A artista plástica Maria do Socorro, de Luanda, recorda como foi a experiência dos cubanos em Angola
Por Roberto Amado.
Angola também obteve ajuda de profissionais de saúde de Cuba. Principalmente depois da revolução e da guerra de fronteira com a África do Sul, no final da década de 1970, começo da de 1980. Nessa época, um grande contingente de médicos cubanos foi mandado para lá, com o objetivo de ajudar a melhorar situação precária da medicina do país.
Maria do Socorro é uma artista plástica angolana que vive em Luanda, capital do país. Ela se lembra dos tempos em que os médicos cubanos a assistiram, principalmente depois que seu filho sofreu um acidente de carro, em 1982.
“Tive consciência do que era enfrentar um pais onde até uma aspirina era uma conquista. Foi então que conheci e me consultei pela primeira vez com um médico cubano. Trajava um uniforme alvíssimo, com sapatos velhos e puídos. Dele, ouvi promessas de fazer tudo que estivesse ao seu alcance. A dor de ver o filho com o rosto destroçado amenizou-se. E o alivio foi ainda maior quando me deparei conversando com ele sobre a luta de ser mãe solteira”, conta.
Naquela época, segundo Maria do Socorro, não se sabia que país estaria por surgir daqueles escombros. ”Vivíamos emocionalmente envolvidos com a vitória de ser independentes, com a soberania e com o desafio de estar tudo por fazer, valendo-se apenas do conhecimento empírico de cada um, debilitados e fragilizados pela guerra, de costas para o mundo ocidental e de luto por tantos que morreram”, diz.
Com a guerra, muita gente fugiu de Angola, que passou a viver sob a ameaça da invasão iminente pela África do Sul. ”Os médicos cubanos chegaram em 1975, logo após a independência, e encontraram uma situação precária, com a fuga de tantas famílias”, diz José Duarte Marques Baptista, oficial reformado das forças armadas angolanas e arquiteto, ex-docente da Universidade Agostinho Neto. Cuba apoiou a revolução angolana. “Os médicos cubanos vieram para cobrir todo o território, estabelecendo-se nas áreas mais remotas, atendendo militares e civis. Não impunham condições de trabalho, se sujeitando a viver nas áreas mais remotas e inóspitas”, diz Baptista.
Socorro conta que a medicina, na época, era “surrealista”. “Afinal, estávamos em guerra e os militares na linha da frente tinham seus hospitais de campanha onde se faziam amputações e cirurgias de alto risco, em hospitais sem medicamentos, as macas rasgadas, corredores entupidos, muitas doenças e miséria. Os enfermeiros foram chamados a fazer cirurgias no campo de guerra ao lado de médicos cubanos”.
Quando os conflitos bélicos amenizaram (sem terminarem de vez), os cubanos passaram a se dedicar mais à população em geral, estabelecendo-se nos povoados e cidades. “Eles atendiam nos hospitais ou nas suas casas. Eram humildes, viviam com o estritamente necessário, atendiam a qualquer hora da noite e visitavam os pacientes nos bairros pobres. Estavam habituados a todo o tipo de restrições em Cuba e sabiam exatamente como se faz uma omelete sem ovo. Procuravam saber tudo sobre nós, pois nenhum deles tinha saído da ilha”.
E fora dos hospitais? “Eram amigos incansáveis, festeiros, mulherengos”, lembra Socorro. “Reis das cantadas mais bregas e óbvias. Farristas, eles e elas, com seus bigodes e lenços e calças arregaçadas. E apesar de falarem espanhol, se faziam entender. Riem e choram como nós, dançam como nós”.
“Tenho saudade e um profundo respeito por eles e gostaria de vê-los de volta com o mesmo espírito, porque nosso povo até hoje padece. Devo-lhes muito e não vou conseguir nunca pagar o tempo, a atenção e a alegria que me emprestaram”.
Fonte: Diário do Centro do Mundo