Pesquisas eleitorais: margem de erro e manipulação

    voto

    Por  Samuel Lima.*

    A menos de duas semanas do 2º turno das eleições presidenciais um espectro ronda a democracia brasileira: as pesquisas eleitorais, ainda carentes de explicações de tantos erros para além da “margem”, ante o resultado das urnas de 05 de outubro passado. No foco dos debates e suspeitas, a dobradinha sórdida entre os institutos de pesquisa (dos mais notáveis como Datafolha e Ibope, passando pelos mais venais, de alcance regional) com a mídia corporativa.

    É curioso que o debate até aqui não tenha apontado para algo fundamental, a meu singelo olhar. Explico: as tais sondagens não se constituem em “pesquisas”, pelo menos no sentido científico do termo. Os institutos as apresentam como se fossem estudos probabilísticos, nos quais uma determinada amostra de indivíduos representaria o universo de quase 143 milhões de eleitores. Eles não dispõem de uma lista geral dos eleitores (cadastro do Tribunal Superior Eleitoral, TSE) e, portanto, não podem fazer o sorteio ou escolha aleatória que é um pressuposto fundamental dos estudos por amostragem (e com cálculo preciso da amostra). Esse é o embuste central das sondagens de opinião feitas para alimentar manchetes de jornais, revistas, telejornais e programas de rádios. E, de quebra, inundam a vastidão das chamadas redes sociais na internet.

    Uma evidência inequívoca dessa manobra, para muitíssimo além do conceito de “margem de erro” (aceitável e justificável, estatisticamente em estudos científicos) chegando aos limites insondáveis da mais grotesca manipulação. Falo da sondagem feita pelo Instituto Sensus/Revista ISTOÉ, nos primeiros dias do 2º turno que deu 17% de frente ao candidato Aécio Neves. Como a internet permite que façamos hoje boas buscas e pesquisas exploratórias, logo a tal “pesquisa” foi flagrada em seu viés mais grosseiro.

    Foi o que fez Eder Carvalho, técnico de Auditoria do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE/PE). Comparando as informações metodológicas da tal “pesquisa” com a base de dados geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o auditor do TCE/PE desmontou a fraude da revista ISTOÉ/Sensus. Escreveu ele: “O Instituto manipulou a tabulação dos eleitores por faixa etária, diferente da utilizada pelo TSE, o que impede a verificação de alguns perfis. Aumentaram o peso dos eleitores de mais de 16/17 anos em 4 vezes (de 1,15% para 4,8%) e dos eleitores de 18 a 24 anos em 2 p.p.” (Fonte: http://migre.me/mgooT). Nas duas faixas, Marina obteve vantagem e teoricamente boa parte desses votos da juventude tendem a ir para o candidato Aécio Neves. Portanto, é inegável o impacto desse enviesamento nos resultados finais. Além disso, Carvalho denunciou algo mais grave ainda: “Adotaram uma tabulação do número de eleitores por faixa etária totalmente diferente da que está no TSE, impedindo a conferência nas outras faixas acima de 24 anos” (fonte cit.). Talvez por isso tal “pesquisa” evaporou e caiu em total descrédito e ninguém mais se referiu a ela no debate público.

    A análise dos erros grosseiros da abjeta dobradinha, no primeiro turno, foi pauta da coluna da jornalista Vera Guimarães Martins, ombudsman da Folha de S. Paulo (Edição 12/10/2014, p. A6). Um dado revelador desse tipo de jogo político rasteiro nos é revelado por ela: “Em 44 dias a Folha deu oito manchetes para o Datafolha e uma para o Ibope, fora os títulos menores” (Fonte: http://migre.me/mgoF8). Além de agendar o debate na sociedade, o uso desses dados carentes de fundamentação científica acaba por impactar profundamente o processo, de maneira vertical e além da soberania do voto. Vera faz uma crítica à postura da Folha, após esse festival de erros: “Pelo predomínio e influência das pesquisas no noticiário – e nos votos –, era obrigatório que o jornal fizesse uma avaliação consistente das divergências entre urnas e pesquisas” (Fonte cit.). O diário paulista se fingiu de morto…

    É o que candidamente admite a Diretora Executiva do Ibope, Márcia Cavallari, em entrevista ao jornal Valor Econômico (Edição 10/10/2014, Caderno “Eu & Fim de Semana”, p. 4-7). Indagada sobre a influência da pesquisa nos corações e mentes dos eleitores e eleitoras, Márcia foi transparente: “O humor da militância, as coligações e o espaço que a mídia dá aos candidatos”. Só isso, caríssimo/a leitor/a? Ou seja, resultados de estudos “meia-boca” anunciados como pesquisas científicas probabilísticas (com supostas margens de erro e intervalos de confiança de 95% – se repetidas, em 100 entrevistas 95 estariam certas dentro da margem de erro e blá-blá-blá tantas vezes repetidas pelos apresentadores de TV), nunca influenciaram e manipularam tanto (ou pelo menos tentaram vigorosamente) a vontade soberana do eleitor, ferindo profundamente a democracia.

    Vejamos ainda, no 1º turno, um exemplo categórico desse tipo de manipulação. Falo das eleições para governador na Bahia. Ali, o eleitor/a que pretendia votar no candidato Rui Costa (PT) teve seu “final feliz”, ignorando o que diziam as diferentes pesquisas, aparentemente todas enviesadas. O mesmo Instituto Sensus previra, três semanas antes das eleições, que o candidato Paulo Souto (DEM) ganharia as eleições no primeiro turno com “43% das intenções de voto, enquanto o segundo colocado, Rui Costa, do PT, aparece com 16%. Em terceiro lugar está Lídice da Mata, do PSB, com 10%” (Fonte: http://migre.me/mgp0s). O candidato petista ganhou as eleições no primeiro turno, com 54,53% dos votos válidos contra 37,39% para Souto. Ou seja, não há estatística, nem fundamento teórico-metodológico que explique tal vexame das pesquisas. Márcia Cavallari (Ibope) ainda tenta minimizar dizendo que na véspera seu instituto previu “empate técnico”. Ou seja, para ela vis-à-vis os resultados com os votos contados nas urnas, “a pesquisa não é um oráculo”. Mas, nas manchetes da mídia é sempre apresentada como verdade absoluta.

    Enfim, como tais sondagens de opinião configuram pesquisas não-probabilísticas jamais poderiam ser apresentadas como tal, generalizando seus resultados e induzindo o eleitor e eleitora a erro, sobretudo naquela faixa de votos “em quem vai ganhar” – e não é percentual desprezível numa disputa acirrada. Além da ausência de honestidade intelectual básica para admitir tais limites teórico-metodológicos, faltam aos Institutos de Pesquisas (e às empresas de mídias que em geral são seus contratantes) transparência total sobre as informações metodológicas: quando, onde e de que forma foram feitas as coletas? Sabe-se que tais sondagens de opinião são feitas por conveniência, em locais de alto trânsito de pessoas nos centros urbanos. A leitura dos dados disponíveis nos sites não nos permitem conclusões sobre esses procedimentos fundamentais.

    Estamos diante de uma disputa muito acirrada entre a candidata à reeleição Dilma Rousseff (PT) e o senador Aécio Neves (PSDB). Qualquer manobra desse tipo pode decidir o processo. A pauta/idéia fixa “Petrobras”, com o vazamento seletivo finalmente denunciado (o conluio entre o juiz Federal Sérgio Fernando Moro, responsável pelos vazamentos seletivos da “Operação Lava-Jato”: ele é ligado ao deputado tucano Fernando Francischini (PSDB/PR), ex-delegado da PF) é uma dessas “balas de prata”. A outra pode ser uma nova onda de “pesquisas”, nos últimos 10 dias, impactando o processo e usurpando a vontade soberana do eleitor.

    Em outras palavras, recorro ao decano Janio de Freitas (Folha de S. Paulo, Ed. 12/10/2014, Caderno “Eleições 2014”, p. 3) para uma reflexão final sobre aquilo que está em jogo no dia 26 de outubro: “Entre o Bolsa Família e a Bolsa de Valores, há mais do que uma disputa eleitoral entre os mal informados e os bem deformados”. Institutos de Pesquisa e seus parceiros na mídia tradicional se misturam para tentar faturar uns votinhos para seu candidato neste segundo turno. A julgar pelas capas das principais revistas semanais (Veja, Época e IstoÉ, edições desta semana) não resta nenhuma dúvida dessa imparcialidade jornalística.

    * Jornalista, professor-adjunto da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (FAC/UnB). É pesquisador do Laboratório de Sociologia do Trabalho (LASTRO) do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política (UFSC) e do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS/UFSC).

    Fonte: Blog Manuel Dutra

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