A América Latina foi extremamente impactada pelas revelações do Pandora Papers. Foram denunciados dois presidentes da República (Sebastián Piñera do Chile e Guillermo Lasso do Equador, ambos de extrema direita) e pegos com a boca na botija, também, os dois principais homens da economia no Brasil. De acordo com levantamento, o ministro da Economia Paulo Guedes mantém empresas offshores em refúgios fiscais mesmo após ter ingressado no governo Bolsonaro. O mesmo se aplica ao presidente do Banco Central Roberto Campos Neto, que manteve 15 offshores, por 15 meses após assumir o seu cargo, o que choca com as normas da Lei de Conflito de Interesses e do próprio serviço público.
Os valores de Paulo Guedes em offshore em um refúgio fiscal alcançam US$ 9,55 milhões, mais de R$ 50 milhões. A offshore de Paulo Guedes se localiza nas Ilhas Virgens Britânicas, um refúgio fiscal no Caribe, o que é proibido pela lei por conta do cargo público que ocupa. No Brasil, é permitido ter offshores, desde que declaradas à Receita Federal e, quando seus ativos ultrapassam 1 milhão de dólares, ao Banco Central.
É possível que os serviços de espionagem norte-americano estejam por detrás da megaoperação, que envolve 600 jornalistas. Joe Biden, no começo do seu governo, declarou que uma das suas prioridades seria enfrentar o problema da corrupção. Realizou no início do governo, inclusive, uma turnê pela América Latina, acompanhado da vice-presidente. No continente o problema da corrupção é estrutural, tanto entre os países atrasados, quanto entre os países desenvolvidos também. As denúncias da operação podem ser um ajuste de contas entre as facções do imperialismo. Nunca se sabe direito porque há muitas lutas internas entre as forças imperialistas. Às vezes algum setor que é muito conservador coloca um obstáculo ao desenvolvimento de uma política imperialista, por isso tentam remover.
Essas denúncias, que nada têm de ingênuas e são muito seletivas, têm implicações muito fortes na América Latina porque na lista estão o presidente do Chile, do Equador e exatamente as duas principais autoridades econômicas do Brasil, Paulo Guedes e Roberto Campos. Esses dois são peças fundamentais do esquema e da própria terceira via. Não são homens do Bolsonaro, compõem o time dos banqueiros, dos grandes capitalistas que mandam no governo. É possível que seus nomes não estivessem previstos, apareceram na lista por algum acidente de percurso. Uma eventual substituição de Paulo Guedes no governo não garante a manutenção da política de guerra contra a população, que é o que interessa para os que administram o golpe no Brasil. Paulo Guedes está ali para implementar a política neoliberal, se ele sai, esta política pode ficar completamente fora de controle.
Paulo Guedes escapou dos esclarecimentos que deveria prestar à Câmara dos Deputados, no dia 13, através de oportuna viagem para os Estados Unidos na segunda-feira (11). Foi com ele também o outro implicado, Roberto Campos Neto. É natural que procurem fugir do depoimento, pois terão que explicar o inexplicável. Isso fica evidente pelas esfarrapadas justificativas que os advogados de Guedes deram à PGR (no dia 06.10). O importante não é se ele gerenciou ou não a empresa, se fez saques ou aportes após virar ministro. O grave é ter mantido este tipo de investimentos, que foram muito afetado por medidas por ele tomadas.
Paulo Guedes e Roberto Campos são peças fundamentais do esquema da própria terceira via. Os grandes capitalistas sustentam Bolsonaro porque tem lá no governo o Paulo Guedes que está fazendo o serviço (por exemplo, as privatizações da Eletrobrás e dos Correios). O principal responsável pela política que está matando a população de fome, que empurra goela abaixo a política neoliberal mais severa possível, que acabou com a política de salário mínimo, tem uma fortuna em refúgio fiscal, visando esconder o dinheiro, se proteger de crises e para ganhar mais dinheiro. O ministro, que mantém R$ 51 milhões escondidos num refúgio fiscal é o mesmo que está fazendo a reforma administrativa, que irá destruir os serviços públicos e os salários do funcionalismo. A reforma administrativa, que é um ataque daqueles que tomaram o poder à força em 2016, e que fraudaram as eleições de 2018, contra o povo brasileiro, para destruir os serviços públicos tal como hoje os conhecemos.
As denúncias do Pandora Papers, que revela o vergonhoso envolvimento dos dois principais homens da economia brasileira, com investimentos ilegais em refúgios fiscais, deve indignar, mas não surpreendem ninguém. Esses cidadãos são fruto de duas grandes ilegalidades, que foram o golpe de 2016 e a fraude eleitoral de 2018. Manter uma fortuna em refúgios fiscais, para esconder dinheiro e aumentar margens de lucro, é fichinha perto do que vem sendo feito na política econômica desde então. Os investimentos, são praticamente um aquecimento para, por exemplo, vender a Eletrobrás, a mais importante geradora de energia da América Latina, a preços de banana.
O mesmo vale para o retorno da fome no Brasil, que é resultado de um processo político. As políticas decorrentes do golpe de 2016 estão na raiz das causas para o agravamento da fome. Aprovaram a Emenda 95, do teto de gastos, que congelou todos os gastos primários do governo. As políticas sociais e programas de transferência de renda foram sendo esvaziados. Equipamentos de segurança alimentar, como banco de alimentos, foram fechados de forma criminosa. Ao mesmo tempo o combate aos direitos dos pobres e dos trabalhadores se dá em todas as frentes e não cessa nunca. Do golpe para cá, com aprofundamento no governo Bolsonaro, são centenas (possivelmente mais de mil), ações destruindo direitos e benefícios dos trabalhadores, sempre conquistados em décadas de sangue, suor e lágrimas.
Nada poderia ser mais grave do que apoiar o golpe de 2016 e todas as suas políticas, que já mataram centenas de milhares de brasileiros. As revelações da operação Pandora Papers sobre Paulo Guedes e Roberto Campos Neto, apenas evidenciam, de novo, o que move a turma que promoveu/apoiou o golpe de 2016: falta de compromisso com o Brasil, ausência absoluta de patriotismo e subserviência desmedida ao imperialismo. Por isso, todo o desmanche do Brasil que foi realizado desde 2016 teria que ser anulado por um próximo governo democrático.
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José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
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