Por Eman Abusidu.
Gabriel Boric, de apenas 36 anos, presidente eleito mais jovem da história do Chile, recusou-se na manhã de quinta-feira (15) a receber o novo embaixador de Israel no país, Gil Artzyeli, para um evento no Palácio Presidencial em Santiago, no qual o diplomata deveria apresentar suas credenciais.
As notícias foram reportadas pelo jornal local Ex-Ante, muito embora o governo chileno insista na tese de adiamento. “Não há suspensão alguma, somente adiamento até a segunda semana de outubro”. O jornal, no entanto, confirmou que a decisão foi considerada “devido à morte de crianças pela recente escalada israelense na Cisjordânia e o aumento das atividades militares contra os palestinos”.
O Ministério de Relações Exteriores do Chile, em resposta a uma pergunta do Ex-Ante, afirmou: “A apresentação das credenciais de Israel foi remarcada para a segunda semana de outubro, dado que hoje é uma data muito sensível devido ao assassinato de um menino na Cisjordânia”. Artzyeli alegou que a chancelaria se desculpou com seu governo pelo adiamento; seu relato, no entanto, não pode ser corroborado.
A recusa de Boric em receber o novo embaixador israelense foi calorosamente acolhida pela vasta comunidade palestina no Chile. Seus representantes correram para elogiar a decisão do presidente por meio de uma declaração assinada pelo presidente da entidade, Maurice Khamis Massu. “A Comunidade Palestina do Chile estima enormemente a decisão de nosso presidente Gabriel Boric Font de adiar a cerimônia de apresentação das credenciais diplomáticas do novo embaixador israelense ao país, após o exército da ocupação assassinar o menor Oday Salah de Kafr Dan, na região de Jenin, dentro dos limites dos territórios ocupados”.
Massu agradeceu o presidente por seu apoio contínuo à causa palestina: “Acreditamos que, enquanto o mundo continuar a normalizar as ações de Israel e seus diplomatas, a situação dos palestinos não terá avanços. Israel comete sistematicamente crimes de guerra, crimes contra a humanidade e violações de direitos humanos, ao submeter a população palestina a um regime de apartheid”.
Em entrevista ao MEMO, reiterou Massu: “Nós, a Comunidade Palestina do Chile, apreciamos a decisão do presidente de adiar a cerimônia de credenciais diplomáticas no mesmo dia que Israel matou um menino palestino na Cisjordânia. Acreditamos que, enquanto persistirem crimes de guerra, lesa-humanidade e apartheid, a realidade cotidiana dos palestinos não mudará. Somos gratos ao gesto do presidente e esperamos que sirva de exemplo ao mundo no que se refere a violações de direitos humanos, sobretudo o assassinato de crianças”.
Não obstante, a decisão de Boric incitou indignação entre judeus sionistas do Chile e de outros países, que apelaram a uma retórica de pânico sobre eventuais ações futuras do presidente latino-americano. O governo israelense alegou repreender o embaixador chileno em Tel Aviv, Jorge Carvajal, que supostamente desculpou-se com Artzyeli e sua família.
Representantes da Comunidade Judaica do Chile (CJC) advertiram: “Não há precedente algum em nossa história tão grave quanto este. Não descartamos um protesto diplomático formalizado pelo governo de Israel”.
Gabriel Zaliasnik, ex-presidente da comunidade judaica no país, alegou que a recusa de Boric em receber as credenciais do embaixador israelense em Santiego representa a prova mais notória da animosidade do jovem presidente ao estado sionista, supostamente demonstrada desde seu mandato como deputado. “Não se trata apenas de um insulto à comunidade judaica no Chile, com centenas de anos de contribuição ao desenvolvimento nacional, mas envergonha também aqueles que valorizam a democracia e a liberdade ao menosprezar um país que abraça tais valores e com o qual possui relações próximas”.
Em sua entrevista ao Ex-Ante, prosseguiu Zaliasnik: “Lamentavelmente, o presidente arrasta a política externa do Chile e seus 70 anos de relacionamento com Israel ao desconhecido. Boric desalinha sua política externa da linha tradicional chilena que acompanha Europa, Canadá e Estados Unidos. Espero que o presidente dê uma explicação adequada à comunidade judaica e se desculpe por tamanha inominável ofensa”.
Boric é conhecido por seu apoio à causa palestina e a questões de direitos humanos – violados regularmente nos territórios ocupados por Israel. Em mais de uma ocasião, Boric denunciou o genocídio perpetrado pelo estado colonial sionista. Em entrevista à televisão local, durante sua campanha, Boric deixou clara posição sobre a matéria: “Não importa quanto poder tem um país, é preciso que nossa política externa defenda os direitos humanos com tudo que puder”.
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