Por Tariq Ali.
(Artigo de Tariq Ali originalmente publicado no jornal britânico The Guardian, “Top 10 books about the Russian Revolution“)
O que eu queria fazer em “Os dilemas de Lenin: Guerra, Império\Imperialismo, Amor, Revolução” era localizar Lenin em seu próprio contexto histórico como estrategista político extremamente talentoso e pensador que, mais que qualquer outra figura histórica, dominou a paisagem do século XX. Alcançar isso significava estudar em detalhes as duas maiores correntes do pensamento político – anarco-terrorismo e a socialdemocracia europeia – que Lenin absorveu e transcendeu para criar uma nova síntese.
Ele não era nem santo nem um totalitário despótico, os dois papeis assinalados à ele após sua morte em 1924. Encondida sob o caos e a miséria criada pela horrenda guerra civil entre o exército vermelho e branco, (este último apoiado pela Grã Bretanha, os EUA, a França e seus aliados) estava a ameaça da razão.
Lenin nunca perdia da visão esta ameaça e nos seus últimos anos, debilitado por um derrame e confinado aos seus estudos, ele se dedicou a denunciar com vigor as falhas do seu próprio lado, e insistiu que se a revolução não fosse regularmente renovada ela sucumbiria. “Um bolchevique que não sonha é um mal bolchevique”, ele repetiria diversas vezes. Seu próprio sonho era um estado baseado na derrotada Comuna de Paris de 1871. Este sonho foi o pano de fundo do meu romance Fear of Mirrors, que eu comecei a escrever pouco depois da queda do muro de Berlim (e foi publicado recentemente pela Verso em inglês). Nas décadas que seguiram, as tragédias da revolução conseguiam nunca sair completamente da minha mente, já que Outubro de 1917 tinha sido um evento formativo pra minha geração e seus fantasmas espreitavam as ruas de Paris, Saigon e Praga em 1968.
Reler as histórias de 1917 e os próprios escritos de Lenin sem uma intenção instrumentalista, trouxe de volta memórias e momentos de descobrimento. De quatro obras que considero indispensáveis, duas foram escritas por russos e duas por norte-americanos. Todas as obras seguintes são úteis para ampliar nosso entendimento.
1. História da Revolução Russa, de Leon Trotsky
Esta apaixonada, partidária e lindamente escrita obra feita por um grande participante da revolução, escrita durante seu exílio na ilha de Prinkipo na Turquia, continua sendo uma das melhores obras sobre 1917. Nenhum contra-revolucionário, conservador ou liberal, foi capaz de competir com esta narração.
2. Revolução Russa 1917: Um registro pessoal, por NN Sukhanov
Este livro é leitura necessária para todos os jovens historiadores da revolução. Sukhanov, um menchevique de esquerda hostil à Lenin, que estava efetivamente presente em Petrogrado tanto em Fevereiro quanto em Outubro. Ele é uma das poucas, senão a única, confiável fonte ocular que registrou a chegada de Lenin à estação Finlândia e então o acompanhou à sede dos bolcheviques uma hora depois. Seu autodepreciativo registro da erupção de fevereiro transmite seu estilo de escrita:
Terça-feira, 21 de Fevereiro de 1917. Eu estava sentado no meu escritório na seção de Turkestan (do Ministério da Agricultura). Atrás de uma divisória dois datilógrafos estavam fofocando sobre a dificuldade com os alimentos, as filas nas lojas, a inquietação entre as mulheres, uma tentativa de invadir algum armazém. “Você sabe”, uma destas moças subitamente declarou “Se você me perguntar, este é o começo da revolução!” Estas garotas não entendiam o que era uma revolução. Nem eu acreditava nelas.
3. Dez dias que abalaram o mundo, de John Reed
Um radical americano da costa oeste é enviado para cobrir a revolução, é hipnotizado por ela e seus relatórios se combinaram em um livro que teve um enorme impacto nos EUA e além. Décadas depois, Warren Beatty o transformou em um filme, Reds, no qual as seções mais eletrizantes foram a aparição de testemunhas que haviam conhecido Reed.
4. Através da Revolução Russa, de Albert Rhys Williams
Williams já estava em Petrogrado quando Reed chegou e atuou calmamente como um tutor para seu colega selvagem e mais ativista. Seu livro é de algumas formas um trabalho mais sólido, ajudado por diversas conversas com Lenin e outros bolcheviques, assim como seus oponentes.
5. Ano Um da Revolução Russa, de Victor Serge
Este foi o primeiro trabalho não literário de Serge, composto no fim dos anos 1920 e, como ele mesmo colocou, “em fragmentos destacados que poderiam ser separados completamente e enviados ao exterior depois da pressa”. Este livro é tanto um testemunho à popularidade da revolução e as duras necessidades impostas na vermelha Petrogrado confrontada pela contra-revolução branca. Ele estava trabalhando no Ano Dois quando lhe foi permitido sair da Rússia stalinista em 1936. A polícia secreta russa decidiu reter seu manuscrito e o de seu romance completo; ambos desapareceram de seus arquivos.
6. O Comissariado do Esclarecimento, de Sheila Fitzpatrick
Um fascinante registro sobre a instituição que implementou as politicas culturais e educacionais da revolução após 1917. O Comissário era Anatole Lunacharsky, cuja auto-descrição como “uma bolchevique entre os intelectuais e uma intelectual entre os bolcheviques” era levemente exagerada, tendo em vista que o Comitê Central estava dominado por intelectuais: Lenin, Bukharin e Trotsky para mencionar alguns.
7. A Autobiografia de uma Comunista Sexualmente Emancipada, de Alexandra Kollontai
Kollontai, uma firme opositora da primeira guerra mundial, rompeu com moderados que apoiavam a guerra e se juntou aos bolcheviques, transformando-se em uma figura vital do movimento pela libertação das mulheres pelo qual ela lutou por toda sua vida. Ela foi a primeira mulher a ser indicada a embaixadora da Noruega e escreveu: “Eu entendi que com desse modo eu alcancei uma vitória não apenas para mim mesma, mas para mulheres em geral… Quando na ocasião me era dito que é verdadeiramente notável que uma mulher seja apontada para uma posição de tanta responsabilidade, eu sempre penso comigo mesmo que na análise final… o que é de significado totalmente especial é que uma mulher, como eu, que estabeleceu pontuações com o duplo padrão/a dupla moral e que nunca o escondeu, foi aceita dentro de uma casta que até hoje defende firmemente a tradição e a pseudo-moralidade.”
8. Raízes da Revolução: Uma História dos Movimentos Populistas e Socialistas da Rússia do Século 19, de Franco Venturi
Permitiu acesso à arquivos selados em Moscou que continha documentos de, e sobre, anarco-terrorismo, Venturi fez bom uso deles. Entristecido porque seu colegas soviéticos estavam barrados, ele produziu o que é uma obra-prima histórica sobre os antecessores dos bolcheviques.
9. Em direção à Chama: Império, Guerra e o Fim do Czarismo na Rússia, de Dominic Lieven
O primeiro capítulo explica por si só porque a revolução estava esperando por acontecer. Um registro magistral de um império decadente e um czar que “criou um buraco no centro da tomada de decisão que ele era incapaz de preencher”.
10. As Tarefas do Proletariado na Presente Revolução/Teses de Abril, de Vladimir Ilyich Lenin
Em tempos de crise, Lenin expôs seu pensamento na forma condensada de teses que eram explícitas, nitidamente escrito e conciso. Ele odiava desperdiçar palavras. Nas Teses de Abril ele argumentava pela revolução socialista contra o “marxismo ortodoxo”. Foi o sucesso dessa abordagem política com a massa dos trabalhadores que deslocou a maior parte do eleitorado urbano no sentido dos bolcheviques. O sucesso de Lenin internacionalizou o marxismo e o Manifesto Comunista se tornou o texto mais publicado depois da Bíblia.
Fonte: Esquerda Diário