prof. Dr. Sérgio de Carvalho (Universidade de São Paulo)

Profa. Dra. Priscila Matsunaga (Universidade Federal do Rio de Janeiro)

Prof. Dr. Alexandre Flory (Universidade Estadual de Maringá)

INFORMAÇÕES E INSCRIÇÕES

[email protected]

Foto: Reprodução/Brasil de Fato

Fonte: Brasil de Fato

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