Por Portal Desacato e CIMI Sul.
A campanha solidária dos movimentos sociais e entidades de Quilombo/SC, é uma ação construída pelo Conselho Indigenista Missionário – CIMI – Regional Sul, Movimento de Mulheres Camponesas em conjunto com outras nove organizações. Ela nasceu de uma necessidade concreta de garantir dignidade às famílias indígenas do Norte do Rio Grande do Sul e do Oeste de Santa Catarina, sendo em sua maioria pessoas indígenas que vivem em contexto de acampamento. Desde o início da pandemia da covid-19, no ano de 2020, a desassistência a esses grupos se ampliou, fazendo do ambiente de vida, um espaço de maior vulnerabilidade, com a falta de alimentos, produtos de higiene e limpeza, por exemplo.
No Brasil, já são 1063 pessoas indígenas mortas pela covid-19 e pela antipolítica, um total de 163 povos atingidos e mais de cinquenta mil infectados, segundo dados do site: https://emergenciaindigena.apiboficial.org/dados_covid19/.
Pelo aumento de mortes e de pessoas infectadas, no ano de 2021, se tornou ainda mais importante a prática da solidariedade, isso porque, órgãos do governo federal, que deveriam atuar no sentido de promover políticas de proteção à vida indígena, deixaram de cumprir com seu papel fundamental. “A Fundação Nacional do Índio, por exemplo, responsável pelo atendimento dessas comunidades, se omitiu e não buscou formas de fazer com que essas famílias tivessem um mínimo de dignidade, em um cenário onde muitas vezes nem o acesso à água potável existe. Por isso a nossa preocupação aumentou e se consolidou com a organização de uma grande rede de solidariedade para levar alguns produtos de fundamental importância nesse momento para essas famílias”, explicou Ivan Cesar Cima, integrante da coordenação colegiada do CIMI Sul.
Um vídeo foi realizado no intuito sensibilizar as pessoas para a partilha, visando arrecadar os seguintes itens: feijão, arroz, farinha de milho, trigo, produtos de higiene e limpeza, mandioca, frutas cítricas, abacates, banana, batata doce, abóboras, morangas, banha de porco, dentre outros.
As organizações que contribuíram com essa ação, que teve início no mês de março e pretende seguir no decorrer do ano são: CIMI Sul, Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Sindicato dos Trabalhadores na Agricultura Familiar de Quilombo e Região (SINTRAF), Rádio Comunitária A Voz do Povo, Bancada de Vereadores do Partido dos Trabalhadores de Quilombo, Cooperagrifam, Cooperaqui, Paróquia Santa Inês (Quilombo, Formosa do Sul, Santiago do Sul e Irati), Paróquia São Domingos (São Domingos), Paroquia Santa Lúcia (Anchieta) e CRESOL.
Porque contribuir? Alerta de risco à vida dos povos indígenas e comunidades tradicionais
O coronavírus, causador da COVI-19, surgiu em 2020 como mais um grave problema à saúde e somou-se aos demais enfrentados cotidianamente pelos povos indígenas e por outras comunidades originárias e tradicionais. A situação de alerta e de risco à vida, que todos enfrentamos nestes tempos de pandemia, é agravada, no caso dos povos indígenas e quilombolas, em função de alguns fatores, em especial a omissão e negligência criminosa dos gestores do Estado, que não demarcam e regularizam os territórios, ou que permitem, tácita ou expressamente, que ocorram invasões em áreas demarcadas, naquelas dos povos em situação de isolamento e risco, bem como nas que estavam com procedimentos de demarcação em andamento e foram paralisados.
Há, ainda, que se considerar que o governo promoveu a desestruturação das políticas públicas, esvaziando os serviços e provocando reformulações e rearranjos com o intento de impedir, no caso da saúde indígena, que na base do Subsistema, que são os distritos sanitários especiais, haja participação e controle social dos povos indígenas. Bolsonaro, logo que assumiu a Presidência, pretendeu a transferência da gestão da política de saúde indígena para municípios ou para a iniciativa privada. O governo, num curto espaço de tempo, investiu na mudança do modelo de atenção à saúde indígena, rompeu com o programa “Mais Médicos”, por meio do qual se assegurava a presença de médicos em atendimento às populações, e colocou sob suspeição e desconfiança a gestão e o uso dos recursos financeiros por parte de governos anteriores e dos prestadores de serviços terceirizados.
É, portanto, dentro de um processo de desmonte da política de atenção à saúde indígena, que a pandemia da covid-19 chegou ao Brasil. Em função dela se tornou ainda mais visível a falta de profissionais, especialmente médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem e epidemiologistas, a ausência de infraestrutura para atendimento nos postos de saúde, em polos base, a precariedade dos equipamentos para o enfrentamento de endemias e epidemias. A chegada da covid-19 também evidencia as frágeis estruturas de comunicação e de informação, mostra que não foram tomadas medidas imediatas de esclarecimento das populações indígenas quanto a essa pandemia, ficando a atribuição sob a responsabilidade de equipes de agentes de saúde.
A pandemia afeta, muito particularmente, comunidades que não têm terras demarcadas ou aquelas que habitam áreas devolutas, muitas vezes degradadas e que estão há muito tempo em situação de vulnerabilidade, pois lhes falta saneamento básico, água potável, alimento, espaço para sustentar adequadamente suas formas de vida. Há famílias que não têm o que comer, pois o governo federal, que em períodos anteriores mantinha uma política assistencial para comunidades vulneráveis, deixou de fornecer cestas básicas já faz alguns meses. Em parte, a subsistência destas famílias era obtida com a venda de artesanato, o que se tornou inviável com a pandemia. Como viver sem terra, nas margens de rodovias, sem habitação adequada, em barracos improvisados e, ainda assim, enfrentar uma pandemia?
É necessário enfatizar que a situação dos povos indígenas e demais comunidades tradicionais, de Sul a Norte do país, é bastante grave. Nas regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, muitas comunidades estão excluídas do direito à terra, sem água para beber, para banhar-se, lavar roupas e utensílios, preparar os alimentos e cozinhá-los. Na região Norte, a maioria da população vive em suas terras, mas estas são invadidas, são devastadas e muitas comunidades estão submetidas a violências físicas, ameaças de morte e homicídios. Num contexto como este, é difícil proteger-se da pandemia, pois nestas terras circulam grileiros, posseiros, madeireiros, garimpeiros que, para além das ameaças usuais, ainda podem ser disseminadores da pandemia.
As sequelas da pandemia permanecerão entre os povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. No Brasil, o número populacional de indígenas se aproxima a um milhão de pessoas; destas, quase 40 mil adoeceram até o final do ano de 2020. Habitam o Brasil 305 povos diferentes e uma importante parcela populacional vive em regiões próximas às cidades ou em contexto urbano. Todas as comunidades acabaram afetadas diretamente ou simbolicamente.
A doença também atingiu o modo de ser, suas tradições, crenças, costumes, as culturas e as relações sociais entre os povos e com a sociedade envolvente. Os rituais fúnebres foram dramaticamente afetados, já que em algumas regiões não houve a possibilidade de se realizar o ritual de enterro dos mortos conforme suas crenças e ritos. Isso gerou, entre os povos indígenas, graves preocupações, dado que em algumas culturas há necessidade de rituais para que a pessoa consiga fazer sua passagem dessa dimensão terrena para a espiritual. Há, além de tudo, o aumento do preconceito aos povos em função da pandemia; em geral, as pessoas tratam os indígenas com desconfiança e até demonstram receios e medos quanto a uma possível aproximação. Esse fato vem sendo registrado por comunidades Mbya e Kaingang localizadas próximas às cidades.
Coronavírus e a antipolítica aprofundam o cenário de violência aos povos
A realidade dos povos indígenas, em tempos de pandemia da Covid-19, torna-se ainda mais dramática, uma vez que se soma a um contexto anterior de graves e profundas violências praticadas contra a vida e seus territórios. Há uma determinação, da parte do governo federal, de não se demarcar as terras, deixar de fiscalizar, protege-las e simultaneamente incentivar práticas criminosas de invasão e exploração das terras e todos os seus recursos. E, na medida em que os se indígenas reagem a esses crimes, são atacados, agredidos fisicamente e inclusive criminalizados. Temos, portanto, por um lado a desterritorialização e a agressão a vida como política e, por outro, a submissão dos povos a políticas assistências, como em saúde, que estão a cada dia mais restritivas e desrespeitam as diferenças étnicas, culturais, os saberes e modos de ser dos povos.
Quando a pandemia se instalou no Brasil e, em consequência também nos territórios e comunidades indígenas, não havia nenhum tipo de planejamento para assegurar a proteção e controle do vírus, a não ser o de se exigir o isolamento voluntário de todas as pessoas. Assim o fizeram, no entanto, a precariedade das condições sanitárias e de saneamento básico denunciou a vulnerabilidade das comunidades para enfrentarem à pandemia e de assegurarem as condições de subsistência. Em todas as comunidades, especialmente nas regiões Sul e Sudeste, as terras são insuficientes e degradadas. Nelas, em geral, não há água potável e as habitações são precárias. Não há saneamento básico, coleta de lixo e as infraestruturas para atendimento de doentes estão absolutamente precárias. Faltam profissionais de saúde, equipamentos, medicamentos e transporte. Ou seja, o quadro é de uma dramaticidade que pode levar ao genocídio dos povos.
Mesmo neste contexto sombrio de pandemia, da antipolítica deste governo genocida e dos ataques sistemáticos aos seus direitos, aos seus territórios e a vida, os povos indígenas e comunidades tradicionais seguem resistindo. A resistência dos povos está enraizada na mãe-terra e mergulhada nas profundezas das águas maternas. As formas de resistir se fazem sementes plantadas hoje, agora no presente, para florir e gerar vida de libertação no futuro.
Se você quiser contribuir, entre em contato e seja parte dessa rede de solidariedade imprescindível neste momento.