O território como constructo simbólico excludente e sua relação com a cultura

Por Edinaldo Enoque, de São Miguel do Oeste, para Desacato. info. 

A região não é uma unidade que contém uma diversidade, mas é produto de uma operação de homogeneização, que se dá na luta com as forças que dominam outros espaços regionais, por isso ela é aberta, móvel e atravessada por diferentes relações de poder (1999, p. 24). Por outro lado, o regionalismo é muito mais do que uma ideologia de classe dominante de uma dada região. Ele se apoia em práticas regionalistas, na produção de uma sensibilidade regionalista, numa cultura, que são levadas a efeito e incorporadas por várias camadas da população e surge como elemento dos discursos destes vários segmentos. (HEABSBERT, 1999, p. 28)

Como vimos, não encontramos na história do Brasil elementos que pudessem criar uma identidade de ser brasileiro. Sua extensão continental e sua histórica centralização política, fizeram da Independência e da Proclamação da República acontecimentos elitizados, sem participação popular.

As regiões, abandonadas pelos processos históricos de constituição espacial do Brasil, viram-se desamparadas quanto a formação de uma unidade cultural coletiva. A miscigenação cultural é uma marca da constituição do povo brasileiro. O território brasileiro compõe um mosaico cultural próprio, segundo o antropólogo Darcy Ribeiro. No entanto, isso não exime o fato de haver no Brasil a aceitação dessa diversidade cultural. Pelo contrário. O Brasil continua sendo um país elitista e preconceituoso no que se refere a cor e classe social.

Quando se trata da região Sul, aquele não descendente de alemães e italianos são chamados de “brasileiros”, em tom pejorativo. Por outro lado, é comum em estados que não os do Sul serem chamados de gaúchos todos aqueles pertencentes a um dos três estados. Isso denota orgulho, pois diferencia “o gaúcho” dos demais “brasileiros”.

É importante destacar que assim como em qualquer região do Brasil, há movimentos de preservação e divulgação da sua cultura. Isso é fundamental para que as futuras gerações conheçam o patrimônio histórico de seu povo e dos demais. Não é a questão da preservação e divulgação que levantamos. Nos referimos aqui a ideia que aparece na diferenciação entre o que é “gaúcho” e “brasileiro” no que se refere a valor, entre melhor ou pior.

A questão cultural é marcante na relação brasileiros e sulistas, mas muito mais por parte dos chamados sulistas do que mesmo pelos ditos brasileiros. Há na sociedade sulista uma consciência coletiva de que o gaúcho-ítalo-germânico é superior ao brasileiro no que se refere ao trabalho, educação e cultura por exemplo. O “Brasil” é tido como um empecilho ao desenvolvimento do Sul.

Nesse sentido, o território dos três estados do Sul ‘demarcados’ como território sulista seria mais próspero se houvesse uma separação. Cria-se, assim, uma imagem de que todo aquele que vive num desses três estados seriam superiores, ou se tornariam por osmose. O que de longe é uma verdade tendo em vista a já inserção de diversos grupos culturais “brasileiros” dentro desse território fictício.

Os sulistas procuram desse modo reforçar sua cultura contra a “aculturação brasileira” em relação ao restante do Brasil. Fortalecer sua cultura e protegê-la. Isso só seria possível por meio de uma divisão territorial. Enquanto isso não ocorre, o fortalecimento da cultura gaúcha-ítalo-germânica se dá por meio da educação. As crianças crescem ouvindo de seus pais, parentes e professores que a cultura e a tradição do Sul é superior à do restante o Brasil.

Exemplo simples e didático, é observar postagens no facebook sobre o tema. É muito comum vermos a dicotomia criada entre a cultura sulista e o samba, o funk, e o sertanejo, por exemplo. O interessante é notar que não há o contrário, de sambistas, funkeiros, sertanejos fazerem posts denigrindo a cultura do Sul em relação aos seus gostos musicais ou estéticos. Outro aspecto interessante dessa comparação na mesma rede social, é em relação as mulheres. Sempre “vestidas”, “comportadas” enquanto as mulheres de outros estados seminuas e em posições obscenas.

Isso denota um moralismo preconceituoso que visa denigrir a imagem dos outros estados, colocando o Sul como região exemplo a ser seguido. O território aqui se fortalece como um elemento simbólico, uma imagem criada por alguns de que ao se remarcar e separar os estados, a cultura do povo sulista seria salva do “mal” brasileiro.

Logo, esse tipo de preceito só alimenta o preconceito e a xenofobia. Em tempos de globalização econômica, midiática, pelo trânsito constante de turistas e trabalhadores, pelo fluxo de produtos culturais não só “brasileiros”, mas da própria cultura de massa mundial, acreditar num sonho de revitalização cultural por meio da separação, serve tão somente para alimentar o comunitarismo.

O comunitarismo, veremos melhor adiante, é movimento caracterizado pela ideia de fechamento comunitário e sonho de pureza, os movimentos comunitaristas espalhados pelo mundo são nomeadamente caracterizados pelo princípio xenofóbico. Não só os separatistas. Há movimentos comunitaristas pelo mundo que criam barreiras para imigrantes árabes, dificultam o acesso de refugiados, e negam vistos a pessoas de países pobres.

Numa ideia simples podemos sintetizar a questão do seguinte modo: regiões, consequentemente as culturas, não podem ser vistas como lagos, mas sim como represas. Lagos, são fechados por todos os lados. Hoje, mediante todas a transformações do mundo globalizado as regiões são como represas: parte da cultura fica a outra dialoga. Sempre haverá um dos lados abertos as correntes externas. E são essas correntes externas que alimentam e dão o dinamismo a represa, que enriquece as culturas. Se não houver nenhuma alimentação externa, os lagos apodrecem e toda vida morre. Saindo da metáfora, podemos observar que uma cultura não é capaz de viver por si só no século XXI, sem com isso cair em princípios excludentes, fascistas, que é uma cultura de morte.

Fonte foto de capa: http://x-vid.blogspot.com.br/.

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