Por Patrícia Faermann.
Heitor, de 7 anos, estava realizando o sonho de assistir a um concerto da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, na Sala São Paulo, neste último sábado (02), Dia Mundial da Conscientização sobre o Autismo. Sem diagnóstico do transtorno, o menino tem poucas respostas a estímulos e é portador de deficiência auditiva.
Amante da música e da arte, o sonho realizado pela mãe, Viviane Castro, terminou em trauma para ambos, quando um senhor humilhou e ofendeu a criança que respondia à música clássica com aplausos e reações pontuais de exaltação e alegria, contrastando com o polido e silencioso ambiente da alta sociedade paulistana.
As reações da criança foram recebidas, com sensibilidade, pela equipe de segurança e recepção da Sala São Paulo, e pelo próprio solista trompetista Pacho Flores, que em um momento de improvisação dedicou uma canção de ninar a Heitor, enviando-lhe um beijo com as mãos ao distante Camarote Superior, de onde a mãe com seu filho assistiam ao concerto.
Não foi a mesma receptividade de Jairo José da Silva, professor aposentado do Departamento de Matemática da Unesp de Rio Claro, que durante a pausa do concerto esbravejou gritos às funcionárias do teatro para que expulsassem a criança. Não é a primeira postura ofensiva do professor, que em 2016 protagonizou um ataque a uma estudante que participou dos protestos contra o impeachment de Dilma Rousseff e ficou cega pela repressão policial (relembre abaixo).
Já de volta para a segunda parte da apresentação, dentro da plateia, Jairo da Silva gritava “alguém vai calar a boca desse menino?”, “onde está esse monstrengo?”, apontando para cima e, diante do repúdio manifestado das pessoas ao seu redor, insultando: “parece que não é só ele que é débil mental aqui”.
Em seu relato, a mãe conta que um dos músicos da orquestra também se dirigiu ao camarote onde estavam e gesticulou expressões e sinais para que a Viviane tomasse alguma medida, seja sair do espaço ou silenciar seu filho.
“Ali de cima, coberta em lágrimas, ainda pude ver que outra vezes pessoas esbravejavam, gesticulando para que meu filho se calasse. Não bastasse a dor, diária, da luta contra a discriminação, ontem me senti humilhada, ofendida e acuada. Não conseguia segurar as lágrimas de desespero com a situação, sozinha e com medo”, escreveu a mãe, em suas redes.
Sofrendo com as agressões verbais e humilhação, Viviane chamou a Polícia Militar e a Guarda Civil Metropolitanada. Da plateia, Fábio Gusman, procurador judicial civil da Universidade de São Paulo (USP), testemunhou a cena e ofereceu auxílio, acompanhando os policiais a encontrar Jairo, para levá-lo à delegacia e fazer o boletim de ocorrência.
Ao GGN, Gusman relatou o episódio e afirmou que, se a mãe de Heitor assim desejar, podem ingressar com três vias judiciais: uma administrativa contra o músico da OSESP, que se dirigiu ao camarote da criança; e civil e penal contra o professor pelas ofensas. Gusman se disponibilizou a ajudar a mãe da criança como testemunha ou como advogado, mas lamenta que, provavelmente, em qualquer das opções, o episódio seja minimizado na instâncias judiciais.
Questionamos a OSESP se alguma medida será providenciada sobre o episódio. Até o fechamento da reportagem, nenhum posicionamento foi encaminhado.
“Pode ficar cega, é uma boa notícia”
Jairo José da Silva é professor aposentado do Departamento de Matemática da Unesp de Rio Claro. Em 2016, esteve envolvido em outro episódio que gerou o repúdio da comunidade acadêmica. No dia 1º de setembro, ele havia postado em suas redes sociais um comentário sarcástico relacionado a uma estudante da Unesp, que havia perdido a visão de um dos olhos, após ser atingida por bomba lançada pela polícia, durante uma manifestação “Fora Temer” e contra o impeachment de Dilma Rousseff, em São Paulo.
“É uma boa notícia”, havia dito o professor. “De vez em quando tem notícia potencialmente boa. Uma garota ficou ferida na esbórnia pro-Dilma em São Paulo. Pode ficar cega. Se for petista é uma boa notícia, mas não vai fazer muita diferença, já que já são cegos como toupeiras.”
Após a publicação do comentário, à época, a universidade, a Comissão de Ética da Unesp, o Observatório de Educação em Direitos Humanos, a Associação dos Docentes da Unesp (Adunesp), a Congregação do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Unesp de Rio Claro e a ADUNESP Sindical se manifestaram repudiando, veementemente, as ofensas do professor.